A traição de Judas continua na história
e o traído é sempre Jesus
e o traído é sempre Jesus
Cidade do
Vaticano (RV) - O Papa Francisco presidiu, na tarde desta Sexta-feira
Santa, na Basílica Vaticana, a celebração da Paixão do Senhor, com o rito da
Adoração da Cruz, que caracteriza esta celebração. Como habitual nesta ocasião,
a homilia foi feita pelo pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero
Cantalamessa.
"Estava com
eles também Judas, o traidor." A homilia do frei capuchinho partiu desta
afirmação, frisando que a primeira comunidade cristã tem refletido muito sobre
ele e que nós faríamos mal se não o fizéssemos o mesmo. Judas tem muito a nos
dizer, destacou.
O religioso
lembrou que "Judas não tinha nascido traidor e não o era quando foi
escolhido por Jesus; tornou-se! Estamos diante de um dos dramas mais obscuros
da liberdade humana. Por que se tornou?" – perguntou.
Frei
Cantalamessa recordou que em anos não distantes tentou-se dar a seu gesto
motivações ideais, outros pensaram que Judas estivesse desapontado com a
maneira em que Jesus realizou a sua idéia do "reino de Deus" e que
quisesse forçá-lo a agir no plano político contra os pagãos.
Frei Raniero Cantalamessa |
Os Evangelhos
falam de um motivo muito mais terra-terra – observou: o dinheiro. Judas tinha a
responsabilidade da bolsa comum do grupo; na ocasião da unção em Betânia havia
protestado contra o desperdício do perfume precioso derramado por Maria aos pés
de Jesus, não porque se preocupasse pelos pobres, assinala João, mas porque
“era um ladrão e, como tinha a bolsa, tirava o que se colocava dentro"(Jo
12, 6). A sua proposta aos chefes dos sacerdotes é explícita: “Quanto estão dispostos
a dar-me, se vo-lo entregar? E eles fixaram a soma de trinta moedas de
prata" (Mt 26, 15).
Mas por que
maravilhar-se desta explicação e achar que ela é banal? Não foi quase sempre
assim na história e não é ainda assim hoje em dia? Mamona, o dinheiro, não é um
dos muitos ídolos; é o ídolo por excelência; literalmente, “o ídolo de metal
fundido" (cf. Ex 34, 17), frisou o pregador da Casa Pontifícia.
Quem é, nos
fatos, o outro patrão, o anti-Deus, Jesus no-lo diz claramente: “Ninguém pode
servir a dois senhores: não podeis servir a Deus e a Mamona” (Mt 6, 24). O
dinheiro é o "deus visível", em oposição ao verdadeiro Deus que é
invisível.
Mamona é o
anti-Deus, porque cria um universo espiritual alternativo, muda o objeto das
virtudes teologais. Fé, esperança e caridade não são mais colocados em Deus,
mas no dinheiro. Ocorre uma sinistra inversão de todos os valores. "Tudo é
possível ao que crê", diz a Escritura (Mc 9, 23); mas o mundo diz:
"Tudo é possível para quem tem dinheiro”. E, em certo sentido, todos os
fatos parecem dar-lhe razão.
Citando a
Escritura, Frei Cantalamessa lembrou que "o apego ao dinheiro é a raiz de
todos os males". Por trás de todo o mal da nossa sociedade está o
dinheiro, ou pelo menos está também o dinheiro.
O que está por
trás do tráfico de drogas que destrói tantas vidas humanas, a exploração da
prostituição, o fenômeno das várias máfias, a corrupção política, a fabricação
e comercialização de armas, e até mesmo - coisa horrível de se dizer - a venda
de órgãos humanos removidos das crianças? E a crise financeira que o mundo
atravessou e que este país ainda está atravessando, não é, em grande parte,
devida à "deplorável ganância por dinheiro", o auri sacra fames, de
alguns poucos? Judas começou roubando um pouco de dinheiro da bolsa comum. Isso
não diz nada para certos administradores do dinheiro público?
Mas sem pensar
nesses modos criminosos de ganhar dinheiro, por acaso, já não é escandaloso que
alguns percebam salários e pensões cem vezes maiores do que daqueles que
trabalham nas suas casas, e que já levantem a voz só com a ameaça de ter que
renunciar a algo, em vista de uma maior justiça social?
Como todos os
ídolos, o dinheiro é "falso e mentiroso": promete a segurança e, em
vez disso, a tira; promete a liberdade e, em vez disso, a destrói, ressaltou
Frei Cantalamessa.
Após afirmar que
o deus dinheiro se encarrega de punir, ele mesmo, os seus adoradores, o frei
capuchinho recordou que "é possível trair Jesus também por outros tipos de
recompensa que não sejam as trinta moedas de prata. Trai a Cristo quem trai a
própria esposa ou o próprio marido. Trai a Jesus o ministro de Deus infiel ao
seu estado, ou que, em vez de apascentar o rebanho apascenta a si mesmo. Trai a
Jesus quem trai a própria consciência".
O religioso
franciscano observou que Judas tinha um atenuante que nós não temos. Ele não
sabia quem era Jesus, considerava-o somente “um homem justo”; não sabia que era
o Filho de Deus, nós sim.
O Evangelho
descreve o fim horrível de Judas: "Judas, que o havia traído, vendo que
Jesus tinha sido condenado, se arrependeu, e devolveu as trinta moedas de prata
aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo: pequei, entregando-vos sangue
inocente. Mas eles disseram: O que nos importa? O problema é seu. E ele,
jogando as moedas no templo, partiu e foi enforcar-se” ( Mt 27 , 3-5).
Mas não
julguemos apressadamente, disse o pregador da Casa Pontifícia. Jesus nunca
abandonou a Judas e ninguém sabe onde ele caiu quando se jogou da árvore com a
corda no pescoço: se nas mãos de Satanás ou naquelas de Deus. Quem pode dizer o
que aconteceu na sua alma naqueles últimos instantes? "Amigo", foi a
última palavra que Jesus lhe disse no horto e ele não podia tê-la esquecido,
como não podia ter esquecido o seu olhar.
O destino eterno
da criatura é um segredo inviolável de Deus. A Igreja nos garante que um homem
ou uma mulher proclamados santos estão na bem-aventurança eterna; mas de
ninguém a Igreja sabe com certeza que esteja no inferno.
Da mesma forma
que procurou o rosto de Pedro depois de sua negação para dar-lhe o seu perdão,
terá procurado também o de Judas em algum momento da sua via crucis! Quando da
cruz reza: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23 , 34), não
exclui certamente deles a Judas.
Então, o que
faremos, portanto, nós? Quem seguiremos, Judas ou Pedro? – perguntou o
religioso. Pedro teve remorso pelo que ele tinha feito, mas também Judas teve
remorso, tanto que gritou: "Eu traí sangue inocente!", e devolveu as
trinta moedas de prata. Onde está, então, a diferença? Em apenas uma coisa:
Pedro teve confiança na misericórdia de Cristo, Judas não! O maior pecado de
Judas não foi ter traído Jesus, mas ter duvidado da sua misericórdia.
Se nós o
imitamos, quem mais quem menos, na traição, não o imitemos nesta sua falta de confiança
no perdão, exortou. Existe um sacramento no qual é possível fazer uma
experiência segura da misericórdia de Cristo: o sacramento da reconciliação.
Como é belo este sacramento! É doce experimentar Jesus como mestre, como
Senhor, mas ainda mais doce experimentá-lo como Redentor: como aquele que te
tira para fora do abismo.
Concluindo, o
pregador da Casa Pontifícia recordou que Jesus sabe fazer de todas as culpas
humanas, uma vez que nos tenhamos arrependido, “felizes culpas”, culpas que não
são mais lembradas a não ser pela experiência da misericórdia e pela ternura
divina da qual foram ocasião! (RL)
Papa Francisco:
"Na Cruz, vemos a monstruosidade do homem
quando se deixa guiar pelo mal"
“Nosso Jesus, guia-nos da cruz à ressurreição e ensina-nos
que o mal não terá a última palavra, mas o amor, a misericórdia e o perdão”:
palavras pronunciadas pelo Papa Francisco ao final da Via-Sacra no Coliseu de
Roma – uma meditação que não estava prevista.
Francisco evocou
os sofrimentos provocados pela doença e o abandono e condenou as injustiças
cometidas por "cada Caim contra o seu irmão".
Após as 14
estações, Francisco disse que Deus colocou na cruz de Cristo o peso dos pecados
da humanidade, "a amargura" da traição, a "vaidade" dos
prepotentes, a "arrogância dos falsos amigos".
"Era uma
cruz pesada, como a noite das pessoas abandonadas, como a morte dos entes
queridos", afirmou, recordando todavia que era também "uma cruz
gloriosa", porque simboliza o amor de Deus, que é maior do que nossas
injustiças e nossas traições.
Na cruz vemos a
monstruosidade do homem quando se deixa guiar pelo mal, mas também vemos a
imensidão da misericórdia de Deus, que não nos trata segundo os nossos pecados,
mas segundo a sua misericórdia.
Diante da cruz
de Jesus, vemos, quase tocando com as mãos, quanto somos amados eternamente por
Deus – disse ainda o Pontífice, recordando que neste momento nos sentimos seus
filhos e não "coisas" ou objetos.
Citando S.
Gregório Nazianzeno, o Papa completou: “Nosso Jesus, guia-nos da cruz à
ressurreição e ensina-nos que o mal não terá a última palavras, mas o amor, a
misericórdia e o perdão. Todos juntos, recordemos os doentes, lembremos todas
as pessoas abandonadas sob o peso da cruz, a fim de que encontrem na provação
da cruz a força da esperança, da esperança da ressurreição e do amor de
Deus".
Injustiças,
precariedade, desemprego: cerca de 40 mil fiéis acompanharam, no Coliseu, a
procissão com os últimos do mundo, com os “novos crucificados”. Para Francisco,
cada estação da Via-Sacra corresponde a uma ferida contemporânea: o peso da
crise, os imigrantes, os doentes terminais, a exploração das mulheres, mas
também a experiência da prisão, da tortura, da solidão.
As meditações
foram propostas pelo Arcebispo italiano de Campobasso-Boiano, Dom Giancarlo
Bregantini, com o tema “Rosto de Cristo, Rosto do Homem”.
A cruz foi
carregada por cardeais, operários e empresários, imigrantes, sem-teto,
detentos, mulheres, doentes, crianças e idosos.
Na cruz levada
por Jesus até ao calvário, escreveu Dom Bregantini, estão “o peso de todas as
injustiças que produziram a crise econômica, com as suas graves consequências
sociais: precariedade, desemprego, demissões, dinheiro que governa em vez de
servir, especulação financeira, suicídios de empresários, corrupção e usura,
juntamente com empresas que deixam os países”.
O Arcebispo
pediu que se chore “pelas mulheres escravizadas pelo medo e a exploração”, mas
recordou que “não basta bater no peito e sentir comiseração”. As mulheres devem
“ser tranquilizadas como Ele fez, devem ser amadas como um dom inviolável para
toda a humanidade”.
Numa das
estações, Dom Bregantini criticou também as condenações e “acusações fáceis, os
juízos superficiais entre o povo, as insinuações e os preconceitos que fecham o
coração e se tornam cultura racista, de exclusão e de descarte”.
O Arcebispo
recordou que Jesus ensina a viver “não mais na injustiça, mas capazes, com a
Sua ajuda, de criar pontes de solidariedade e esperança".
O texto fala
ainda da dor de “toda mãe por seus filhos distantes, pelos jovens condenados à
morte ou que partiram para a guerra, principalmente as crianças-soldado”, pelo
filhos que morrem devido a incêndios de resíduos tóxicos ou viciados em droga e
álcool.
Por fim, os
detidos nos cárceres, com todas as suas desumanas contradições, como a
burocracia, os suicídios, a lentidão da Justiça e a superlotação. Mais grave,
no entanto, é a prática da tortura. “Em cada prisão, ao lado de cada torturado,
está sempre Ele, o Cristo sofredor, encarcerado e torturado.” (BF)
Fonte: radiovaticana.va news.va
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