A força do perdão
Toda vez que
ouço o trecho do Evangelho no qual Jesus diz que devemos perdoar setenta vezes
sete fico pensando no que significa perdoar sempre. É algo muito mais profundo
do que simplesmente perdoar. Dizer a um cego de nascença como é o vermelho é
muito difícil, ele nunca teve uma experiência de cores. Podemos fazer
comparações com coisas que ele já tocou e sentiu, mas nunca poderá ter uma
ideia exata da cor vermelha até que a experimente. Penso que assim é com o
perdão. Posso ler e ouvir muitas coisas bonitas sobre o perdão, testemunhos
comoventes, mas enquanto eu não sentir na minha pele o que é perdoar, e perdoar
de todo o coração, não saberei o que ele significa.
Olhando para
Jesus, percebemos uma ternura muito grande para com todos que dele se
aproximavam. Desde os pobres, doentes, pecadores, até os ricos, fariseus,
funcionários romanos, enfim, todos encontravam no Mestre de Nazaré um oceano de
ternura e atenção. “De tão humano só podia ser divino”, já disse alguém. Com
Santa Teresa de Jesus, que viveu na Espanha no século 16, vemos um despertar
para um aprofundamento na humanidade de Cristo. Teresa soube, como ninguém,
penetrar nos mistérios da sacratíssima humanidade de Jesus Cristo e, com sua
sensibilidade feminina, nos descortinar horizontes novos na interpretação do
Novo Testamento. Vejamos apenas um exemplo: “Vede como o Senhor respondeu por
Madalena na casa do fariseu e quando a sua própria irmã a culpava (Lc 7,36-40;
10,38). Ele não vos tratará com tanto rigor quanto tratou a si próprio, pois,
quando teve um ladrão como Seu defensor, Ele já estava na cruz; assim, Sua
Majestade fará que alguém vos defenda e, quando não o fizer, é que não será necessário”
(Caminho 15,7).
Ao
contemplarmos, com atenta sensibilidade, as palavras e gestos de Jesus,
chegamos à conclusão que o perdão era para ele o seu ‘lugar’, o seu ‘habitat’,
pois Ele mesmo disse: “a boca fala da abundância do coração” e “pelos frutos se
conhece a árvore”. Um homem ‘todo amor’ só podia espalhar perdão ao seu redor.
Sem o amor é impossível perdoar. Ao morrer na cruz perdoando seus algozes,
Jesus deu a máxima lição de amor e de misericórdia e desvendou-nos o segredo do
perdão. “Eles não sabem o que fazem...”. Estas palavras manifestam uma grande
compaixão do Mestre por aqueles que lhe queriam tirar a vida. Não, eles não
sabem o que fazem, pois se soubessem não o crucificariam. Também quem nos
ofende, nos magoa, nos faz algum mal não sabe o que faz. Não percebe toda a
extensão e consequência de seu mal. Mas, afinal, o que é perdoar? Por que
perdoar?
Perdoar é divino
A palavra ‘perdão’ significa, segundo o Dicionário Aurélio, remissão
de pena, desculpa, indulto. Na ética: Renúncia de pessoa ou instituição à
adesão às consequências punitivas que seriam justificáveis em face de uma ação
que, em níveis diversos, transgride preceitos jurídicos, religiosos, morais ou
afetivos vigentes.
Em outras palavras, é não querer punir o culpado, é a libertação
do prisioneiro que está preso no próprio erro, através de um gesto não comum.
“Errar é humano, perdoar é divino”, diz um ditado popular. Realmente, “perdoar
é divino”, entretanto Deus nos capacita a fazê-lo. Não significa negar o erro
de alguém, mas deixar de castigá-lo por este erro, ou seja, é um ato da vontade
que se faz senhora da situação, perdoando. Quem perdoa não fica diminuído, pelo
contrário, cresce porque é capaz de renunciar a si mesmo, àquilo que parece ser
seu direito, em favor de alguém. Mas, ao contrário das aparências, o grande
favorecido é quem perdoou, porque quem perdoa está conquistando a própria paz
interior.
Se
fizéssemos uma análise sumária da situação mundial, poderíamos dizer que
vivemos numa contínua tensão bélica. Às vezes fico pensando: qual será a próxima
vítima das grandes organizações de traficantes e terroristas? Ou até dos que
fazem o mal ‘fortuitamente’, porque aparece ocasião para roubar, matar etc.,
nas pequenas e grandes cidades? Bastaria o perdão para que o mal desaparecesse
do mundo e, sem o mal, viveríamos num paraíso terreno, como nos apresenta o
Gênesis (Gn 1).
Irmã
Maria Elizabeth da Trindade, ocd
Fonte: Site do Jornal
de Opinião
Ilustração: www.paróquiadetarouca.blogspot.com
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