Cuidar do outro
Há dois caminhos de
cuidar do outro. O caminho curto e o caminho longo. As sociedades mais
avançadas e ricas desenvolveram melhor o caminho longo das estruturas sociais.
Quem viveu em países da Europa ou da América do Norte ou simplesmente os
visitou, fica impressionado com o enorme respeito que as pessoas têm para com
as outras no uso cuidadoso das coisas públicas. Ruas e estradas limpas de modo
que ninguém joga papel e muito menos plásticos no chão, mas nas lixeiras.
Ônibus silenciosos, limpos e regulados, de maneira que tanto o motorista quanto
os passageiros não são submetidos à violência barulhenta de motores ruidosos ou
à sujeira poeirenta de assentos. Nem mesmo alguém, parando o automóvel diante
da casa de um amigo para buscá-lo, dá a clássica buzinada, mas desce do
automóvel, toca a campainha e espera que a pessoa venha. São expressões, sem
dúvida, de cuidado com outro.
No entanto, esses
países têm terrível déficit no cuidado direto, imediato, pessoal, cara a cara.
As relações intersubjetivas tendem a ser frias, difíceis. Os filhos queixam-se
da ausência dos pais. Muitos esposos preferem viver até mesmo em apartamentos
distintos para guardarem autonomia e distância entre si. Fala-se que numa
cidade como Frankfurt na Alemanha mais da metade dos esposos preferem tal modo
de relacionamento.
E entre nós? O
brasileiro proverbialmente tem fama de atencioso, de acolhedor, de contacto
fácil.
O antropólogo Roberto
da Matta, numa palestra num Congresso Nacional de Educação, chamava a atenção
para a estrutura familista da nossa cultura. O brasileiro se enternece
facilmente diante de quem com que se ligou por algum vínculo. Projeta nessa
relação as experiências familiares. No momento em que um fator qualquer permite
criar algum vínculo, o brasileiro dispensa cuidados a essa pessoa.
Por outro lado, somos
terrivelmente relapsos no referente à maneira social de cuidar dosoutros,
zelando pela limpeza, bom funcionamento, conservação dos lugares e objetos
públicos. Não passa pela cabeça de muita gente que sujar a via pública,
danificar objetos de serviço comum é desrespeito ao outro, é descuido dos
demais. As empresas de transporte urbano são, na sua maioria, atentado
permanente à dignidade dos passageiros. Os funcionários públicos, pagos com o
dinheiro da população, não raras vezes, mostram desleixo e desprezo, sobretudo,
para com as pessoas pobres. É problema cultural. Só esforço continuado, a
começar com as crianças, de despertar a atenção para as coisas e serviços
comuns, irá criando a cultura do social.
Além desse descaso
pelas pessoas, quando perdidas no anonimato, a grande cidade tem destruído
também os laços personalizados. Cresce, por assim dizer, o número daqueles com
quem não temos vínculo algum e, por isso, não nos despertam o interesse. E,
mesmo em relação àqueles que constituem o nosso mundo menor, como a família,
colegas de serviço ou de escola, amigos por diversas razões, estamos perdendo o
cuidado, a atenção, o interesse. Submerge-nos nas vagas envolventes do
individualismo a cultura dominante de modo que o cuidado com o outro diminui ou
mesmo desaparece. Dessa maneira podemos terminar sem ter nem o caminho longo
nem o curto que nos conduzem ao outro.
Cabe-nos reagir contra
o tipo de modernização desvairada que sacrifica, em nome da produção, do
progresso tecnológico, o cuidado delicado e atento com o outro, tanto pelos
caminhos do contacto direto e imediato, como por meio do respeito da
"coisa publica”, que, em latim res-publica, está na origem da
palavra República. Só assim fazemos jus ao nosso país, que quer ser República
do Brasil.
Padre
João Batista Libânio – Teólogo Jesuíta
Site Adital
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