a chama
que nos desperta para o futuro de Deus
Dom Leomar Brustolin - Arcebispo de Santa Maria (RS)
O Advento chega
sempre como quem acende uma vela no escuro. De repente, a pequena
chama abre espaço na noite e revela que há algo mais: um caminho, uma promessa,
um horizonte que insiste em nascer. Em um mundo fatigado por urgências,
distrações e um presente que muitas vezes parece repetir-se sem sentido, o
Advento é a estação espiritual que nos devolve a coragem de esperar — não de
braços cruzados, mas com o coração aceso.
A liturgia deste
tempo recorda que a fé cristã não é memória de um passado remoto, mas vigília
pelo Cristo que vem. A Igreja convida-nos a entrar num tempo em que o
futuro de Deus se torna urgente, quase palpável. A cada ano, a comunidade
cristã repete com os primeiros discípulos: “Vem, Senhor!” – não como
devoção ingênua, mas como confissão madura de que a criação inteira geme e
sofre à espera de plenitude. O Advento, por isso, não celebra apenas o
nascimento de Jesus em Belém; ele reacende em nós a esperança obstinada de
sua vinda gloriosa, quando toda lágrima será enxugada e a justiça
terá a última palavra.
Entre
ruídos do mundo e a casa interior
No fundo, este
tempo é uma provocação. A pergunta que ressoa, delicada e firme, é: ainda
sabemos esperar? Entre telas luminosas, rotinas aceleradas e uma avalanche
de informações, corremos o risco de perder a interioridade — aquela casa
silenciosa onde Deus costuma falar. O Advento devolve-nos essa morada
interior. Ensina que a verdadeira preparação acontece quando voltamos ao
coração, onde o Espírito mantém viva a inquietação dos que buscam o Senhor como
a aurora.
Os antigos
Padres afirmavam que o cristão é aquele que permanece vigilante, “sabendo que o
Senhor vem”. Mas, para muitos, o Advento tornou-se apenas prólogo do Natal, uma
espécie de cenário decorativo antes das festas. O texto que inspira esta
reflexão denuncia esse perigo: a regressão simplória que reduz o Mistério à
lembrança de um bebê na manjedoura. Quando isso acontece, empobrece-se a
esperança cristã e perde-se a força transformadora deste tempo. O Advento não
celebra apenas o Deus que veio — celebra o Deus que virá e que já vem
hoje, misteriosamente, em cada gesto de justiça, em cada recomeço, em cada
partilha.
Há uma tensão
bonita neste tempo: caminhamos “pela fé e não pela visão”. A salvação já foi
inaugurada, mas ainda não chegou em sua plenitude. Vivemos entre
o “já” e o “ainda não”, sustentados por uma esperança que não
decepciona. Por isso, o Advento é o tempo dos que não desistem de acreditar que
Deus reserva ao mundo um futuro de luz; tempo dos que lutam por dignidade,
enfrentam a violência e caminham com os pobres à espera do dia
em que a verdade brilhará como sol sem ocaso.
Vigiar,
discernir e manter a chama acesa
Teilhard de Chardin perguntava:
“Cristãos, que fizemos da espera do Senhor?” O Advento devolve atualidade a
essa pergunta. Ele convoca-nos a manter acesa, sobre a terra, a chama do
desejo. Ensina-nos a reconhecer os sinais discretos da chegada de Deus: um
perdão concedido, uma reconciliação que parecia improvável, uma comunidade
que reza e trabalha pela paz. A vinda do Senhor acontece onde há gestos de
ternura, onde vidas feridas encontram cuidado, onde a justiça floresce mesmo em
meio ao frio da noite.
Celebrar o
Advento é ousar acreditar que Deus vem ao nosso encontro — não apenas no final
dos tempos, mas já agora, no entrelaçar da história humana com a história da
graça. É permitir que a promessa do Reino reoriente nossas escolhas, desperte
nossa solidariedade e renove nossa missão. É caminhar com o coração atento,
como vigias que pressentem a aurora antes que ela apareça.
Que este Advento
reacenda em nós a chama do desejo de Deus. Que se abram nossos olhos para
perceber sua passagem. Que despertemos para a urgência de sua vinda. E que
nossa vida inteira se transforme em oração antiga e sempre nova:
“Vem, Senhor Jesus!”
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