quarta-feira, 26 de setembro de 2012

É possível definir o perdão? Uma reflexão

Aquele que diz que ama e não perdoa, jamais define o perdão. (Côn. Manuel)

Numa sociedade dotada de sensibilidade, recebendo facilmente as sensações externas, percebendo os sentidos, vivendo uma afetividade intensa capaz de experimentar sentimentos humanitários, instrumentalizando-se na menor diferença ou alteração, falar de uma possível definição do perdão talvez seja ousadia demais. Contudo, quem vislumbra uma sociedade melhor alicerçada na compreensão, mais do que na competição, só será feliz se encontrar força no perdão, esperança das batalhas do dia a dia, assegurando, assim, o “palco” da existência, caminhando com firmeza no milagre da vida. No dizer de Wendel Berry: “Para lidar com as diferenças temos que aprender a ter compaixão, autocontrole, piedade e amor, virtudes sem as quais nem nós, nem o mundo, pode sobreviver”. Martin Luther King lubrifica-nos com seu pensamento: “O perdão é um catalisador que cria a ambiência necessária para uma nova partida, um novo reinício”. Jesus é mais preciso: “se perdoardes aos homens suas ofensas, também vosso Pai vos perdoará; se, porém, não perdoardes, tampouco Ele perdoará vossas ofensas.” (Mt 6, 14-15). Aquele que diz que ama e não perdoa, jamais define o perdão.
O perdão não possui uma formula mágica, virtual, ou qualquer receita passada mediante a capacidade de pôr em prática uma idéia, valendo-se da faculdade de dominar seus comportamentos, persuadir-se a si e o outro, ou comover por meio de palavras. O perdão é algo que vem do íntimo e sua maior definição atinge os mais altos graus da consciência, sentimentos e coração. Quem, realmente, se conhece de verdade, almeja compreender e ser compreendido, logo, com facilidade, chega às palavras de Jesus: “Perdoai nossas ofensas assim como nós perdoamos os quem nos ofendeu” (Mt 6, 12). Se alimento minhas atitudes desdenhosas, armo um altar para as insolências, fazendo das minhas posições e posturas meus insólitos, estou longe de compreender o perdão por mais explícito que ele se apresente para mim. Precisamos ser benignos. compassivos levando o perdão à mais alta confiança do nosso interior (Ef 4, 32). Devemos dar ciência que somos um plural, não uma ilha isolada, por isso, São Paulo nos conscientiza: “Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha queixa contra outrem. Assim como o Senhor nos perdoou, fazei vós também” (Cl 3, 13). Por isso, aquele que diz que ama e não perdoa, jamais define o perdão.
Perdão não é um mecanismo que eu aciono para meu bel-prazer. Não é um extintor que impulsiono para apagar algo, ou, que ponho em pontos estratégicos para definir minha consciência de uma acusação, determinar meu coração para uma defesa ou assegurar meus sentimentos de um julgamento adequado. Perdoar é ter a emoção de que se conquistou o inteiro do meu eu, no total do eu do outro (Mt 5, 44). O perdão rasga o cheque das contas dos mal entendidos na vida (Gn 50, 21), joga fora os entulhos que o emocional pode erigir consciente ou inconscientemente (Mt 18, 21-22), dá o abraço sem interesses compensatórios (Lc 15 1ss), abre canais onde uma palavra pode sempre consolar e trazer segurança incondicional (Jo 8, 1-11, 4, 1ss; Lc 19, 1-10), é, por assim dizer, o auge de uma verdade que os séculos jamais vão calar (Lc 23, 34), é a virtude central do cristianismo. Aquele que diz que ama e não perdoa, jamais define o perdão. Pense nisso.
Côn. Dr. Manuel Quitério de Azevedo
Professor do Seminário de Diamantina e da PUC – MG
Membro da Academia de Letras e Artes de Diamantina – MG
    Fonte: www.bispado.org.br/aspx/Noticias.aspx?c=2092&p=2#Lista

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