vencer a fome é semear a paz
Durante a
celebração dos 80 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), o Papa exortou líderes e nações a renovar o compromisso com
a Agenda Fome Zero e com a segurança alimentar global. O Pontífice destacou que
a luta contra a fome “é uma batalha de todos” e advertiu: “os slogans não tiram
ninguém da miséria”.
O Papa Leão XIV
deixou o Vaticano na manhã desta quinta-feira, 16 de outubro, e dirigiu-se à
sede central da FAO, em Roma, para participar da cerimônia do Dia Mundial da
Alimentação, que neste ano coincide com o 80º aniversário da Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A data é celebrada com
o tema “De mãos dadas por uma alimentação e um futuro melhores”.
O coração do
Papa e o chamado à fraternidade universal
Em seu discurso,
o Papa expressou profundo agradecimento pelo convite e recordou que seus
predecessores sempre mantiveram uma relação de estima e proximidade com a FAO,
e declarou que visita esta instituição como arauto e servo do Evangelho,
levando uma mensagem de esperança a todos os povos:
“O coração do Papa, que não pertence a si mesmo, mas à Igreja e, em certo sentido, a toda a humanidade, mantém viva a confiança de que, se vencermos a fome, a paz será o solo fértil do qual nascerá o bem comum de todas as nações.”
Leão XIV afirmou que, oitenta anos após a fundação da FAO, a consciência da humanidade deve novamente se deixar interpelar pelo drama da fome e da desnutrição, lembrando que esse problema não é responsabilidade exclusiva de governos, empresários ou líderes políticos. “Quem padece de fome não é um estranho. É meu irmão, e devo ajudá-lo sem demora”, declarou. Segundo o Papa, “vencer a fome é uma condição essencial para a paz e o desenvolvimento integral das nações”.
Fome: um
escândalo que clama ao céu
Com voz firme e
diante de uma grande assembleia composta de líderes políticos e agentes
sociais, o Pontífice denunciou o escândalo de milhões de pessoas que ainda
sofrem de fome em meio ao progresso tecnológico e científico. “Permitir que
milhões de seres humanos vivam e morram vítimas da fome é um fracasso coletivo,
uma aberração ética, uma culpa histórica.” Leão recordou que 673 milhões de
pessoas no mundo vão dormir sem comer e que outras 2,3 bilhões não têm acesso a
uma alimentação adequada: “Por trás de cada número há uma vida despedaçada, uma
comunidade vulnerável; há mães que não podem alimentar seus filhos”, ressaltou.
O Papa também
denunciou o uso do alimento como arma de guerra, condenando a prática que
impede comunidades inteiras de terem acesso ao sustento. “A fome imposta é um
crime contra a humanidade. O silêncio dos que morrem de fome grita à
consciência de todos, mesmo que muitas vezes seja ignorado ou distorcido.” E
com vigor profético, afirmou:
“A fome não é o destino do homem, mas a sua ruína. É um grito que sobe ao céu e exige resposta rápida de todas as nações, de todos os organismos, de cada pessoa.”
Leão XIV
convidou a humanidade a romper a indiferença e a agir de forma concreta.
“Ninguém pode permanecer à margem dessa luta: é uma batalha de todos.” Segundo
ele, o desperdício de alimentos é um insulto à dignidade humana. “Como podemos
tolerar que toneladas de alimentos sejam jogadas fora, enquanto multidões
buscam nos lixos algo para comer?”, questionou o Pontífice. “O mundo não pode
continuar assistindo a espetáculos tão macabros”, destacou o Santo Padre, é
preciso pôr fim a isso o quanto antes:
“Os responsáveis
políticos e sociais podem continuar polarizados, gastando tempo e recursos em
discussões inúteis e virulentas, enquanto aqueles a quem deveriam servir
continuam esquecidos e usados em nome de interesses partidários? Não podemos
nos limitar a proclamar valores. Devemos incorporá-los. Os slogans não tiram
ninguém da miséria. É urgente superar um paradigma político tão acirrado,
baseando-nos em uma visão ética que prevaleça sobre o pragmatismo vigente, que
substitui a pessoa pelo lucro. Não basta invocar a solidariedade: devemos
garantir a segurança alimentar, o acesso aos recursos e o desenvolvimento rural
sustentável.”
Do slogan à
ação: solidariedade que se torna compromisso
Ao comentar o
tema do Dia Mundial da Alimentação: “De mãos dadas por uma alimentação e um
futuro melhores”, o Papa sublinhou que não basta promover ideais ou slogans: é
preciso transformar palavras em gestos concretos. “Somente unindo as nossas
mãos poderemos construir um futuro digno, onde a segurança alimentar seja
reafirmada como um direito e não um privilégio.”
O Pontífice
destacou também o papel essencial da mulher na luta contra a fome. “As mulheres
são as primeiras a velar pelo pão que falta, a semear esperança nos sulcos da
terra e a amassar o futuro com as mãos calejadas pelo trabalho.” Reconhecer e
valorizar esse papel, disse ele, “não é apenas uma questão de justiça, mas uma
garantia de um modo de vida mais humano e sustentável.”
A omissão nos
torna cúmplices
Por fim, o Papa
defendeu o fortalecimento do multilateralismo e da cooperação entre as nações,
especialmente em favor dos mais pobres. “Os países mais vulneráveis esperam ser
ouvidos sem filtros, ter suas carências compreendidas e receber oportunidades reais,
não soluções impostas de escritórios distantes.” Leão XIV lembrou que as
consequências das injustiças recaem sobre toda a humanidade, e citou os povos
que sofrem em regiões marcadas por guerra e pobreza, como Ucrânia, Gaza, Haiti,
Afeganistão, Mali, República Centro-Africana, Iêmen e Sudão do Sul. “A
comunidade internacional não pode virar o rosto. Devemos assumir a dor deles
como nossa.” O Papa exortou a todos a não se acostumarem à fome como um “ruído
de fundo” do mundo contemporâneo: “Com nossa omissão, tornamo-nos cúmplices da
injustiça.”
Dai-lhes vós
mesmos de comer
Encerrando sua
visita, Leão XIV invocou a bênção de Deus sobre os funcionários da FAO e sobre
todos os que trabalham em favor da segurança alimentar e da justiça social. “A
fome tem muitos nomes e pesa sobre toda a família humana. Todo ser humano tem
fome não apenas de pão, mas também de fé, de esperança e de amor.” E recordando
o Evangelho, concluiu:
“O que Jesus
disse aos seus discípulos diante da multidão faminta permanece um desafio atual
para o mundo: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’. Não se cansem de pedir a Deus
coragem e energia para continuar trabalhando por uma justiça que produza frutos
duradouros e benéficos. Ao prosseguirem seus esforços, vocês sempre poderão
contar com a solidariedade e o empenho da Santa Sé e das instituições da Igreja
Católica, que estão prontas para sair e servir os mais pobres e desfavorecidos
em todo o mundo."
Thulio Fonseca - Vatican News
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