Carregar a cruz
José Antonio Pagola
O relato da crucificação nos lembra a nós, seguidores de Jesus, que seu reino não é um reino de glória e de poder, mas de serviço, amor e entrega total para resgatar o ser humano do mal, do pecado e da morte.
Habituados a proclamar a “vitória da cruz” corremos o risco de esquecer que o Crucificado nada tem a ver com um falso triunfalismo que esvazia de conteúdo o gesto mais sublime de serviço humilde de Deus às suas criaturas. A cruz não é uma espécie de troféu que mostramos aos outros com orgulho, mas o símbolo do Amor crucificado de Deus, que nos convida a seguir seu exemplo.
Cantamos, adoramos e beijamos a cruz de Cristo porque, no mais profundo de nosso ser, sentimos a necessidade de dar graças a Deus por seu amor insondável, mas sem esquecer que a primeira coisa que Jesus nos pede insistentemente não é beijar a cruz, mas carregá-la. E isto consiste simplesmente em seguir seus passos de maneira responsável e comprometida, sabendo que esse caminho nos levará, mais cedo ou mais tarde, a compartilhar seu destino doloroso.
Não nos é permitido aproximar-nos do mistério da cruz de maneira passiva, sem intenção alguma de carregá-la. Por isso, precisamos tomar muito cuidado com certas celebrações que podem criar em torno da cruz uma atmosfera atraente, mas perigosa, se nos distraírem do seguimento fiel ao Crucificado, levando-nos a viver a ilusão de um cristianismo sem cruz. É precisamente ao beijar a cruz que precisamos escutar o chamado de Jesus: “Se alguém vier atrás de mim … carregue sua cruz e me siga”.
Para nós, seguidores de Jesus, reivindicar a cruz é aproximar-nos prestativamente dos crucificados, introduzir justiça onde se abusa dos indefesos, reclamar compaixão onde só existe indiferença diante dos que sofrem. Isto nos trará conflitos, rejeição e sofrimento. Será nossa maneira humilde de carregar a cruz de Cristo.
O teólogo católico Johann Baptist Metz vem insistindo no perigo de que a imagem do Crucificado esteja ocultando de nós o rosto dos que vivem hoje crucificados. No cristianismo dos países do bem-estar está ocorrendo, de acordo com ele, um fenômeno muito grave: “A cruz já não intranquiliza ninguém, não tem nenhum aguilhão; perdeu a tensão do seguimento de Jesus, não chama a nenhuma responsabilidade, mas exonera dela”.
Não precisamos todos nós rever qual é a nossa verdadeira atitude diante do Crucificado? Não precisamos aproximar-nos dele de maneira mais responsável e comprometida?
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JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

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