Quanto ganha o bispo?
Recentemente, apareceram na
imprensa várias matérias e reflexões sobre o dinheiro recolhido pelas Igrejas
no Brasil. São números que impressionam, se forem olhados sem o devido
discernimento. Os valores globais divulgados e que teriam sido recolhidos “em nome
de Igrejas” ao longo de um ano também incluem os da Igreja Católica; mas não
aparecem discriminados e não se especificou o que se refere a cada grupo
religioso em particular, o que leva a fazer juízos errôneos, sem as devidas
distinções e considerações.
No caso da Igreja Católica,
considerando o número de fiéis, a média da contribuição individual por fiel
pode ser baixíssima. Há que se levar em conta que, no nosso caso, as
contribuições são feitas “para a Igreja”, representada também civilmente por
entidades e instituições que prestam contas à Receita Federal. A pergunta que
fica no ar é se isso acontece com todos os grupos religiosos, ou se as doações
acabam beneficiando pessoalmente a quem as recolhe?
Há que se ver, ainda, a
aplicação desses recursos e se perceberá qual é o volume de assistência e de
benefícios sociais e culturais, e até mesmo de empregos gerados a partir das
organizações religiosas. Ninguém imagine que na Igreja Católica, padres, bispos
e organizações religiosas não pagam impostos, INSS, contas de água e luz. As
isenções previstas em lei são apenas algumas, que não beneficiam pessoalmente
as pessoas em serviço nas organizações religiosas, mas essas próprias
organizações.
Dizer que as Igrejas recolhem
mais de 20 bilhões de reais por ano no Brasil pode representar muito, aos olhos
de alguns; mas isso pode representar muito pouco, se formos considerar as
coisas mais no detalhe. Em tudo isso, é preciso colocar sempre um sensato e
prudente “depende”. O que mais chamou a atenção foi a notícia sobre fortunas
individuais e impérios políticos e econômicos organizados, até mesmo em pouco
tempo, por líderes religiosos, que transformam a fé e os “serviços religiosos”
em “produtos”, oferecendo-os ao público numa lógica capitalista de mercado.
Há, certamente, um problema no
ar em relação ao campo religioso brasileiro; esse problema precisa ser
enfrentado melhor pelas autoridades competentes. O que sempre foi mais colocado
em evidência na opinião pública, até mesmo de maneira superdimensionada, foi a
“perda de fiéis” por parte da Igreja Católica, talvez até com o desejo
inconfessado de que isso continue a acontecer e que é um bem para o Brasil... A
verdade é que essa mobilidade religiosa atinge todas as religiões tradicionais
no Brasil e mesmo os grupos surgidos mais recentemente. O que não se
aprofundou, a meu ver, foi a reflexão sobre os modos, as implicações e as
consequências dessa “mobilidade religiosa”, que agora começam a aparecer.
O “Estado laico” não deve ser
um álibi para deixar livre curso à exploração econômica, e em benefício
privado, da credulidade e das necessidades religiosas e espirituais dos fiéis,
valendo-se dos benefícios que o mesmo Estado reconhece às organizações
religiosas. Alguma distorção grave está acontecendo no mundo religioso do
Brasil, que terá consequências para a própria identidade cultural do Brasil no
futuro próximo. Uma séria reflexão precisa ser feita.
Na Igreja Católica, as doações
não são destinadas ao padre ou ao bispo, pessoalmente, mas à paróquia, à
diocese, ou a outras instituições, organizações e obras sociais devidamente
reconhecidas. Nossas paróquias e instituições religiosas não têm configuração
empresarial, voltada para a produtividade e o ganho, mas têm fins religiosos,
sociais e culturais, não pertencendo a ninguém em particular. As normas da
nossa Igreja prescrevem rigor e transparência no controle e na aplicação dos
recursos, bem como na prestação de contas.
Requerem ainda as normas da
Igreja que haja Conselhos de Assuntos Econômicos em todas as paróquias e
dioceses, com a participação de pessoas idôneas e competentes, para a boa
administração dos recursos recolhidos. Todos esses recursos devem ser
destinados ao cumprimento da missão da própria Igreja e, jamais, ao benefício
pessoal de quem quer que esteja a serviço da Igreja, em qualquer nível, serviço
e cargo.
Por delicado que seja, esse
tema da exploração mercadológica da religiosidade e da religião carece de uma
serena e profunda reflexão, para evitar o risco do descrédito da própria
religião, de toda religião.
Dom Odilo Pedro Scherer - Cardeal Arcebispo de São PauloFonte: www.cnbb.org.br
Foto: blog.cancaonova.com
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