"Que a paz ecoe em todo o mundo"
Cidade do
Vaticano (RV) – Na manhã desta segunda-feira, poucas horas antes de partir para
a sua sétima viagem internacional, o Papa recebeu na Sala Regia, no Vaticano,
os embaixadores credenciados na Santa Sé. Este é um dos encontros mais
esperados no início de cada ano, pois em seu discurso, tradicionalmente o
Pontífice expressa as suas maiores preocupações em relação à realidade
internacional.
Francisco: apóstolo da paz |
No início do
encontro, tomou a palavra o decano do corpo diplomático, Jean-Claude Michel,
embaixador do Principado de Mônaco, e logo após, foi a vez de o Papa discursar.
Francisco começou agradecendo a todos pelo empenho em favorecer e incrementar
as relações entre os países e organizações internacionais, e lembrou que no
último ano, aumentou o número de Embaixadores residentes em Roma, graças à
assinatura de Acordos bilaterais com os Camarões, e de Convenções com Malta e a
Sérvia.
As palavras
iniciais do Pontífice se inspiraram na mensagem anunciada na noite de Natal: a
paz, dom precioso de Deus, e a rejeição - a realidade dramática do desprezo que
nos é apresentada no presépio. O menino foi descartado, deixado fora ao frio,
forçado a nascer num estábulo, porque não havia lugar na hospedaria... e se
assim foi tratado o Filho de Deus, ainda pior o são muitos dos nossos irmãos e
irmãs.
Novas
escravidões
“Há uma índole
da rejeição que nos assemelha e que induz a olhar o próximo, não como um irmão
a acolher, mas como alguém deixado fora do nosso horizonte de vida pessoal,
transformando-o antes num concorrente, num súbdito a dominar. Trata-se duma
mentalidade geradora daquela cultura do descarte que não poupa nada e ninguém,
desde as criaturas irracionais aos seres humanos e até ao próprio Deus. De tal
cultura nasce uma humanidade ferida, continuamente dilacerada por tensões e
conflitos de toda a espécie”.
Como exemplo
disso, o Papa lembrou o rei Herodes, que, sentindo a sua autoridade ameaçada
pelo Menino Jesus, mandou matar todos os meninos de Belém, e transpondo os
fatos à realidade de hoje, recordou que no Paquistão, há um mês foram
trucidadas mais de cem crianças.
Rejeição na
dimensão social
À dimensão
pessoal da rejeição, disse Francisco, associa-se inevitavelmente a dimensão
social, uma cultura que rejeita o outro, como vimos no trágico massacre
ocorrido em Paris.
As consequências
dramáticas desta mentalidade da rejeição e da ‘cultura da servidão’ são
constatadas no contínuo alastrar dos conflitos, que tocam várias áreas do
planeta, começando pela Ucrânia. O pensamento do Papa se dirigiu então ao
Oriente Médio, e ao alastramento do terrorismo de matriz fundamentalista na
Síria e no Iraque.
“Apelo à
comunidade internacional inteira para que defenda quantos sofrem as
consequências da guerra e da perseguição, sendo forçados a deixar as suas casas
e a própria pátria. “Um Oriente Médio sem cristãos seria um Médio Oriente
desfigurado e mutilado!”, bradou, instando a comunidade internacional a não
ficar indiferente a esta situação: “Espero que os líderes religiosos, políticos
e intelectuais, especialmente muçulmanos, condenem toda interpretação
fundamentalista e extremista da religião que tenda a justificar tais atos de
violência”.
Os mais
vulneráveis
Prosseguindo, o
Papa lembrou outras formas de brutalidade que ceifam vítimas entre os menores e
os indefesos, citando a Nigéria, onde se verifica o crescimento contínuo do
fenómeno do sequestro de pessoas, muitas delas jovens raptadas para serem
vendidas: “É um comércio execrável, que não pode continuar. Um flagelo que é
preciso erradicar, pois atinge a todos nós, desde as famílias envolvidas até à
comunidade mundial inteira”.
Ainda na África,
Francisco nomeou a Líbia, dilacerada por uma guerra interna, a República
Centro-Africana, onde formas de resistência e interesses partidários ameaçam
frustrar as expectativas de um povo que anseia construir livremente o seu
futuro. Suscita preocupação do Papa também a situação no Sudão do Sul e em algumas
regiões do Sudão, do Chifre da África e da República Democrática do Congo. A
este ponto, o Papa pediu um compromisso conjunto dos governos e da comunidade
internacional para que se ponha fim a toda espécie de luta, ódio e violência e
se comprometa a favor da reconciliação, da paz e da defesa da dignidade
transcendente da pessoa.
A ferida nas
mulheres
O Pontífice
ressaltou ainda que as guerras trazem consigo outro crime horrendo que é o
estupro, “uma ofensa gravíssima à dignidade da mulher, que é violada não só na
intimidade do seu corpo mas também na sua alma, com um trauma que dificilmente
poderá ser cancelado e cujas consequências são também de carácter social”.
Os
marginalizados
Para o Bispo de
Roma, a cultura do descarte é visível também de modo mais sutil e astuto, como
por exemplo, na forma como são frequentemente tratados os doentes: isolados e
marginalizados, como os leprosos de que fala o Evangelho. Francisco colheu a
ocasião para enaltecer e agradecer publicamente os profissionais de saúde que prestam
cuidados aos doentes de Ebola e seus familiares, sobretudo às crianças que
ficaram órfãs na Libéria, Serra Leoa e Guiné.
Outras vítimas
do ‘descarte’ muito queridas a Francisco são os deslocados e refugiados. “A
fuga destas pessoas de sua terra natal é consequência das situações de conflito
antes descritas. Quantas pessoas perdem a vida em viagens desumanas, sujeitas
aos vexames de verdadeiros e próprios algozes gananciosos de dinheiro! Há ainda
outro dado alarmante: muitos migrantes, especialmente nas Américas, são
crianças sozinhas, presa ainda mais fácil dos perigos, que necessitam de maior
cuidado, solicitude e proteção”.
Apelo
Aos diplomatas
provenientes de países de todo o mundo, o Papa pediu uma mudança de atitude,
passando da indiferença e do medo a uma sincera aceitação do outro. “Exorto
tanto os Estados como as organizações internacionais a agirem diligentemente
para resolver estas graves situações humanitárias e fornecer aos países de
origem dos migrantes ajudas que favoreçam o progresso sociopolítico e a
superação dos conflitos internos, que são a causa principal de tal fenómeno”.
Em relação aos
idosos, portadores de deficiência, e jovens que vivem dentro das nossas casas e
famílias – que o Papa costuma chamar de “exilados ocultos” – foram tocados
temas como o flagelo do desemprego juvenil e do trabalho no mercado negro, e o
drama de muitos trabalhadores, especialmente crianças, explorados por ganância:
“Tudo isto é contrário à dignidade humana e deriva duma mentalidade que põe no
centro o dinheiro, os benefícios e os lucros econômicos em detrimento do
próprio homem”.
O descarte da
identidade
Segundo
Francisco, as causas destes fenômenos estão na globalização niveladora que
descarta as culturas próprias, eliminando os fatores específicos de identidade
de cada povo. “Em um mundo uniforme e desprovido de identidade, é fácil
detectar o drama e o desânimo de muitas pessoas que perderam literalmente o
sentido da vida. A persistente crise económica agrava situação, gerando
desconfiança e favorecendo a conflitualidade social.
Ao povo
italiano, o Papa pediu que “não ceda à indiferença e à tentação da
confrontação, mas descubra aqueles valores de solicitude recíproca e
solidariedade que estão na base de sua cultura e da convivência civil e são fonte
de confiança tanto a curto prazo como no futuro, especialmente para os
jovens”.
As viagens de
2014
No longo
discurso, Francisco falou ainda de sua viagem em agosto passado à Coreia –
auspiciando a retomada do diálogo entre os dois países irmãos – e lembrou a
todos que na tarde desta segunda, 12, “terá a alegria de partir para a Ásia, a
fim de visitar o Sri Lanka e as Filipinas, testemunhando assim a atenção e a
solicitude pastoral com que acompanho as vicissitudes dos povos daquele vasto
continente”.
Querendo afastar
o clima de pessimismo, os defeitos e as falhas deste nosso tempo, Francisco
agradeceu a Deus pelo que nos deu, pelos benefícios que nos outorgou, pelos
colóquios e encontros que nos concedeu e por alguns frutos de paz que nos deu a
alegria de saborear.
Neste espírito,
recordou a visita à Albânia, país em que “a cultura do encontro é
possível, apesar das feridas sofridas na história recente”; a recente viagem à
Turquia, onde constatou os frutos do diálogo ecuménico e inter-religioso e a
solicitude pelos refugiados; e o espírito de recepção sentido na Jordânia.
Satisfação
Chegando ao fim
do discurso, Francisco quis mostrar sua alegria com a recente decisão tomada
pelos Estados Unidos e Cuba de porem fim ao silêncio recíproco, que durou mais
de meio século, e aproximarem-se para bem dos respectivos cidadãos. Nesta
perspectiva, foi citado Burquina-Fasso, país hoje engajado em importantes
transformações políticas e institucionais, e lembrada a assinatura, em Março
passado, do Acordo que pôs fim a longos anos de tensões nas Filipinas. O Papa
encorajou ainda o esforço de paz na Colômbia, bem como as iniciativas que visam
restabelecer a concórdia na vida política e social da Venezuela.
Esperanças
“Espero ainda
que, em breve, se possa chegar a um entendimento definitivo entre o Irã e o
chamado Grupo dos 5+1 sobre a utilização da energia nuclear para fins
pacíficos; e registro com satisfação a vontade dos Estados Unidos de fechar
definitivamente a prisão de Guantánamo”.
Francisco
recordou, enfim, que no dia 6 de agosto de 1945, a humanidade assistia a uma
das mais terríveis catástrofes da sua história. Das cinzas da II Guerra
Mundial, surgiu, entre as nações, uma vontade nova de diálogo e de encontro que
deu vida à Organização das Nações Unidas, da qual celebraremos este ano o
septuagésimo aniversário.
Paz
A última frase
do discurso de Francisco foi dedicada à paz, a paz que deve guiar os destinos
dos povos e de toda a humanidade: “O sangue de milhões de homens, os
sofrimentos espantosos e inumeráveis, os inúteis massacres e as aterradoras
ruínas sancionam o pacto que vos une, num juramento que deve mudar a história
futura do mundo: nunca mais a guerra”, disse o Papa, repetindo palavras do
Beato Papa Paulo VI, em sua visita à ONU, 50 anos atrás.
“Esta é também a
minha invocação confiante para este novo ano, que verá a continuação de dois
processos importantes: a redação da Agenda de Desenvolvimento pós-2015, com a
adoção dos Objetivos de desenvolvimento sustentável, e a elaboração de um novo
Acordo sobre o clima. Seu pressuposto indispensável é a paz, que, ainda antes
do fim de cada guerra, brota da conversão do coração”. (CM)
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Fonte: radiovaticana.va
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