A paróquia
perfeita
Conta-se que um jovem procurou, um dia, um eremita,
isto é, uma dessas pessoas que vivem retiradas do mundo, isoladas, em meio a
sacrifícios, orações e jejuns. Os eremitas não fogem do mundo para procurar
Deus, mas levam o mundo em seus corações para, na oração, interceder por seus
irmãos e irmãs que lutam, sofrem e procuram a vontade do Senhor. O jovem
falou-lhe de sua decepção com a paróquia de sua cidade. Afinal, sonhara tanto
com uma comunidade ideal, sem defeitos e sem problemas, e lá encontrara somente
pessoas com imperfeições.
O experiente eremita levou-o, então, a um lugar não
muito distante, onde havia uma capela, e perguntou-lhe: “O que você está
vendo?” A resposta foi imediata: “Vejo uma velha capela de madeira, com algumas
tábuas um tanto apodrecidas e a pintura toda desbotada!” “É verdade”,
respondeu-lhe o eremita. “A capela é isso mesmo que você está falando. Veja,
porém: nela habita Deus! O mesmo acontece com sua paróquia. Ela não é tão pura
e perfeita como você deseja, porque é formada por seres humanos. Você também é
um ser humano e, por isso, continuamente faz experiência das próprias
limitações e pecados. Por sinal, mesmo que você encontrasse, um dia, uma
paróquia perfeita, ela deixaria de ser perfeita tão logo você nela entrasse!”
Meu artigo poderia terminar por aqui, porque meus
leitores já perceberam aonde quero chegar. Mas vou adiante, lembrando uma
observação que a Igreja fez de si mesma, cinco décadas atrás. Os bispos do
mundo inteiro estavam reunidos em Roma, participando do Concílio Ecumênico
Vaticano II (“segundo” porque outro concílio ecumênico havia sido realizado
antes no Vaticano, em 1870). A preocupação que dominava seus participantes pode
ser sintetizada em uma pergunta: “Igreja, o que dizes de ti mesma?” A belíssima
e profunda resposta que surgiu das orações e reflexões dos bispos pode ser lida
no documento mais importante desse Concílio: “Lumen Gentium” (Luz das nações).
Como desejo voltar à história narrada acima, destaco desse documento a parte
que diz: “A Igreja cerca de amor todos os afligidos pela fraqueza humana,
reconhece mesmo nos pobres e sofredores a imagem de seu Fundador pobre e
sofredor. Faz o possível para mitigar-lhes a pobreza e neles procura servir a
Cristo. Mas enquanto Cristo, ‘santo, inocente, imaculado’ (Hb 7,26) não
conheceu o pecado (cf. 2Cor 5,21), mas veio para expiar os pecados do povo (cf.
Hb 2,17), a Igreja, reunindo em seu próprio seio os pecadores, ao mesmo tempo
santa e sempre na necessidade de se purificar, busca sem cessar a penitência e
a renovação” (LG 8).
Não tenhamos, pois, ilusões: a comunidade perfeita
existe, sim, mas na eternidade. Enquanto formos peregrinos nesta terra dos
homens, viveremos em função de um desafio, de uma certeza e de uma utopia.
O desafio: deve orientar-nos a ordem dada por
Cristo – isto é: “Sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito!” (Mt
5,48). Há muito que fazer, pois, para atingirmos a perfeição! A certeza: “Não
vos deixarei órfãos!” (Jo 14,18). Se nossa luta em busca da santidade exige
muito de nós, alegra-nos a certeza de que não estamos sozinhos nesse esforço.
Jesus está muito mais interessado em nossa vitória (e em nossa santidade) do
que nós mesmos. E ele vai nos ajudar! A utopia: “Vi, então, um novo céu e
uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já
não existia. Eu vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a nova
Jerusalém, como uma esposa ornada para o esposo. Ao mesmo tempo, ouvi do trono
uma grande voz que dizia: ‘Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens.
Habitará com eles e serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Ele
enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito,
nem dor, porque passou a primeira condição’ ”(Ap 21,1-4). Trabalhemos,
portanto, para que nosso mundo (nossa paróquia, nossa família, nosso coração
etc.) melhore; mas não nos iludamos: a perfeição só encontraremos quando Cristo
for tudo em todos (cf. Cl 3,12).
Dom Murilo
Krieger - Arcebispo de Bahia e
Primaz do Brasil
Fonte: Site
da CNBB
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