sábado, 18 de outubro de 2025

Reflexão para o seu sábado:

O tema da Oração

Frei Almir Guimarães

Deixa que a respiração profunda de teu ser aconteça. Só isso.
Não interrogues nem busque.
Deixa que seja Deus a procurar-te.
Não caminhes. Deus vem ao teu encontro.
Não procures contemplar.
Permite antes que Deus te contemple.
Não rezes. Deixa que, em silêncio, ele reze o que tu és.

José  Tolentino Mendonça – Um Deus que dança – Paulinas, p. 21

Mais um vez as leituras  bíblicas nos colocam diante do tema da oração. Em português, oração vem de os, oris, que quer dizer boca.  Etimologicamente, oração seriam palavras  produzidas por nossos lábios e dirigidas a Deus.  Não podemos resumir o mistério da oração a um recitar de fórmulas. Sempre será necessário que elas partam fundo de nosso ser. Conhecemos também a palavra prece (pedir). Em outras línguas prière, preghiera, beten, pray.  Sim, mas cuidado para não transformar a oração num peditório ilusório. O Altíssimo não é um depósito de onde tiramos o que nos falta.  A oração é gratuidade.  Necessidade e alegria de estar com  Ele, o Inominável e, ao mesmo  tempo, o Pai que  nos envolve. Mistério de comunhão.

A oração é a tentativa de fazer com que meu ser mais profundo (nosso ser mais profundo) ande à cata de um Mistério que nos envolve e que chamamos de Deus, de Altíssimo, de Amado, de Belo e, no dizer de São Francisco de Assis, “Meu Deus e meu Tudo.  A oração é o extasiar-se de graça diante do Senhor. Pode ser no meio de uma grande assembleia, como no silêncio do quarto. Trata-se de um estar nos achegando a ele de tal forma que ele seja nosso  Amigo de todos os dias.  Tolentino e os que refletem  sobre o tema dizem que é Deus que nos procura.  Ele é que anda atrás de nós.

Oração, orar, rezar?  Não podemos forçar.  Há o desejo.  Sem desejo não se busca o Senhor.  Há essa convicção de que viemos dele, do Mistério, e que nosso coração tende para ele.  Agostinho de Hipona: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro e eu fora, E aí te procurava e lançava-me nada belo ante a beleza que tu criaste.  Estavas comigo e eu não contigo. Seguravam-se longe de ti as coisas  que não existiriam, se não existissem em ti.  Chamaste, clamaste e rompeste minha surdez, brilhaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira.  Exalaste perfume e respirei. Agora anelo por ti. Provei-te e tenho fome e sede. Tocaste-me e ardi por tua paz”.

O coração é o lugar mais íntimo de cada pessoa. É lá que começa e se  desenvolve a oração.  O coração é a raiz de nosso ser, a sede da liberdade.  Não se reza com a inteligência, nem com a memória nem com a sensibilidade. Reza-se com o coração. Reza aquele que desperta o coração quando esse parece adormecido.  Muitas vezes vivemos na periferia de nosso ser. Rezar com o coração é rezar com o melhor que nós temos.

A oração é o grito de um pobre dizendo ou sentindo que precisa da força, do olhar dele.  É um lançar-se no Mistério.  É a decisão de estar com ele na nudez de nossa vida, de graça, com reconhecimento, com o desejo de caminhar sempre num movimento de entrega irrestrita, de um “companheirismo” um tanto desigual, na realidade uma amorosa proximidade.  Caminhar carinhosamente com o Senhor.

Estar com… por isso a oração exige silêncio.  Silêncio externo, mas sobretudo aquietação das coisas loucas e agitadas dentro de nós. Silêncio de nossos desejos atropelados para ouvir aquilo que nos dá alento para viver.  Procurar espaços de calma, como o quarto, um canto de jardim, sentar-se à luz tênue de uma capela.  Silêncio de muitos loucos desejos, de tantos pequenos projetos.  “Aqui estou, Senhor, estou contigo.  Preciso entender a linguagem de tua presença”.

Caminhar na presença do Senhor com os ouvidos do coração bem abertos, a partir do silêncio de nós mesmos.  Anselm Grün, falando  da vida dos monges  assim se exprime:  “Os monges não se calam por causa de um princípio  abstrato,  nem para se colocarem artificialmente em um certo  estado de ânimo,  nem ainda para demonstrar a si próprio uma  realização ascética.  Eles se calam porque experimentam a Deus e não querem, falando, destruir esta experiência” (As exigências do silêncio,  Vozes p. 71). 

Pode ser que manifestemos uma espécie de convicção de que rezamos para obter bens e coisas.  Estamos muito acostumados ao sucesso, êxito,  produção.  Ora, a oração pertence a mundo do inútil, do gratuito. “De alguma maneira é certo que a oração é “algo inútil”, e não serve para conseguir tantas coisas atrás das coisas das quais andamos a cada dia.  Como é inútil o prazer da amizade, a ternura dos esposos, a paixão dos jovens, o sorriso dos filhos, o desabafo  com uma pessoa de confiança, o descanso na intimidade do lar, o desfrute de uma  festa, a paz do entardecer…  Como medir a “eficácia” de tudo isto que, no entanto,  constitui o alento que sustenta o nosso viver? Seria um equívoco pensar que a nossa oração só é eficaz quando conseguimos o que pedimos a Deus.  A oração  cristã é “eficaz”  porque nos faz viver com fé e confiança no Pai e em atitude solidária com os irmãos.”  (Pagola, Lucas, p.  297).

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Texto  para meditação

A  oração cristã não é uma viagem ao fundo de si mesmo.  Não é  um movimento introspectivo.  Não é uma diagnose de nossos pensamentos e moções externas ou íntimas.  A oração cristã é ser e estar diante de Deus, colocar-se por inteiro e continuamente diante sua presença  com uma atenção vigilante àquele que nos convida a um diálogo sem cesuras. Não é oferecer a Deus alguns pensamentos mas entregar-lhe todos os pensamentos, tudo o que somos e experimentamos.  A oração é uma conversão  de atitude, porque a verdadeira oração cristã de centra-nos de nós mesmos  –  das nossas preocupações e afanos,  de nossos desejos egóticos e pouco purificados.  – e orienta-nos para Deus, de modo que tudo o que passamos a desejar é a vontade de Deus, o dom de seu olhar, que, como dizia  Santo Agostinho,  “ é mais íntimo a nós do que nós mesmos”. (José Tolentino Mendonça - O tesouro escondido, Paulinas, p. 72)

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Oração

Tu nos dás teu amor,
ensina-nos a amar-te com todo o coração.
Teu amor é fonte de vida,
ensina-nos a amar-te com toda a alma.
Teu amor é fonte de luz,
ensina-nos a amar-te com toda a mente.
Teu amor é nossa fortaleza,
ensina-nos a amar com todas as forças.

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FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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