Ele vive e nos
dá vida
Frei Almir
Guimarães
Celebrar é
tornar atual, conhecida, divulgada alguma coisa, um evento que nos
encheu de vida, de alegria, de esperança e de vigor: a chegada de um
amigo, a volta de um filho querido depois de gestos de loucura e desvario, a
lembrança de um amor que nos foi manifestado no passado. Celebrar a
ressurreição de Jesus é fazer de sorte que a vida nova do Mestre seja para
nós, hoje, luz para a caminhada, profunda alegria para nossa vida
e claridade para o mundo. Importante o “hoje”. Somos chamados a viver
a vida nova de Jesus. Páscoa, festa da vida. Convite a que vivamos
intensamente, e não de maneira queixosa. Na medida em que os anos passam, mesmo
sem nenhuma autorização de nossa parte, sentimos, cristãos que somos, que nossa
vida se renova. É proibido envelhecer. Nossa nudez foi coberta com
a veste de Cristo. Somos renascidos, “renatos”.
Vida nova, vida
no Senhor. Que bom, na manhã de Páscoa, ouvir Paulo a nos dizer: “Vós
morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo em Deus”. Vida,
corpo, sonhos, esperas, anelos, casamento, paternidade, maternidade, coração,
contradições, rejeições…tudo está escondido em Cristo Jesus. A glória da
vida sem fim já habita em cada um de nós. Nada de pensamentos de morte. A
vida venceu a morte.
Não nos foi dado
de ver o Senhor ressuscitado. Os apóstolos, os discípulos de Emaús, Maria
Madalena disseram que o viram. Tomé, por sua vez, lamentou não tê-lo
visto quando ele se tinha manifestado a seus companheiros. Precisava
tocar com seus dedos suas feridas.
Os apóstolos se
tornaram testemunhas da ressurreição. Visão? Visão especial para
testemunhar que, por sua pregação e jeito de viver, haveriam de nos dizer que a
vida não é banal, que ela não existe para terminar de qualquer jeito. Ele vive,
o Senhor vive e nos arrasta num movimento de vida. Temos a graça de crer
em sua presença. Os que tiveram a graça de vê-lo ressuscitado no-lo
garantem. Não podemos dizer outra coisa: somos profundamente
felizes por crer na vida do corpo que veio de Maria, do condenado do
Gólgota e que as graças da morte do Senhor redundaram em vida para nós que,
apesar de toda fragilidade, renascemos nele. Vida, sempre a vida do
Ressuscitado.
Viera da parte
do Pai. Tinha querido que os seus desígnios se inscrevessem nos
projetos dos homens e das mulheres. Fez com que compreendêssemos que
somente morrendo a nós mesmos renasceríamos na sua vida. Ele havia proposto um
novo estilo de viver: os últimos seriam os primeiros, os que lavam os pés dos
outros seriam príncipes, irmãos cuidam de irmãos e vivem como irmãos. Quis um
mundo de transparência, de reza no quarto, de gestos colocados sem
alarido. Pessoas simples. Nos que assim agem ele continua vivendo.
Ele andou por
toda a terra fazendo o bem, curando os que eram presa do mal. Conheceu a
perseguição, a condenação, o sofrimento, a morte. Foi literalmente o grão
que morre e que morrendo dá a vida. Quando seu peito estava para estourar
inclinou a cabeça e nos deu o seu Espírito.
Nada da
reanimação de um cadáver. É ele, mas reconhecido nos gestos de amor sem limites
e no despertar da fé nos corações adormecidos. Certeza nossa é que ele
vive, transfiguradamente. Madalena, os discípulos de Emaús, os apóstolos viram
o Senhor. Com seus olhos do rosto? Ou com a luminosidade do olhar da fé que
enxerga além da barba, das pernas e do rosto? Sim, ele está
presente. Presente de modo particular na comunidade dos fiéis que
aprenderam a conjugar o verbo amar em todos os modos e tempos, nos
sacramentos-sinais onde ele se imiscui, no pão branco e no vinho generoso e nos
rostos contorcidos do smais humildes homens da face da terra.
Na segunda
leitura desta liturgia, Paulo pede que busquemos as coisas do alto. A
vida espiritual consiste precisamente em buscar as coisas do alto. Um
pensamento para terminar: “A vida espiritual do batizado se delineia como
dinâmica da espera do Senhor e como vida interior, não exibida nem
gritada, mas envolta em discrição e pudor como pedem toda as realidades
preciosas”.
Texto para
meditação e reflexão
Explodindo de alegria
(Das homilias de Santo Astério, bispo)
Alegre-se hoje a
Igreja herdeira: Cristo, seu Esposo, depois da Paixão, ressuscitou!
Ela, que chorou por sua paixão, alegre-se por sua ressurreição!
Alegre-se,
Igreja-Esposa! A ressurreição do Esposo te levantou do chão, onde
jazias prostrada, e eras pisoteada. Os pés da cortesã não mais dançam por
causa da morte de João Batista, mas os da Igreja calcam a morte. A fé não é
mais negada, e todos os joelhos se dobram; cessaram os sacrifícios, e os
salmos brotam como flores. Não é mais a fumaça dos sacrifícios que se
eleva, mas o incenso das orações: Minha oração suba a vós como o incenso
(Sl 140,2). As imolações de animais não têm mais valor, depois que foi imolado
o Cordeiro que tira o pecado do mundo.
Ó maravilha! A
mansão dos mortos devorou o Cristo Senhor e não o digeriu. O leão engoliu o
Cordeiro não pôde conserva-lo em seu estômago. A morte sorveu a vida, mas
tomada de náuseas, os que anteriormente devorara. O gigante não conseguiu levar
Cristo que morria; morto, ele tornou-se terrível para o gigante; lutou
com alguém que estava vivo e esse caiu vencido pelo morto.
Um só grão foi
semeado e o mundo inteiro alimentado. Imolado como homem, voltou à
vida como Deus, dando a vida ao universo. Como ostra foi esmagado e como
pérola adornou a Igreja. Como ovelha foi sacrificado, e como um pastor com o
cajado, expulsou com a cruz a tropa dos demônios. Como uma lâmpada no
candelabro, extinguiu-se na cruz e, como sol, levantou-se do túmulo.
Presenciou-se um duplo prodígio: enquanto Cristo estava sendo crucificado, o
dia era encoberto pelas trevas; e enquanto ressurgia, a noite brilhava
como o dia.
Por que o dia
escureceu? Por que acerca desse dia está escrito: Das trevas fez o
seu esconderijo (Sl 17,2). E por que a noite brilhou como o dia? Porque o
profeta disse: “Mesmo as trevas para vós não serão escuras, a própria
noite resplandecerá como o dia” (Sl 138, 12).
Ó noite mais
clara que o dia! Ó noite mais fúlgida que o sol! Ó noite mais alva que a
neve! Ó noite mais brilhante que os archotes! Ó noite mais deleitável que
o paraíso.
Ó noite livre
das trevas! Ó noite que repeles o sono! Ó noite que ensinas a vigiar com os
anjos! Ó noite terrível para os demônios! Ó noite desejo do ano!
Ó noite que apresentas a Igreja a seu Esposo! Ó noite que geras os recém-nascidos pelo batismo! Ó noite na qual o diabo adormecido foi desarmado! Ó noite na qual o herdeiro introduz a herdeira na herança! (Lecionário Monástico III., p. 21-22)
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Oração da Manhã
de Páscoa
Dá-nos, Senhor,
a coragem dos recomeços. Mesmo nos dias quebrados, faz-nos descobrir
limiares límpidos. Não nos deixes acomodar ao saber daquilo que foi:
dá-nos largueza de coração para abraçar aquilo que é. Afasta-nos do
repetido, do juízo mecânico que banaliza a história, pois a desventura de
qualquer surpresa e esperança. Torna-nos atônitos como os seres que
florescem. Torna-nos livres, insubmissos. Torna-nos inacabados, como quem
deseja e de desejo vive… Torna-nos confiantes como os que se atrevem a
olhar tudo, e a si mesmos, uma primeira vez.
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FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
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