segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Reflexão interessante e oportuna:

A Palavra de Deus precede e excede as Escrituras

Motivadas pela memória de São Jerônimo (30/09), as comunidades católicas acabam de celebrar o mês da Bíblia (as comunidades evangélicas celebrarão o dia da Bíblia em dezembro). Jerônimo nasceu em 347, na atual Croácia, e dedicou sua vida ao estudo das Sagradas Escrituras. É dele a tradução dos textos do hebraico e do grego para o latim popular. Ele é o patrono dos estudiosos bíblicos, arqueólogos, bibliotecários e tradutores. 

Nos primeiros séculos do cristianismo, as comunidades cristãs se guiavam basicamente pela Palavra de Deus. A Bíblia e Tradição andavam de mãos dadas. São Jerônimo insistia a um amigo: “Lê com frequência e aprende o melhor que possas. Que o sono te encontre com o livro nas mãos e a página sagrada acolha o teu rosto vencido pelo sono”. Ele não cansava de dizer que ignorar as escrituras seria o mesmo que ignorar Jesus Cristo. 

No século XIII, o movimento dos Cátaros começou a interpretar alguns livros da Bíblia de modo polêmico, o que levou o Concílio de Toulouse (1229) a proibir o uso de traduções vernáculas. Jonh Wyclife (1320-1384) afirmava que somente a tradução inglesa da Bíblia era regra de fé. O movimento dos Valdenses interpretava as escrituras numa perspectiva subjetiva. E o movimento luterano estabeleceu a autoridade absoluta a Bíblia.  

O Concílio de Trento reagiu confirmando a autenticidade da tradução católica da Bíblia, rejeitando a livre interpretação, estimulando os estudos bíblicos e incluindo novos livros no cânon católico (Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico e Macabeus). Mas declarou também que somente os bispos e inquisidores poderiam autorizar a leitura da Bíblia nas línguas modernas. E a Bíblia perdeu sua influência salutar sobre a vida cristã. 

Livre das tensões com o protestantismo, com o jansenismo e com algumas heresias, o século XX trouxe significativas mudanças em relação ao uso da Bíblia pelos católicos. Pio X (1903-1914) sugere o uso constante da Sagrada Escritura na liturgia. Bento XV, em 1920, recomenda aos fiéis a leitura diária dos evangelhos. Em 1940, Pio XII recomenda a difusão da Bíblia entre os fiéis, nas línguas vernáculas autorizadas.  

Graças a Deus, há meio século atrás, o Concílio Vaticano II (1962-1965) ‘democratizou’ o acesso à Palavra de Deus aos fiéis católicos pedindo que os pastores facilitem seu acesso a todo o povo de Deus e se coloquem a serviço dela. Nela e por ela, o próprio Deus estabelece um diálogo vivo conosco e nos constitui como povo da Aliança, peregrino do seu Reino. Assim, a Palavra de Deus é o fundamento, a base e o coração da espiritualidade. 

É importante lembrar que a Bíblia não se identifica simplesmente com a Palavra de Deus. A Palavra de Deus desborda o livro, embora nele se expresse de modo importante. Temos também a tradição viva da Igreja e os sinais dos tempos. A Palavra de Deus precede e excede as Sagradas Escrituras. Nenhum discípulo missionário pode esquecer disso. 

Cabe-nos crescer na familiaridade com a Palavra de Deus, entrar nela, identificar-nos com ela, como o fizeram Jesus e Maria de Nazaré: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra”, diz Maria (Lc 1,38). “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obra” (Jo 4,34), declara Jesus. É daqui que brota nossa missão. 

Dom Itacir Brassiani - Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)

___________________________________________________________________________
                                                            Fonte: cnbb.org.br      Imagem: vaticanews.va

Nenhum comentário:

Postar um comentário