– breve síntese da
“Dilexit nos”
O Papa Francisco acaba de nos surpreender,
em plena Assembleia Sinodal (24.10), com a publicação da sua quarta encíclica:
‘Amou-nos!’. O tema é absolutamente inesperado: o Coração de Jesus, sugerindo a
evolução de uma devoção tradicional para uma espiritualidade moderna.
P. Tony Neves, em Roma
Padre Tony Neves nos estúdios da Rádio Vaticano
Eu já li, já sublinhei e expliquei à
Vaticanews o que acho que o Papa Francisco quer. Penso que o seu objetivo maior
é que os cristãos olhem para Cristo, como o grande ‘cardiologista’ que tem um
grande coração, mas que, sobretudo, tem uma grande capacidade de tratar
corações. O que eu acho interessante neste documento, é que é estudado, de uma
forma muito profunda e radical, o mundo que, em muitos aspetos e momentos,
parece ter perdido o seu coração, porque se notam muitos problemas ‘cardíacos’
na humanidade hoje: muita injustiça, muita fome, muita violência, muita guerra,
muita desigualdade, também muito afastamento de Deus, que é o ‘cardiologista’
por excelência.
E esses valores - segundo o Papa, segundo
esta encíclica - resultam de alguma incapacidade que as pessoas têm
demonstrado em olhar para Deus como a fonte do amor e, por isso, o ‘Amou-nos!’
remete para o essencial da vida, para o essencial da humanidade, para o
essencial da Igreja: a urgência de amar, pois Cristo disse: ‘como o Pai
me amou, Eu também vos amei e vocês serão meus amigos se vos amardes uns aos
outros como irmãos’. Quer dizer, no fundo no fundo, é esta a mensagem para um
mundo que tem problemas ‘cardíacos’, ou seja, tem alguma dificuldade de amar: a
solução está na fonte, o Coração de Jesus e, por isso, é necessário olhar para
este coração trespassado, para este Deus que se oferece, que se dá pela vida
dos outros e torna-se urgente aumentar os índices de amor na humanidade.
Podemos dizer que esta encíclica é a chave de interpretação deste pontificado. Li também diversos comentários nesse sentido e concordo. Esta encíclica acaba por resumir as grandes linhas do pensamento do Papa Francisco: a misericórdia, a ternura, a escuta dos outros, a atenção a quem é pequenino, o ter muito cuidado com a falta de humanidade em atitudes, em decisões políticas, em decisões económicas, em partilhas sociais. Eu creio que isso tudo está muito presente na encíclica e, sobretudo, há propostas… porque o que eu acho de bom neste Papa Francisco, seguindo a tradição da Igreja, é que ele não passa a vida a deitar abaixo, a denunciar. Nós denunciamos o que é de denunciar, mas sobretudo nós anunciamos, propomos, lançamos reflexões que abrem caminhos de felicidade, de mais humanidade, de Salvação… dizemos nós, em linguagem mais cristã – assim concluí a minha reflexão partilhada na Rádio Vaticano.
Volto ao texto da encíclica para destacar
algumas frases que mais me marcam: ‘É necessário que todas as ações sejam
colocadas sob o “controle político” do coração’ (13); ‘É aí, nesse Coração, que
finalmente nos reconhecemos e aprendemos a amar’ (30); ‘O resultado é negativo
quando vivemos, muitas vezes, um cristianismo que esqueceu a ternura da fé, a
alegria do serviço, o fervor da missão pessoa-a-pessoa, a cativante beleza de
Cristo, a gratidão emocionante pela amizade que Ele oferece e pelo sentido
último que dá à vida (80); É por isso que a oração mais popular, dirigida
como um dardo ao Coração de Cristo, diz simplesmente: ‘Eu confio em Vós’. Não
são necessárias mais palavras’ (90); ‘Mas sempre vencerá a misericórdia, que
alcançará a sua expressão máxima em Cristo, palavra definitiva de amor’ (100);
‘S. Teresinha, quando tinha quinze anos, encontrou uma maneira de resumir a sua
relação com Jesus: ‘Aquele cujo coração batia em uníssono com o meu’ (134); ‘Os
Santuários consagrados ao Coração de Cristo, espalhados por todo o mundo, são
uma atraente fonte de espiritualidade e fervor’(149); ‘Reconhecer que diante
d’Ele sempre estamos em débito, nunca em crédito’ (159); ‘Isto convida-nos
agora a procurar aprofundar a dimensão comunitária, social e missionária de
toda a autêntica devoção ao Coração de Cristo.
Com efeito, o Coração de Cristo, ao mesmo
tempo que nos conduz ao Pai, envia-nos aos irmãos. Nos frutos de serviço,
fraternidade e missão que o Coração de Cristo produz através de nós, cumpre-se
a vontade do Pai’(163); ‘É preciso voltar à Palavra de Deus para reconhecer que
a melhor resposta ao amor do seu Coração é o amor aos irmãos’ (167); ‘S. João
Paulo II dizia também que ‘para construir a civilização do amor’, a humanidade
de hoje precisa do Coração de Cristo. Precisa da vida, do fogo e da luz que vêm
do Coração de Cristo’(184).
E conclui o Papa Francisco: ‘O que está
expresso neste documento permite-nos descobrir que o que está escrito nas
encíclicas sociais Laudato si’ e Fratelli tutti não é
alheio ao nosso encontro com o amor de Jesus Cristo, pois bebendo desse amor
tornamo-nos capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada
ser humano e de cuidar juntos da nossa casa comum’ (217).
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