Apelo à solidariedade e à acolhida
Cidade do
Vaticano (RV) – Papa Francisco iniciou, na manhã desta segunda-feira, sua
primeira visita em território italiano, que o levou a Lampedusa: uma ilha que
faz fronteira entre a África e a Itália.
A idéia de
visitar a ilha de Lampedusa nasceu por causa dos contínuos desembarques e
naufrágios de migrantes, sobretudo provenientes da África. Tocado por esta
série de tragédias, o Santo Padre, decidiu fazer uma visita à comunidade
paroquial e aos imigrantes sobreviventes, para com eles rezar e dar-lhes
coragem a superar com dignidade a dramática situação.
O Papa deixou a
Casa Santa Marta, onde reside no Vaticano, às 7.20, hora local e às 8.00 do
aeroporto romano de Ciampino. Após uma hora e quinze minutos de vôo, pousou no
aeroporto de Lampedusa, onde foi acolhido pelo Arcebispo de Agrigento, Dom
Francesco Montenegro, e pela prefeita da cidade, Giuseppina Nicolini.
A recepção foi
muito cordial, mas sem discursos e bem singela, segundo o desejo do próprio
Papa. Do aeroporto, o Pontífice foi de carro até à enseada Cala Pisana, de onde
embarcou, com a fragata da marinha italiana, ao Porto de Lampedusa, acompanhado
de cerca de cem pequenos barcos de pescadores. Durante o breve trajeto, Papa
Francisco lançou uma coroa de flores ao mar, em homenagem às vítimas dos
naufrágios.
Papa em viagem solidária |
Às 9,30, o barco
do Papa chegou ao Porto de Lampedusa, em Punta Favarolo, onde foi acolhido por
um grupo de jovens imigrantes. Um deles fez uma breve saudação ao Papa, em
árabe, em nome dos presentes, dizendo:
“Agradecemos
pela sua presença entre nós e esperamos que o senhor possa resolver nosso
problema. Fugimos do nosso país, por dois motivos: político e econômico.
Passamos por muitos obstáculos e fomos seqüestrados por traficantes até chegar
aqui. Esperemos que outros países Europeus também nos ajudem”.
O Papa agradeceu
os imigrantes e pediu para rezar, com ele, uns pelos outros. A seguir, o
Pontífice se dirigiu, com um jipinho local, ao campo esportivo vizinho, chamado
Arena, na localidade Salina, para a celebração da Santa Missa.
Durante a
celebração Eucarística, o Santo Padre utilizou um báculo pastoral, em forma de
cruz, feito com a madeira das embarcações naufragadas dos imigrantes. No braço
horizontal da cruz, estão entalhados dois peixes; e no vertical, cinco pães,
recordando a passagem evangélica da multiplicação dos pães: “Dai-lhes, vós
mesmos, de comer”.
Nestas palavras,
podemos reler o gesto significativo da partilha, daquele pouco que a comunidade
de Lampedusa tem, colocado à disposição nos momentos mais difíceis da acolhida
dos irmãos imigrantes. A incisão do coração, de cor vermelha, entre os dois
braços da cruz do báculo pastoral, significa a caridade, que deve estar sempre
ao centro da assistência dos refugiados da comunidade cristã.
Outro objeto
utilizado na Missa foi o Cálice de madeira, com revestimento interno em prata,
segundo as normas litúrgicas. À base do cálice foi colocado um cravo
transversal, que relembra a Paixão de Cristo. A madeira também foi utilizada de
embarcações dos naufrágios de imigrantes.
Tanto o báculo
pastoral como cálice são obra de um artesão da ilha de Lampedusa, que tanto
trabalhou, sobretudo nos dias de maior emergência, para socorrer os irmãos refugiados.
Missa em Lampedusa |
O ponto alto da
visita do Papa Francisco a Lampedusa foi a celebração Eucarística, no campo
esportivo de Arena. O formulário da Missa foi o da “remissão dos pecados, pelas
necessidades particulares", previsto pelo Missal Romano.
Os textos da
Liturgia da Palavra, como o acontecimento de Caim e Abel, a matança dos
inocentes e o salmo do Miserere nobis, como a cor roxa dos paramentos
litúrgicos, são consoantes ao aspecto penitencial e à sobriedade da Missa.
Papa Francisco
iniciou sua homilia com as seguintes palavras: “Os imigrados mortos no mar eram
trazidos por embarcações, que ao invés de serem meios de esperança os
conduziram à morte”! Ao saber destas notícias, que se repetiram numerosas
vezes, disse o Papa, “meu coração ficou transpassado, como por um espinho,
causando-me tanto sofrimento”.
Eis porque,
disse o Papa Francisco, “decidi fazer esta visita aqui, para rezar e realizar
um gesto de solidariedade, a fim de despertar as consciências para que tais
tragédias não se repitam mais.
Depois, o Papa
expressou seus agradecimentos ao arcebispo Montenegro, por sua cordial
saudação, mas, sobretudo, às associações, voluntários e forças de segurança,
que dispensaram e dispensam atenção e acolhida às pessoas em viagem rumo à
esperança e a uma vida melhor. “Vocês, disse, são uma pequena realidade, mas
oferecem um grande exemplo de solidariedade!”
Aqui, o
Pontífice dirigiu uma palavra também aos queridos imigrados muçulmanos, que
estão iniciando o jejum de Ramadã, desejando-lhes abundantes frutos
espirituais. A Igreja, afirmou, acompanha vocês e suas famílias na busca de uma
vida mais digna.
Partindo da
Liturgia do dia, o Santo Padre propôs algumas reflexões para mover a
consciência de todos e levar a tomar atitudes concretas para uma mudança
radical da realidade.
Neste sentido,
meditando as palavras da Liturgia, o Papa perguntou: “Adão, onde você está”?
Adão é um homem desorientado, que perdeu o seu lugar na criação, porque queria
se tornar poderoso e dominar tudo, como um deus. Mas, a harmonia se rompeu e o
homem errou.
E o Santo Padre
fez uma segunda pergunta: “Caim, onde está seu irmão”? O sonho de poder, de ser
grande como Deus, ou melhor, de ser outro deus, leva a uma cadeia de erros: a
cadeia da morte e ao derramamento de sangue do irmão!
Estas duas
questões ressoam hoje, com toda a sua força. E o Papa explicou:
“Muitos de nós,
eu inclusive, somos desorientados, não damos mais atenção ao mundo em que
vivemos, não temos cuidado com ele, não zelamos por aquilo que Deus criou para
todos e não somos mais capazes nem de cuidar uns dos outros. Quando esta
desorientação assume dimensões, grandes como o mundo, acontecem tragédias como
aquelas que assistimos”.
A pergunta “onde
está seu irmão” não é feita apenas a Caim, mas a mim, a você e a cada um de
nós. Muitos dos nossos irmãos e irmãs procuravam e procuram fugir de situações
difíceis, para encontrar um pouco de serenidade e de paz; buscam um lugar
melhor para si e suas famílias; mas, quantas vezes não encontram compreensão, acolhida,
solidariedade!
O Papa perguntou
ainda: “Onde está seu irmão”? Quem é o responsável pelo derramamento de sangue
de tantos irmãos e irmãs? E disse: “Ninguém”, respondemos nós: “Não fui eu; foram
outros”... E acrescentou:
“Hoje, ninguém
se sente responsável por isso; perdemos o sentido da responsabilidade fraterna;
repetimos a atitude hipócrita do sacerdote e do servidor do altar, da qual
Jesus fala na parábola do Bom Samaritano: olhamos o irmão meio morto à margem
da estrada e, talvez, dizemos “coitadinho”, e continuamos a caminhar, pensando:
“Esta tarefa não é minha”... e vivemos tranqüilos”!
A cultura do
bem-estar, comentou o Pontífice, nos leva a pensar só em nós mesmos, nos torna
insensíveis ao grito de socorro dos outros, nos tornam como bolhas de sabão e
nos deixam na indiferença, na ilusão. Estamos acostumados a ver os outros
sofrerem.
Mas, isto não
nos interessa, não é problema nosso: somos responsáveis anônimos e sem rosto.
Porém, o Papa acrescentou uma terceira pergunta à sua reflexão: “Quem chorou
pela morte desses irmãos e irmãs que estavam nas embarcações? E pelas jovens
mães que traziam seus filhos? E por aqueles jovens que buscavam um futuro
melhor para suas famílias?
O Papa respondeu
dizendo: “Somos uma sociedade que não sabe mais chorar. Eis a globalização da
indiferença! E concluiu com uma exortação:
“Peçamos ao
Senhor a graça de chorar pela nossa indiferença, pela crueldade que reina no
mundo, em nós e também naqueles que tomam decisões sócio-econômicas, que abrem
a estrada para dramas como estes. Peçamos perdão pela indiferença com tantos
irmãos e irmãs; perdão pelos acomodados, fechados em seus corações
anestesiados; perdão por aqueles que, por causa das suas decisões, em nível
mundial, criaram situações que se concluem com estes dramas”.
Papa Francisco
concluiu sua comovente homilia, repetindo as perguntas: “Adão, onde você está”?
“Onde está o sangue do seu irmão”? E, antes da dar a bênção final aos numerosos
fiéis presentes, fez uma oração diante da imagem da Virgem Maria, Estrela do
Mar e Refúgio dos Pecadores, implorando sua proteção e socorro para a
comunidade de Lampedusa e seus imigrantes.
Ao término da
celebração Eucarística, o Pontífice dirigiu-se de jipinho à paróquia de São
Gerlando, para uma breve visita. A seguir, se transferiu ao aeroporto de
Lampedusa, onde tomou o avião que o levou para Roma, onde chegará pelas 14
horas locaius. O Papa dirigiu-se, de carro, diretamente para o Vaticano. (MT)
Fontes: www.news.va www.radiovaticana.va
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