Rei do Universo?
Durante o julgamento de Jesus Cristo, Pilatos lhe perguntou se era rei. Jesus respondeu que sim, mas que seu reino não era deste mundo (cf. Jo 18,33). Naquela época a existência de reis era comum, era o modo de exercer o poder. Hoje restam poucos reis, a maioria são mais figuras emblemáticas, reinam, mas não governam e se o fazem, é através de um parlamento e um primeiro ministro.
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Dom Pedro Cipollini |
Neste mês de novembro, encerrando o Ano
Litúrgico, a Igreja celebra Jesus como “Rei do Universo”. O que isto quer
dizer? Quer dizer que segundo palavras da Bíblia Sagrada, Jesus é o único
mediador da salvação de toda criatura. É nele e por ele que se pode atingir a
felicidade e a realização plena, tanto das pessoas como da sociedade e da
criação como um todo. Jesus inaugura o reino da verdade e da vida, da justiça e
da paz.
Jesus é rei pela sua autoridade e poder
divinos. Não basta que as coisas que se diz sejam grandes, se quem as diz não é
grande. Desta forma, Jesus não só tem poder, mas tem também a grandeza da
autoridade. Autoridade conferida pela sua natureza divina confirmada pelo seu
testemunho de vida.
Precisamos distinguir poder de autoridade.
Os ditadores e tiranos têm poder, mas não autoridade. Ao passo que alguém sem
poder nenhum, pode ter uma autoridade imensa, como foi o caso de Mahatma Gandhi.
Pois como dizia um sábio da antiguidade clássica: “Não há autoridade que se
compare à que se estriba na justiça e se exerce na virtude” (Plínio).
Jesus é rei e seu reino não é deste mundo.
Nos reinos deste mundo quem exerce o poder deve exercê-lo pela força e
violência, dominando acima dos outros. Jesus tem outro conceito de poder, é o
“poder serviço”: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja aquele que serve a todos”
(Mc 9,35). No reinado de Cristo, reinar é servir, sem egoísmo, buscando o bem
comum, a inclusão de todos na partilha e no amor fraterno.
Jesus rei ensina a necessidade de viver a
humildade, convida a procurar fazer dos primeiros postos, um posto de serviço,
a valer-se deles para elevar os outros. Quem descobriu que o seu próprio bem
está em procurar o bem dos outros, já entrou no reino de Cristo.
As lutas pelo poder, são lutas externas,
consequência e manifestação de uma luta invisível, travada no interior da
pessoa. Toda falta de harmonia e reconciliação pessoal se exterioriza em
atitudes agressivas e conflitivas para com os outros, visando dominar, não raro
pela violência de pessoa contra pessoa, grupo contra grupo, até chegar às
divisões, polarizações e guerras entre nações.
Na oração do Pai Nosso, pedimos que “venha
a nós o vosso reino”. Este reino que não é um lugar, mas um modo de vida, no qual
Deus é louvado pela humanidade que vive a fraternidade universal. Celebrar
Jesus Rei do Universo nos desafia a pensar o modo de exercer o poder e a
autoridade: “Incumbe àqueles que exercem cargos de autoridade, garantir os
valores que atraem a confiança dos membros do grupo e os incitam a colocar-se
ao serviço dos seus semelhantes. A participação começa pela educação e pela
cultura. Aqueles que exercem alguma autoridade devem exercê-la como quem presta
um serviço” (Catecismo da Igreja Católica n.1917/1918).
Pode soar estranho, mas no reino de Cristo,
reina com ele os que são maiores e os maiores são os que servem (cf. Mt 23,2).
Este é o conceito cristão de poder. Do contrário vale o que já foi dito: “O
poder corrompe e o poder absoluto, corrompe absolutamente” (Lord Acton).
Dom Pedro Cipollini - Bispo de Santo André (SP)
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Cristo Rei
A liturgia do último domingo do Tempo Comum celebra a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo (Daniel 7,13-14, Salmo 92, Apocalipse 1,5-8 e João 18,33-37). Quando falamos de rei logo nos lembramos da história de reis do presente e do passado e somos tentados a transferir o modo de viver e governar deles para Cristo Rei. É o que acontece no diálogo de Pilatos com Jesus. Ele quer enquadrá-lo no modelo dos reis dos diferentes reinos do mundo. As respostas de Jesus conduzem Pilatos e a nós para a compreensão da realeza de Deus.
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Dom Rodolfo Luís |
Em primeiro lugar, Jesus assume a sua
identidade e missão: “Eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar
testemunho da verdade”. “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse
deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos
judeus”. Jesus afirma que exerce a realeza na terra, em meio aos reinos
terrestres, nos problemas humanos, mas não ao modo dos reis da terra. O reinado
de Jesus liberta os homens da escravidão do pecado e promove a reconciliação
com Deus.
O reinado de Jesus Cristo conjuga realeza e
verdade. Para o evangelista João a verdade é a revelação do mistério da
salvação de Deus. Na revelação os homens não são tratados como súditos, mas
como filhos. A revelação divina não passa pelo domínio ou pela manipulação da
consciência e de ameaças, mas é um convite para um seguimento livre e
consciente.
“Todo aquele que é da verdade escuta a
minha voz”. Jesus se torna rei de alguém quando sua voz é escutada. Pilatos
representa a realeza que se fecha na defesa dos próprios privilégios e dos
próprios interesses. Jesus testemunha a realeza que faz da cruz o sinal
distintivo do amor gratuito, que não defende os próprios interesses, mas quer
unicamente o bem do homem. Afinal, o rei existe para o bem dos governados.
Portanto, o poder de Jesus Cristo Rei é o poder divino de dar a vida eterna, de
libertar do mal. É o poder do amor e da reconciliação.
Na visão noturna Daniel vê aproximar-se “um
filho de homem”: “foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos,
nações e língua o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será
tirado”. São palavras que se tornam compreensíveis e são concretizadas em Jesus
Cristo. Seu reinado não é como os reinos da terra que surgem e caem. O poder de
seu governo se fundamenta na verdade e no amor, por isso pode ser eterno. Nas
parábolas do Reino de Deus contadas por Jesus aparecem estas
características.
O Livro do Apocalipse afirma que nós
participamos da realeza de Cristo. Na aclamação: “A Jesus, que nos ama, que por
seu sangue nos libertou dos pecados e que fez de nós um reino, sacerdotes para
seu Deus e Pai”. Jesus com o seu sacrifício na cruz abriu-se um caminho de
relação profunda com Deus Pai tornando-nos filhos adotivos pelo batismo, participantes
da realeza divina. Portanto, ser discípulos de Jesus significa não se deixar
fascinar pela lógica mundana do poder, mas levar ao mundo a luz da verdade e do
amor de Deus.
Depois o Livro do Apocalipse aponta para a
segunda vinda de Jesus, quando ele voltar para julgar os homens e estabelecer
para sempre o reino divino. Recorda-nos que a conversão é a resposta à graça
divina e é a condição para a instauração desse reino. A todos é dirigido um
vigoroso convite de converter-se sem cessar ao reino de Deus, ao domínio de
Deus, da Verdade, na nossa vida. Quando se reza a oração do “Pai Nosso”, e se
pede “venha a nós o vosso reino” equivale dizer a Jesus: Senhor, fazei que
sejamos vossos, vivei em nós, reuni a humanidade dispersa e atribulada, para
que em Vós tudo se submeta ao Pai do Amor.
Dom Rodolfo Luís Weber - Arcebispo de Passo
Fundo (RS)
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