Cinco 'Jesuses':
os quatro que inventamos, e o que nós encontramos
"Sem a
Igreja, Jesus ficaria à mercê da nossa imaginação, das nossas interpretações,
do nosso humor", disse o papa Francisco no dia 1º de janeiro. Isto, sem
dúvida alguma, é verdade. Nós reescrevemos Jesus, como em “O Código Da Vinci”;
nós o repensamos sem a fé, como nas obras do cético Bart Ehrman; ou
reimaginamos a fé sem a religião, como tentaram fazer, em seus livros recentes,
os autores James Carroll e Bill O'Reilly.
Existem vários
Jesuses em nossa cabeça e é importante fazer o esforço de separá-los. Eu não
pretendo listar aqui todas as respostas erradas para a pergunta "Quem é
Jesus?". A verdade é que eu mesmo caio com frequência em cada uma das
respostas erradas – e suspeito que mais gente também...
O primeiro
Jesus: um vívido e amoroso amigo imaginário
Minha esposa e
eu damos aulas para os crismandos em nossa paróquia de Atchison, no Estado do
Kansas, EUA, e eu sempre abro a primeira aula dizendo: "Levante a mão quem
acha que a seguinte afirmação é verdadeira: Jesus é um amigo imaginário que vai
nos dar um abraço toda vez que precisarmos dele". Normalmente, pelo menos
a metade das mãos se joga para cima. Às vezes, quase todas. Mas eu estou
orgulhoso dos meus alunos deste ano: eles não só não levantaram mão nenhuma
como ainda protestaram: "Ele não é imaginário!".
De qualquer
maneira, mesmo a turma deste ano teve dificuldades para entender que nem sempre
Jesus nos abraça: algumas vezes, Ele retém o seu amor para nos fazer desejá-lo
com mais intensidade. A verdade é que todos nós, de vez em quando, fazemos de
Jesus uma espécie de consolação emocional. Mas isso é perigoso. Jesus mesmo nos
disse: "Quem me ama, guardará os meus mandamentos". Ora, se o nosso
Jesus é só um amigo imaginário abraçável, guardar os mandamentos dele é uma
coisa que não fará sentido nenhum nem terá impacto algum sobre nós. E o mundo
vai descartar rapidamente esse Jesus por vê-lo apenas como uma fraqueza
psicológica nossa, da qual é melhor não participar.
O segundo Jesus:
um embasamento moral para a nossa ideologia
Vivemos em uma
sociedade onde as perguntas sobre nós não priorizam mais "Qual é a sua
religião?" ou "De que família você é?", mas sim "Qual é o
seu partido ou orientação política?". Numa sociedade assim, corremos o
constante perigo de politizar Jesus Cristo. Um lado se convence de que Jesus
vota na direita porque os direitistas são pró-vida (ou, pelo menos, são contra
o aborto) e avessos à redefinição do casamento. O outro lado tem certeza de que
Jesus vota na esquerda porque os esquerdistas se opõem às guerras (exceto
quando eles próprios começam as guerras) e se mostram a favor dos pequenos
(desde que os pequenos já tenham nascido, não sejam muito velhos e não
trabalhem numa fábrica na China).
Como quer que
seja, podemos reduzir Jesus, no meio desses mal-entendidos, a um fator entre
muitos outros fatores que compõem algo de grande importância para nós: as
nossas opiniões políticas (ou aquilo que achamos que são “opiniões políticas”).
Este Jesus não tem a nossa permissão para desafiar essas opiniões; nós é que
procuramos garantir que esse “nosso” Jesus as reforce sempre.
O terceiro
Jesus: um talismã mágico
Este erro na
visão que temos de Jesus pode ser cometido tanto por quem o evoca quanto por
aqueles que o temem. Para os religiosos, Jesus pode se tornar um tipo de “gênio
da lâmpada” capaz de realizar os seus desejos, bastando repetir esses desejos
com insistência e com “sentimento”. Já para os temerosos, Jesus pode virar uma
espécie de “bicho-papão”: Ele não é levado muito a sério, mas também é bom não
“desrespeitá-lo”, por que vai que isso dá azar ou atrai represálias do
além...
Trate-se de
religião superficial ou de mera superstição, esta atitude presta a Jesus um
terrível desserviço e acaba destruindo a fé nele. Se Deus, para nós, serve
apenas para satisfazer os nossos desejos errantes, não vamos demorar a
descobrir que Ele não “funciona” do jeito que gostaríamos. E se Jesus é só uma
“força do karma” que nos exige tomar cuidado, logo descobriremos que Ele é uma
força bem fraquinha...
O quarto Jesus:
o da apologética
Outra armadilha
em que os católicos ativos, leitores de blogs e defensores da Igreja podem cair
facilmente é a de reduzir Jesus a um item-chave para as suas discussões: aquela
figura que serve para “dar sentido” aos seus argumentos.Quando descobrimos a
apologética, percebemos que a nossa fé não é um absurdo; que ela dá forças para
a nossa vida e melhora o nosso relacionamento com Deus durante algum tempo.
O problema é
quando tudo acaba por aí mesmo. O fato é que o nosso relacionamento com Deus
tem que progredir sempre. Não basta concluir que “Jesus demonstra que a Igreja
está certa e que o mundo está errado”; é preciso descobrir que “Jesus é a
Verdade, a Beleza, a Bondade e o Mistério, e que o mundo e eu temos que lutar
para compreendê-lo melhor”. Esse Jesus da apologética, no fim das contas, não é
tão diferente do "Jesus histórico" sobre o qual os céticos gostam de
especular: Ele é um mero objeto de erudição humana, uma figura fascinante, mas
remota.
O quinto Jesus:
o Deus Filho e o filho de Maria
Eu não vou
conseguir resumir o verdadeiro Jesus em poucas frases, mas, na primeira homilia
que fez em janeiro, o papa Francisco nos deu uma pista: "A nossa fé não é
uma doutrina abstrata ou uma filosofia, e sim uma relação vital e completa com
uma pessoa: Jesus Cristo". Jesus é o verdadeiro Deus que realmente
compartilhou da nossa humanidade e que realmente está conosco nos
sacramentos.Os mal-entendidos em que caímos quando o assunto é Jesus não são
muito diferentes dos enganos que cometemos no tocante a outras pessoas que
fazem parte da nossa vida.
Tendemos a
diminuir, romantizar ou desdenhar a nossa esposa ou o nosso marido em vários
aspectos da nossa relação, antes de nos lembrarmos de que ela ou ele é de carne
e osso. A melhor maneira de melhorar a nossa compreensão da nossa esposa ou
esposo é passando mais tempo com ela ou ele, falando e também ouvindo. A mesma
coisa acontece com Jesus.Em todos estes equívocos, o maior problema é que eles
fazem de Jesus um meio para um fim, e não um fim em si mesmo. Nós nunca vamos
entender o Jesus real até nos encontrarmos com Ele nos contextos em que Ele
pode ser encontrado: nas sagradas escrituras, no tabernáculo, no
confessionário, na comunidade dos crentes e nos ensinamentos da Igreja.
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Fonte: a12.com
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