Sair das varandas da vida
Queridos irmãos e
irmãs,
Viktor Frankl foi
um terapeuta judeu que sobreviveu a seis campos de concentração. Ele aprendeu
que só seria possível sobreviver a situações difíceis aquele que encontrasse
sentido para a vida. “Quando o ser humano encontra um sentido, ele está
disposto a sofrer, se necessário. Ao contrário, quem não reconhece nenhum
sentido na vida, não se importa com ela, e mesmo que esteja bem de vida,
externamente, sob determinadas condições ela é jogada fora”.
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Dom José Francisco |
Sem sentido,
estamos desraigados. Somos árvores, queremos crescer, mas não temos raízes.
Queremos lançar galhos e produzir flores e frutos, mas nos falta uma razão
essencial. “Assim que as pessoas têm o suficiente para viver, elas descobrem
que não têm nada pelo que possam viver”. Não é assustador que haja uma
minissérie fazendo o maior sucesso, e que o tema seja justamente o suicídio de
uma adolescente? Quem tem um “porquê” suporta qualquer “como”.
Árvores só crescem
na luz; só crescem voltadas para a luz. Luz é transcendência. “A existência
humana sempre aponta para algo além dela mesma, algo que não seja ela mesma –
para um sentido que devemos cumprir ou para outro ser humano a quem amar”.
Quando giramos ao
redor de nós mesmos, se esse giro egocêntrico for centrípeto, cava uma vala na
alma; se for centrífugo, rouba-nos de nós mesmos. Enquanto não encontramos um
ideal para onde olhar e caminhar, acabamos internamente vazios, ou por excesso
ou por falta: ou morremos infartados de tanto Eu ou morremos à míngua dele.
O que falta para
que as pessoas encontrem sentido e direção?
Em 2013, o Papa
Francisco respondeu essa questão aos universitários de Roma: “Por favor, não
assistam à vida da varanda de seus apartamentos! Intrometam-se – lá onde estão
os desafios, lá onde pedirem sua ajuda para avançar a vida, o desenvolvimento,
a luta pela dignidade humana e contra a pobreza, a luta pelos valores e todos
os desafios que encontramos todos os dias”.
É impressionante
como existe quem deixe a vida passar. Com tanto por fazer e conhecer, como pode
haver quem ainda “mate o tempo” com banalidades! A gente só pode viver daquilo
que transforma. Que tristeza, perceber que certas existências começam e terminam
toscas de sentido, embrutecidas pelo consumo! Vidas vazias que se deixam valer
menos do que o valor pago nas lojas de 1,99.
O que fazer?
Pergunte: o que
faz você feliz?
Decerto não será
girar ao redor da própria felicidade.
A experiência
mostra que os mais felizes são aqueles que conseguem esquecer de si mesmos e
que se entregam à busca da felicidade do outro. Isso é o contrário de tudo o
que a sociedade de consumo propaga. Convenhamos que à sociedade de consumo não
interessa pessoas felizes. Gente feliz não consome. Quando menos felizes, mais
compramos, mais comemos, mais bebemos.
Vejam a proposta
de Jesus.
“Vão às ovelhas
perdidas da Casa de Israel. Pelo caminho, proclamem que o Reino dos Céus está
próximo. Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, limpem os leprosos, expulsem
os demônios. Vocês receberam de graça, deem de graça!” (Mt 10,5).
Perceberam sua
lógica?
Jesus envia os
discípulos. Mas Ele não lhes dá a missão de se sentirem bem e de cuidarem de si
mesmos. Só importa a missão. De modo algum é para matar o tempo perguntando
como eu estou, mas sim qual é o meu chamado? Qual é a minha missão nesta vida?
Para o quê fui chamado? O que quero fazer neste mundo? Tudo passa tão rápido
que se não nos dermos conta, corremos o risco de ir embora antes que as verdadeiras
perguntas tenham sido respondidas.
Ajudar as pessoas
a respondê-las significa encorajá-las a interpretar os acontecimentos, e não
apenas vivê-los passivamente.
Não é difícil
entender o que significa curar os doentes, ressuscitar os mortos, limpar os
leprosos, expulsar os demônios. Significa que temos uma missão, além de ganhar
dinheiro e subir na carreira. Significa encorajar as pessoas a se reconciliarem
com seu passado e a olharem com confiança para o futuro. Certa vez, um
psicólogo me disse que não havia nada mais terapêutico do que atender às
pessoas. Atender à necessidade do outro é o sentido da cura.
Não podemos
ressuscitar mortos nem estamos habilitados a lidar com portadores de
hanseníase. Mas há tanta gente morta ao nosso lado! Tantos que não conseguem
aceitar a si mesmos, como se fossem portadores de uma lepra na alma! Podemos
tocá-los com nossa voz e com nosso olhar. Modificá-los. Este é o sentido da
cura.
Expulsar demônios
significa trazer clareza às situações. Os demônios da Bíblia são espíritos que
turvam o pensamento. Seja qual for, nenhum demônio suporta a luz. Os demônios
são espíritos do “mas”. É o “mas” que impede de ousar a vida. Quando
incentivamos as pessoas a descobrirem seu caminho, os espíritos do “mas” ficam
sem palavras; se perguntarmos a eles o que eles querem, aí mesmo é que se
calam: na verdade, não querem nada.
Responder ao
chamado já é sair da varanda da vida.
Todo começo é só
um começo, eu sei. Mas nada começa enquanto não começar. Quando perguntamos
para que fomos chamados, rompemos com o ciclo narcisista da vida. Paramos de
girar ao redor de nós mesmos. Entramos em contato com a força que habita em
nós, uma força chamada entusiasmo: palavra linda que significa ter Deus na
alma.
Não há nada mais
atual do que o convite do Evangelho para sair da varanda da vida, levantar da
inércia dos sofás, e ir ao encontro das ruas. Quem gira ao redor da saúde fica
mais doente. Quem gira ao redor de si perde-se ainda mais. Em nenhum lugar dos
evangelhos você irá encontrar Jesus ensimesmado: ou ele está com o Pai ou está
com os irmãos. Ele nunca “matou o tempo”. Nunca ficou num quarto escuro ou à
varanda vida, sem nada a fazer.
Que tal sair dos
quartos escuros e das varandas?
Para onde você
olhar, o Reino de Deus o espera. Não é de bom-tom nem coisa de gente educada
deixar Deus esperando.
Então, por que não
experimentar a alegria de servir?
Cada tradição
religiosa tem suas formas de libertação. A nossa pede que a gente lave os pés
de quem passa. Antes de tentar experimentar o caminho dos outros, vamos
conhecer o nosso caminho: o caminho de Jesus. Sair das varandas confortáveis é
o primeiro passo. Os outros virão.
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