A pedra ameaçadora
O tempo, porém, passou e trouxe outras satisfações e outros orgulhos. Assim, aos poucos, pareceu inútil aquilo que antes era considerado importante. Havia séculos que a grande pedra estava lá e nunca tinha se mexido, porque deveria cair logo agora? Também, diziam, era tarefa do prefeito pagar um vigia para este trabalho. E o governador? Que ele também ajudasse com o dinheiro público.
Depois de muitas discussões, os homens decidiram suspender o trabalho da vigilância. Não tinha mais graça nenhuma continuar. Nunca é fácil gostar do próprio dever. A não ser que a pessoa encontre nela mesma o gosto daquilo que faz e cada dia renove o seu compromisso. Aqueles homens eram atraídos demais por prazeres exteriores para procurar razões interiores.
Nunca mais ninguém subiu ao monte para conferir. A pedra ainda está lá, mas já desceu um bom metro rumo ao vale.
No início do tempo de Advento, recomeçando o ano litúrgico, somos convidados sempre a ficar atentos e a vigiar. Podemos pensar em coisas pavorosas, mas não é para tanto. Seria suficiente pensar em nossa vida que passa. Ninguém de nós sabe o que nos reserva o futuro. Como sempre serão alegrias e tristezas, momentos bons e momentos difíceis. A nossa vida é uma mistura de tudo isso
Estar atentos, portanto, pode significar simplesmente dar atenção ao que está acontecendo e saber reconhecer a presença do Senhor que veio no meio de nós, mas sempre vem para oferecer o seu amor a todos. Pensamos nas situações da vida, mas também nas oportunidades que ela nos oferece. Pessoas que encontramos pelos caminhos do mundo; gestos e ações de bem, de bondade, paz e justiça que podemos realizar.
Vigiar, diz-nos o evangelho deste domingo, é fazer de tudo para não nos tornar “insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida”. Parece o retrato da nossa sociedade: todos tão atarefados, tão preocupados, correndo o dia todo, porém cada um atrás dos seus interesses, com a sensibilidade e, portanto, com a consciência entorpecida. Acordamos quando acontece algo de grave e de sério para nós. Se depois é questão de dinheiro, somos supersensíveis. Brigamos até o fim. Raramente nos deixamos envolver com as dificuldades dos irmãos. Falar em bem comum é discurso para candidato idealista; poucas vezes é fruto de uma consciência de cidadania unida à vontade de resolver os problemas juntos, assumindo a responsabilidade, também pessoal, de construir uma sociedade mais justa e fraterna.
O mistério do Natal de Jesus nos lembra da sensibilidade de Deus que continua vendo e ouvindo os clamores do seu povo e decide estar ao lado do pequeno e do pobre, de todo ser humano que deixa de lado o orgulho e reconhece a sua finitude. Somente assim acontece o encontro entre o amor de Deus e a nossa sede de amor. Também naquele tempo os insensíveis, seguros de si, não souberam acolher o Salvador. No entanto é com ele, o Senhor que vem, que sempre aprendemos de novo quanto vale ter um coração sensível e amoroso
Ficamos sempre atentos, vigiando para nós e para os outros também, antes que a pedra gigantesca do egoísmo e da insensibilidade nos faça parecer inútil amar. Neste caso, a pedra já teria destruído a nossa vida, porque teria rolado do monte até parar em nosso coração. Talvez sem perceber.
Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá (AP)
Fonte: Site da CNBB
Ilustração: pegadasinacianas.blogspot.com
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