“Convertei-vos e crede no Evangelho” foi o tema da primeira pregação da Quaresma do frei Raniero Cantalamessa. “Há uma conversão para cada estação da vida. O importante é que cada um de nós descubra a que serve para si neste momento”, disse o frei capuchinho.
“Convertei-vos e crede no Evangelho!” Este apelo sempre presente de Cristo foi o tema da primeira pregação da Quaresma do pregador da Casa Pontifícia, cardeal Raniero Cantalamessa, na Sala Paulo VI, no Vaticano, aos membros da Cúria Romana.
“De conversão,
fala-se em três momentos ou contextos diversos do Novo Testamento. Cada vez,
vem à luz uma sua componente nova. Juntas, as três passagens nos dão uma ideia
completa sobre o que é a metanóia evangélica. Há uma conversão para
cada estação da vida. O importante é que cada um de nós descubra a que serve
para si neste momento”, disse o frei capuchinho.
Agarrar a salvação
que veio aos homens gratuitamente
“A primeira
conversão é aquela que ressoa no início da pregação de Jesus e que está
resumida nas palavras: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc
1,15). Antes de Jesus, converter-se significava sempre um “voltar atrás”.
Indicava o ato de quem, a um certo ponto da vida, percebe estar “fora do rumo”.
Então se detém, reconsidera; decide voltar à observância da lei e de retornar à
aliança com Deus. A conversão, neste caso, tem um significado fundamentalmente
moral e sugere a ideia de algo penoso a se cumprir: mudar costumes, deixar de
fazer isso ou aquilo.”
Segundo o cardeal,
“nos lábios de Jesus, este significado muda. Não porque ele se divirta em mudar
os significados das palavras, mas porque, com sua vinda, mudaram as coisas.
“Cumpriu-se o tempo, e está próximo o Reino de Deus!”. Converter-se não
significa mais voltar atrás, à antiga aliança e à observância da lei, mas
significa dar um salto adiante e entrar no Reino, agarrar a salvação que veio
aos homens gratuitamente, por livre e soberana iniciativa de Deus”.
Converter-se
significa voltar atrás
A segunda
passagem em que, no Evangelho, volta a se falar de conversão é:
“Naquela hora, os
discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ‘Quem é o maior no Reino dos
Céus?’ Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse: ‘Em verdade
vos digo, se não vos converterdes e nãos vos tornardes como crianças, não
entrareis no Reino dos Céus’” (Mt 18,1-3).
“Desta vez converter-se significa voltar
atrás, até mesmo a quando se era criança! O próprio verbo usado, strefo,
indica inversão de marcha. Esta é a conversão de quem já entrou no Reino,
acreditou no evangelho, já está há tempos no serviço de Cristo. É a nossa
conversão! O que supõe a discussão sobre quem é o maior? Que a preocupação
maior não é mais o reino, mas o próprio lugar nele, o próprio eu. Cada um deles
tinha algum título para aspirar a ser o maior: Pedro tinha recebido a promessa
do primado; Judas, a caixa; Mateus podia dizer que tinha deixado mais do que os
outros; André, que tinha sido o primeiro a segui-lo; Tiago e João, que
estiveram com ele no Tabor... Os frutos desta situação são evidentes:
rivalidades, suspeitas, confrontos, frustração. Jesus, de imediato, tira o véu.
Nem como primeiros, deste modo nem se entra no reino! O remédio? Converter-se,
mudar completamente perspectiva e direção. A que Jesus propõe é uma verdadeira
revolução copernicana. É preciso “descentralizar-se de si mesmo e
recentralizar-se em Cristo”.
Segundo o frei
capuchinho, “Jesus fala mais simplesmente de um tornar-se criança. Tornar-se
criança, para os apóstolos, significava voltar a como eram no momento do
chamado às margens do lago ou no posto de arrecadação: sem pretensões, sem
títulos, sem confrontos entre si, sem invejas, sem rivalidades. Ricos apenas de
uma promessa (“Farei de vós pescadores de homens”) e de uma presença, a de
Jesus; a quando eram ainda companheiros de aventura, não concorrentes pelo
primeiro lugar. Também para nós, tornar-se criança significa voltar ao momento
em que descobrimos sermos chamados, ao momento da ordenação sacerdotal, da
profissão religiosa, ou do primeiro verdadeiro encontro pessoal com Jesus.
Quando dizíamos: “Só Deus basta!”, e acreditávamos”.
Conversão da
mediocridade e da tibieza
“O terceiro contexto
em que recorre, martelante, o convite à conversão, é dado pelas sete cartas às
Igrejas do Apocalipse. As sete cartas são dirigidas a pessoas e comunidades
que, como nós, vivem há tempos a vida cristã e, ainda mais, exercem nelas uma
papel-guia. São endereçadas ao anjo das diversas Igrejas: “Ao anjo da igreja
que está em Éfeso”. Não se explica este título senão em referência, direta ou
indireta, ao pastor da comunidade. Não se pode pensar que o Espírito Santo
atribua a anjos a responsabilidade das culpas e desvios que são denunciados nas
diversas igrejas, muito menos que o convite à conversão seja dirigido a anjos
ao invés de homens. Das sete cartas do Apocalipse, a que deve nos fazer
refletir mais do que as outras é a carta à Igreja de Laodiceia. Conhecemos seu
tom severo: “Conheço as tuas obras. Não és frio, nem quente... porque és morno,
nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca... Sê zeloso, pois, e
arrepende-te” (Ap 3,15ss). Aqui, trata-se da conversão da mediocridade e da
tibieza”, frisou Cantalamessa.
O Espírito torna
universal a redenção de Cristo
“O dom de Cristo não
é limitado a uma época particular, mas oferecido a toda época. É justamente
papel do Espírito tornar universal a redenção de Cristo, disponível a cada
pessoa, em cada ponto do tempo e do espaço. O segredo é dizer uma vez “Vinde,
Santo Espírito”, mas dizê-lo com todo o coração, deixando o Espírito livre para
vir da maneira que ele quiser, não como gostaríamos que ele viesse,
possivelmente sem mudar nada em nossa maneira de viver e orar. Peçamos à Mãe de
Deus que nos obtenha a graça que obteve do Filho em Caná da Galileia. Por sua
oração, naquela ocasião, a água se converteu em vinho. Peçamos que, por sua
intercessão, a água da nossa tibieza se converta no vinho de um renovado
fervor. O vinho que em Pentecostes provocou nos apóstolos a embriaguez do
Espírito e os tornou “fervorosos no Espírito”, concluiu o pregador da Casa
Pontifícia.
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