A conversão do Papa Francisco
O tempo da Quaresma é
um tempo especial para voltar o coração para Deus. Na sua mensagem deste ano, o
Papa Francisco nos lembra que a Quaresma é “tempo de conversão, renovamos a
nossa fé, obtemos a «água viva» da esperança e recebemos com o coração aberto o
amor de Deus que nos transforma em irmãos e irmãs em Cristo.” Assim, Papa nos
convida a viver de modo intenso a experiência da Misericórdia de Deus que ele
mesmo sentiu já durante os dias de sua juventude. Misericórdia esta que foi
crucial na mudança da rota de sua vida e que o impulsionou a seguir sua vocação
religiosa.
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Foto de família de Jorge Mario Bergoglio quando jovem |
Bruno Franguelli, SJ - Podemos contemplar o jovem Jorge, aos 17 anos, caminhando pelas ruas de Buenos Aires ao encontro de seus amigos para festejar o Dia do Estudante. Era o dia 21 de setembro, festa litúrgica de São Mateus Apóstolo. Ao passar diante de sua comunidade paroquial, a Igreja de San José de Flores, decidiu entrar para fazer uma breve oração. Ao ingressar na Igreja, encontrou um padre que ainda não conhecia e que logo transmitiu-lhe grande confiança e espiritualidade. Imediatamente pediu para receber o sacramento da Reconciliação. Bergoglio recorda detalhes daquele momento. Não foi apenas uma confissão a mais, foi o seu grande encontro pessoal com a Misericórdia e o amor de Deus. Mais tarde, como Cardeal, ao lembrar este fato, ele mesmo revela que naquele momento sentiu que tinha ido ao encontro de Alguém que já o estava esperando. Sentiu que algo estava mudando em sua vida. Assim, desistiu de ir ao encontro de seus amigos para festejar e, ao invés disso, retornou a sua casa e revelou a sua família, ainda que sem saber ao certo o que significava, seu grande desejo:
“Quero e tenho que
ser padre!”
Ainda que continuasse
convicto de sua vocação religiosa, Jorge Bergoglio continuou amadurecendo a
ideia de abraçar a vida sacerdotal. Após alguns anos, decidiu entrar no
Seminário da Arquidiocese de Buenos Aires, mas logo após, encantou-se pelo modo
de ser dos jesuítas, que na época, dirigiam o Seminário. Deste modo, pediu para
ser admitido ao noviciado da Companhia de Jesus.
A “segunda conversão”
do Pe. Jorge Bergoglio
Depois de sua longa
trajetória de formação na Companhia de Jesus, Bergoglio foi ordenado padre e
pouco tempo depois recebeu a missão de ser mestre de noviços e, com apenas 34 anos
já era provincial dos jesuítas da Argentina. Após ter exercido cargos
importantes, o então Pe. Bergoglio recebeu a missão de ser confessor e
acompanhante espiritual no mesmo local onde antes tinha estado como noviço.
Bergoglio recorda aqueles dias como “tempo de escuridão e de sombras”, mas ao
mesmo tempo, Córdoba era a cidade onde encontrou a rota de Deus em sua vida, o
caminho para a sua purificação interior. De fato, era a primeira vez, desde que
tinha sido ordenado presbítero, que não assumia um cargo de governo. Aquela
cidade foi para ele como uma “Nazaré”, mais que um lugar, um tempo oportuno
para cuidar-se a crescer quase que no anonimato, no abraço gratuito das fatigas
simples do cotidiano.
Papa Francisco afirma
ainda que aquele tempo ofereceu para ele a oportunidade de viver a sua “segunda
conversão”. Como confessor, passou a atender pessoas provenientes dos lugarejos
vizinhos que vinham à Igreja para receber a consolação do Senhor. Professores e
estudantes, ricos e pobres, todos os tipos de pessoas, que confirmavam o
coração de Bergoglio no desejo de salvar as almas. Depois de ter ocupado
altíssimos cargos entre os jesuítas da Argentina, Jorge tornava-se um simples
servidor do Evangelho. E como ele mesmo afirmou: “Córdoba foi um propedêutico da
missão que Deus ainda estava por confiar.”
No livro “El jesuíta”
o então arcebispo de Buenos Aires revelou com muita sinceridade a sua profunda
experiência de encontro com sua própria miséria e a misericórdia de Deus:
“A verdade é que sou
um pecador a quem a misericórdia de Deus amou de um modo privilegiado. Desde
jovem, a vida me colocou em cargos de governo – recém ordenado presbítero fui
designado mestre de noviços, e dois anos e meio depois, provincial – e tive que
ir aprendendo durante o percurso, a partir dos meus erros, porque isso sim,
erros cometi aos montes. Erros e pecados. Seria falso da minha parte dizer que
hoje em dia peço perdão pelos pecados e ofensas que poderia ter cometido. Hoje,
peço perdão pelos pecados e ofensas que realmente cometi.”
Deste modo, Papa
Francisco nos convida, através de sua própria experiência do perdão de Deus a
percorrer os sendeiros de sua misericórdia e como ele sempre nos repete:
“jamais podemos nos cansar de pedir perdão, porque Deus jamais se cansa de nos
acolher e perdoar!”
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O jornalista Gianni Valente foi um dos primeiros a entrevistar Jorge Mario Bergoglio quando se tornou cardeal em 2001. Ele foi à Argentina no final daquele ano, quando João Paulo II criou o arcebispo de Buenos Aires como cardeal, e contou ao Vatican News como foi aquele encontro com o futuro Papa.
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O então cardeal Bergoglio em programa de TV na Argentina, em 2001 |
Andrea De Angelis - Em 2001, a crise
econômica atingiu duramente a Argentina, em meio às lágrimas de muitos pais e
mães de família. No mesmo ano, em 21 de fevereiro, o então arcebispo de Buenos
Aires foi criado cardeal. Doze anos mais tarde, em 13 de março de 2013, Jorge
Mario Bergoglio foi eleito Sumo Pontífice.
Entre os primeiros a
entrevistar o novo cardeal na época estava Gianni Valente, jornalista da
revista mensal "30Giorni", de editoria geopolítica eclesiástica.
Durante o encontro, Bergoglio também relatou o sofrimento do povo argentino,
analisando as causas da crise. Depois, uma simples, mas significativa troca de
presentes.
Uma recepção familiar
"A ocasião da
minha viagem a Buenos Aires foi o colapso econômico da Argentina em 2001. Houve
muitas manifestações, a crise de todo o sistema perturbava um país que, até
aquele momento, tinha tido um grande segmento da população pertencente à classe
média". O objetivo, explicou ainda Valente ao Vatican News, “era contar
como a população estava vivendo aquele momento e como a Igreja argentina
acompanhava a história do seu povo. Com um colega, portanto, pedimos uma
entrevista ao cardeal Bergoglio antes da nossa partida. Sabíamos que ele
apreciava a nossa revista, 30Giorni, e por isso nos concedeu o encontro".
"Assim que chegamos à Argentina, era o primeiro dia, fomos ao Arcebispado.
Lembro-me da acolhida familiar, aquela que todos nós aprendemos a conhecer, a
capacidade de entrar imediatamente em harmonia, em empatia com as pessoas que
ele tinha diante de si".
A crise social e econômica argentina
"Claramente”,
continuou o jornalista, “o foco da entrevista foi a situação social e econômica
na Argentina. O então cardeal Bergoglio disse palavras fortes a respeito das
causas do colapso econômico, falou de 'terrorismo financeiro', retomando também
a fórmula usada por Pio XI na Encíclica “Quadragesimo Anno”, que falava do
imperialismo internacional do dinheiro, que tem a sua pátria lá onde há
ganho".
"Bergoglio
destacou o que ele chamava de 'a face idolátrica da economia especulativa'.
Para nós, jornalistas", lembrou Valente, "aquela situação social era
relevante, também no aspecto da participação da Igreja, colocada em questão
pelas instituições como um sujeito de apoio ao sofrimento do povo".
O apoio à população que sofre
"Alguns prelados
fizeram parte de uma comissão chamada para dar conselhos, para pôr em marcha
toda a rede de apoio caritativo para atender às necessidades do povo.
Naturalmente", salientou o jornalista, "Bergoglio participava dessa
mobilização por parte da Igreja". "Durante a entrevista, o futuro
Papa destacou como o modelo econômico havia tornado o trabalho supérfluo. A
economia especulativa não sabia mais o que fazer. Fiquei particularmente impressionado
com uma imagem da sua história, aquela dos muitos que haviam perdido um emprego
e que, falando com o então arcebispo de Buenos Aires, lhe confidenciavam como
às vezes choravam por causa disso, mas sempre à noite. Em segredo dos filhos,
depois de tê-los colocado na cama". Não posso esquecer", acrescentou
Valente, "a sua sensibilidade em compreender essa característica tão
íntima do sofrimento de tantos pais e mães de família".
A troca de livros
Finalmente, uma
lembrança pessoal desse encontro com o futuro Papa: "eu tinha trazido de
Roma um livro muito simples, de orações cristãs, intitulado "Quem reza se
salva", uma pequena coleção de orações tradicionais do povo cristão.
Deixei, então, como presente ao então cardeal. Ele ficou entusiasmado e retribuiu
com um livro semelhante, um devocional do Sagrado Coração de Jesus, claramente
ligado à sua pertença à Companhia de Jesus. Nós nos deixamos”, concluiu o
jornalista Valente, “com essa significativa troca de presentes".
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