palavras e gestos
Os “últimos” do Evangelho serão os últimos a recebê-lo.
Andrea Tornielli
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O Papa no Dia Mundial dos Pobres de 2024 (Vatican Media) |
E assim, os “últimos” serão os últimos a recebê-lo,
na entrada da basílica de Santa Maria Maior, que conserva o ícone da Salus
Populi Romani, sob cujo olhar materno Francisco está prestes a ser sepultado.
Na reta final de sua trajetória terrena como Bispo de Roma que veio quase do
fim do mundo, ele será coroado não pelos poderosos, mas pelos pobres, pelos
migrantes, pelos sem-teto, pelos marginalizados que foram colocados no centro
de tantas páginas de seu magistério e que estão no centro de cada página do Evangelho.
Já as palavras pronunciadas na manhã da
Segunda-feira do Anjo pelo cardeal camerlengo Kevin Joseph Farrell para
anunciar a morte inesperada do Papa Francisco haviam sublinhado essa pedra
angular de seu ensinamento: “Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho
com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais
pobres e marginalizados”. “Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os
pobres”, disse ele no início de seu pontificado. “Para a Igreja, a opção pelos
pobres é uma categoria teológica antes de ser cultural, sociológica, política
ou filosófica. Deus lhes concede “sua primeira misericórdia”. Essa preferência
divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos, que são chamados a
ter “os mesmos sentimentos de Jesus”, escreveu ele na exortação apostólica
“Evangelii gaudium”, um documento que ainda não compreendemos plenamente e que
marcou o curso de seu ministério como Sucessor de Pedro.
Palavras que sempre foram acompanhadas de gestos e
escolhas concretas. O primeiro Papa a escolher o nome do Santo de Assis se
inseriu na esteira dos ensinamentos de seus predecessores, como os de São João
XXIII, que, um mês antes de abrir o Concílio Ecumênico Vaticano II, havia dito:
“A Igreja se apresenta como é e quer ser, como a Igreja de todos, e
particularmente a Igreja dos pobres”. Esse magistério de palavras e gestos,
para o primeiro Papa sul-americano, teve sua origem no Evangelho e nos ensinamentos
dos primeiros Padres da Igreja. Como Santo Ambrósio, que disse: “Não é de suas
posses que você faz uma doação aos pobres; você não faz mais do que dar a eles
o que lhes pertence. Pois é aquilo que é dado em comum para o uso de todos,
aquilo que você anexa. A terra é dada a todos, e não apenas aos ricos”.
Graças a essas palavras, São Paulo VI pôde afirmar
em sua encíclica “Populorum Progressio” que a propriedade privada não constitui
um direito incondicional e absoluto para ninguém, e que ninguém está autorizado
a reservar para seu uso exclusivo o que excede sua necessidade, quando outros
não têm o necessário. Ou como São João Crisóstomo que, em uma famosa homilia,
disse: “Você quer honrar o corpo de Cristo? Não permita que ele seja objeto de
desprezo em seus membros, isto é, nos pobres, privados de roupas para se
cobrirem. Não honrem a Cristo aqui na igreja com panos de seda, enquanto lá
fora vocês o negligenciam quando ele sofre com o frio e a nudez. Aquele que
disse: Este é o meu Corpo, disse também: Vistes-me com fome e não me destes de
comer”.
Longe de leituras ideológicas, a Igreja não tem
interesses políticos a defender quando pede a superação do que Francisco chamou
de “globalização da indiferença”. Movido apenas pelas palavras do Evangelho,
sustentado pela tradição dos Padres da Igreja, o Papa nos convidou a voltar
nosso olhar para os “últimos” prediletos de Jesus. Esses “últimos” que hoje o
acompanharão com seu abraço na última etapa.
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