o mundo precisa
de fraternidade e esperança tanto quanto de vacina
“O ano de 2021 é
um tempo a não perder; e não se perderá na medida em que soubermos colaborar
com generosidade e empenho": no discurso ao Corpo Diplomático acreditado
junto à Santa Sé, o Papa Francisco identificou na crise dos relacionamentos
humanos o maior desafio para a sociedade contemporânea.
Bianca
Fraccalvieri – Cidade do Vaticano - A audiência ao Corpo Diplomático constitui
um dos eventos mais tradicionais do ano no Vaticano. Ao receber os
embaixadores, o Papa formula seus votos de felicitações a todos os mais de 180
países com os quais a Santa Sé mantém relações diplomáticas. Mas, sobretudo, é
a ocasião em que o Pontífice faz uma análise da atual conjuntura sociopolítica
mundial.
A pandemia e suas
consequências guiaram a reflexão de Francisco, identificando em seu longo
discurso as crises que a Covid-19 provocou em escala global. O mundo está
doente, afirmou o Papa, e não só por causa do vírus.
Crise sanitária
A doença e a morte
ficaram muito mais palpáveis com a pandemia, o que leva a recordar o valor da
vida, “de cada vida humana e da sua dignidade, em todos os momentos, desde a
concepção no ventre materno até ao seu fim natural”.
Francisco
manifestou sua dor com o fato de que muitas legislações no mundo se afastaram
do seu dever primário de defender a vida, legalizando o aborto com o pretexto
de garantir “pretensos direitos subjetivos”.
Mais uma vez o
Pontífice renovou seu apelo para que os cuidados na área na saúde, como as
vacinas, por exemplo, estejam à disposição de todos, sobretudo dos mais vulneráveis.
Recordando, porém, que é responsabilidade de todos manter um comportamento
responsável para si e para os demais.
Crise ambiental
Contudo, constatou
o Papa, “não é apenas o ser humano que está doente, a nossa Terra também”.
Francisco citou a exploração indiscrimanada dos recursos naturais e as mudanças
climáticas, que provocam, por sua vez, insegurança alimentar e desastres
ambientais. Burkina Faso, Mali, Níger e Sudão do Sul foram alguns dos países
destacados. Mas também a Austrália e a Califórnia.
Crise econômica e social
No campo
econômico, a pandemia obrigou muitos países a adotarem quarentenas e lockdowns
para conter a difusão do vírus, com o consequente aumento do desemprego e da
vulnerabilidade social. Crises humanitárias foram acentuadas, como o tráfico de
seres humanos, a exploração da prostituição e o fluxo migratório. O Papa
mencionou a tensão na região moçambicana de Cabo Delgado, na Síria e no Iemên.
E as violações cometidas contra milhares de deslocados, refugiados e
repatriados.
Esta crise
evidenciou que é necessária uma “nova revolução copernicana”, que coloque de
novo a economia a serviço do homem e não vice-versa. E recordou que a Santa Sé
considera ineficaz a lógica das sanções de um país contra o outro.
“Oxalá esta
conjuntura que estamos a atravessar sirva, igualmente, de estímulo para perdoar
ou, pelo menos, reduzir a dívida que pesa sobre os países mais pobres,
impedindo efetivamente a sua recuperação e pleno desenvolvimento.”
Crise política
A política também
sofreu de Oriente a Ocidente, mesmo em países de longa tradição democrática. O
Papa constatou um “aumento das contraposições políticas e a dificuldade, senão
mesmo a incapacidade, de procurar soluções comuns e partilhadas para os
problemas que afligem o nosso planeta".
E encorajou os
países a empreenderem reformas. Manifestou sua satisfação com o Tratado para a
Proibição das Armas Nucleares, com sua iminente viagem ao Iraque e o
prolongamento do Acordo Provisório entre Santa Sé e China sobre a nomeação dos
Bispos. “Trata-se de um entendimento de caráter essencialmente pastoral e a
Santa Sé espera que o caminho percorrido continue, em espírito de respeito e
mútua confiança.”
O Papa desejou paz
para Mianmar, Líbano, Terra Santa e Líbia e fez votos de que em 2021 se possa
inscrever a palavra “fim” no conflito na Síria.
Paz também para a
República Centro-Africana, Coreia. Para a América Latina, os votos são para que
se consiga aliviar as tensões políticas e sociais, “cujas raízes se encontram
nas profundas desigualdades, nas injustiças e na pobreza, que ofendem a
dignidade das pessoas”.
O terrorismo
também preocupa o Santo Padre, que com frequência atinge os locais de culto,
“com uma consequência direta da defesa da liberdade de pensamento, consciência
e religião”.
Crise dos relacionamentos humanos
Mas para
Francisco, há uma crise que talvez seja a mais grave de todas: a crise dos
relacionamentos humanos, expressão de uma crise antropológica geral.
O Papa manifestou
sua preocupação com a “catástrofe educativa”, acirrada com a pandemia, que
evidenciou a desigualdade no acesso à instrução, relegando milhões de
estudantes a um limbo pedagógico.
A Covid-19
impactou também nos relacionamentos familiares, com o aumento da violência
doméstica e nas limitações da liberdade religiosa.
“Um bom cuidado do
corpo nunca pode prescindir do cuidado da alma”, disse Francisco, que concluiu:
“O ano de 2021 é
um tempo a não perder; e não se perderá na medida em que soubermos colaborar
com generosidade e empenho. Neste sentido, considero que a fraternidade seja o
verdadeiro remédio para a pandemia e os inúmeros males que nos atingiram.
Fraternidade e esperança são remédios de que o mundo precisa, hoje, tanto como
as vacinas.”
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