Quaresma, tempo de reconciliação
O rico conteúdo da
Quaresma é confiado à Igreja pela sua finalidade: a celebração da Páscoa de
Cristo e, nela, a nossa Páscoa. Por isso, os dois pontos principais são o
batismo e a penitência. “A dupla índole do tempo quaresmal, que, principalmente
pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis
ouvirem com mais frequência a palavra de Deus e entregarem-se à oração, os
dispõe à celebração do mistério pascal” (SC 109). Sobretudo neste ano, em que
ainda estamos vivendo o distanciamento social, por causa do Covid 19, vale
aprofundar muito o significado do nosso batismo, sempre válido, e a celebração
da penitência. Isto vale, sobretudo, para os que ainda não foram batizados. O
batismo destes obedece a uma regra especial. Eles se preparam para receber o
batismo, a crisma e a eucaristia no mesmo dia, na celebração da vigília pascal.
Claro, o desafio maior somos nós, os já batizados, que precisamos nos voltar
mais para Deus, para buscar nele o sentido do nosso viver e para os irmãos,
visto que a caridade não existe somente nas ideias, mas no concreto do
cotidiano. Aqui entra o lugar da Campanha da Fraternidade, que chama à
conversão a partir de um tema específico, e neste ano será sobre “Fraternidade
e diálogo: compromisso de amor”.
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Dom Adelar |
O texto do
Concílio Vaticano II fala de ouvir com mais frequência a palavra de Deus e
entregarem-se mais à oração. É um tempo de voltar-se mais para dentro de si
mesmos. E o nosso olhar para dentro se dá sempre com um olhar para Cristo, para
Ele, nunca para o nada ou para a “respiração” que temos. De fato, a conversão
cristã é sempre uma mudança a partir do evangelho, nem somente uma conversão
moral, mas é conversão para Deus, pois do contrário, não se pensa segundo Deus,
mas segundo os homens. Temos algo bem importante aqui: a conversão da pessoa
tem um ponto de referência. Sempre será Cristo e seu ensinamento. Por isso, o
segredo é a oração. Quem reza todos os dias, sabe que o caminho para sua vida
vem daí, de Deus. Não é somente um desejo pessoal. A oração será diálogo com
este que vem a nós e nos convida a reconhecê-lo e conversar com ele. Claro, a
Quaresma torna-se uma escola de purificação e iluminação. As palavras de Jesus,
“convertam-se ao evangelho” (Mc 1,15), são claras para nós. Elas nos conduzem a
que tenhamos a acolhida da proximidade de Deus, que pede que nos reconciliemos,
por amor, a Ele e, como consequência, aos irmãos e irmãs.
A duração dos
quarenta dias é essencialmente simbólica. A tipologia bíblica dos quarenta dias
sempre esteve presente: o jejum dos quarenta dias de Jesus Cristo; os quarenta
anos transcorridos pelo povo de Deus no deserto; os quarenta dias em que Moisés
esteve no Monte Sinai; os quarenta dias durante os quais Elias, fortificado
pelo pão cozinho sob as cinzas e pela água, chegou ao monte de Deus, o Horeb e
os quarenta dias nos quais Jonas pregou a penitência aos habitantes de Nínive.
Os quarenta dias são desde a Quarta-feira de Cinzas até o dia da Ceia do
Senhor, na Quinta-feira Santa.
As obras da
penitência quaresmal, a oração, o jejum e a esmola, são realizadas, sobretudo,
num contexto mais interior. O jejum nos educa para vivermos uma pobreza
interior, na disposição a Deus. A oração, já falada anteriormente, é local
imprescindível da vida cristã, sem a qual não há caminho cristão. E a caridade
é a que torna claro nosso desejo de mudança, sem nenhuma intenção pessoal, mas
“não deve ser apenas interna e individual, mas também externa e social” (SC
110).
Dom Adelar Baruffi
- Bispo de Cruz Alta (RS)
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