O Senhor não
fez do ser Deus uma usurpação
O Domingo de
Ramos é marcado pela ambiguidade de atitudes e acontecimentos. Jesus é recebido
com festa, mas depois é condenado à morte O povo que cantou “hosanas” também
gritou “crucifica-o”, o Jesus triunfante na entrada em Jerusalém é aquele que
seria humilhado na cruz. Também são contraditórios os personagens: Pilatos que
não deseja a condenação, Pedro que se culpa pela sua covardia, Judas que trai o
seu Mestre, o povo em geral...
Somos também
contraditórios em muitos momentos de nossa vida. A integridade se caracteriza
pela unidade de caráter, pela manifestação verdadeira do que realmente somos, a
partir de nossos valores, de nossas escolhas mais profundas. Mas a incoerência
nos persegue. Também somos Pilatos em nossas omissões, somos Pedro quando não temos
coragem de assumir a radicalidade do Evangelho, somos Judas quando não
acreditamos que o Senhor cumprirá o seu desígnio de amor. Somos aquela multidão
que se une no momento de êxtase ao messias, mas o recusa diante da cruz.
“Jesus Cristo,
existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas
ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de um escravo...” (2ª.
Leitura). Este texto de São Paulo é muito profundo, pois manifesta a
radicalidade da encarnação. Deus não usurpou de sua divindade, mas assumiu a
dor humana mais profunda. Também se sentia tentado a escolher o
triunfalismo, mas não assumiu esta atitude. Jesus não escolheu o poder, não
escolheu a fama, nem o elogio. Se a exaltação do povo foi o caminho para a
humilhação de Jesus, o esvaziamento humilde do Senhor foi o caminho para a sua
exaltação: “Por isso, Deus o exaltou sobremaneira...”.
As escolhas de
Jesus nos levam a refletir sobre nossas escolhas. Também podemos escolher estar
em evidência. Podemos aplaudir indevidamente ou sermos aplaudidos. Podemos
escolher uma atitude religiosa de êxtase, de gratificação fácil. Podemos também
projetar nossas esperanças em algum líder revolucionário ou em um pregador.
Quantas vezes usurpamos de nossos cargos ou papéis sociais... O crucificado nos
convida a uma outra opção: escolher a discrição, o serviço simples sem
reconhecimento. As escolhas constituem um paradoxo: o triunfo fácil nos
destrói, enquanto o caminho da cruz nos leva a verdadeira vida.
A narrativa da
paixão é do Evangelista Lucas. O terceiro evangelho deixa transparecer algo
muito precioso no drama da condenação e morte de Jesus: ao morrer, o Senhor nos
ensina a perdoar: deixa Judas o beijar, sem retrucar; olha com profundidade
para Pedro enquanto o mesmo o nega; perdoa todos os seus assassinos, dizendo ao
Pai que eles não sabem o que fazem; acolhe um bandido que na cruz clama por
perdão. Se já é sublime ver Jesus curar o coração de Zaqueu, de Simão, da
Samaritana, da adúltera arrependida, mais sublime ainda é vê-lo curar um
pecador enquanto morre. Mesmo morrendo ainda sobram gotas de misericórdia,
palavras cansadas e sofridas de amor. Diante deste amor, só podemos nos
reconhecer pequenos. Quanto o nosso coração ainda precisa se expandir
para amar com profundidade...
Padre Roberto Nentwig
Fonte: http://catequeseebiblia.blogspot.com.br Ilustração: http://www.diocesedecampolimpo.com
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