Dar por terminado
José Antonio Pagola
É a última visita de Jesus a Jerusalém. Alguns dos que o acompanham admiram-se ao contemplar “a beleza do templo”. Jesus, pelo contrário, sente algo muito diferente. Seus olhos de profeta veem o templo de maneira mais profunda: naquele lugar grandioso não se está acolhendo o reino de Deus. Por isso, Jesus o dá por terminado: “Quanto a estas coisas que contemplais, virão dias em que não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído”.
De repente, as palavras de Jesus dissiparam o autoengano que se vive em torno do templo. Aquele edifício esplêndido está alimentando uma ilusão falsa de eternidade. Aquela maneira de viver a religião sem acolher a justiça de Deus nem ouvir os que sofrem é enganosa e perecível: “Tudo isso será destruído”.
As palavras de Jesus não nascem da ira. Menos ainda do desprezo ou do ressentimento. O próprio Lucas nos diz um pouco antes que, ao aproximar-se de Jerusalém e ver a cidade, Jesus “pôs-se a chorar”. Seu pranto é profético. Os poderosos não choram. O profeta da compaixão sim.
Jesus chora diante de Jerusalém porque ama a cidade mais que ninguém. Chora por uma “religião velha” que não se abre ao reino de Deus. Suas lágrimas expressam sua solidariedade com o sofrimento de seu povo e, ao mesmo tempo, sua crítica radical àquele sistema religioso que põe obstáculo à visita de Deus: Jerusalém – a cidade da paz! – “não conhece o que leva à paz”, porque “está oculto aos seus olhos”.
A atuação de Jesus lança não pouca luz sobre a situação atual. Às vezes, em tempos de crise, como os nossos, a única maneira de abrir caminhos à novidade criadora do reino de Deus é dar por terminado aquilo que alimenta uma religião caduca, sem produzir a vida que Deus quer introduzir no mundo.
Dar por terminado algo que foi vivido de maneira sagrada durante séculos não é fácil. Não se faz isso condenando os que querem conservá-lo como eterno e absoluto. Faz-se “chorando”, porque as mudanças exigidas pela conversão ao reino de Deus trazem sofrimento a muitos. Os profetas denunciam o pecado da Igreja chorando.
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JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

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