A ditadura da moda
Andar na
moda, adquirindo e consumindo os últimos lançamentos do mercado, torna-se
frequentemente o sentido da vida para muitos. A moda não se reduz ao modo de se
vestir, embora nele se expresse com particular intensidade. Abrange produtos,
costumes e gostos que tendem a se impor e a se padronizar com os modernos
recursos de marketing no mundo globalizado. A moda pode se tornar uma espécie
de poder que controla e manipula a vida das pessoas e exclui os que não se
submetem aos seus padrões. Por isso, muitos já se referiram a uma espécie de
“ditadura da moda”, com suas várias facetas.
Cardeal Sergio da Rocha |
O modo de
vestir-se e de calçar, de comer e beber, de divertir-se, de decidir qual filme
assistir ou qual música ouvir, é facilmente marcado pela última moda. As
“modas” passam porque não são capazes de saciar a sede de sentido para a vida e
de verdadeira felicidade. A equação entre consumir e ser feliz tem alimentado o
consumismo, que na prática se revela incapaz de assegurar a felicidade
prometida pela aquisição e consumo de bens. É natural que aqueles que vivem em
sociedade compartilhem ideias e costumes do próprio contexto histórico e
cultural, o que é um fator importante de identidade. Contudo, quando a moda se
impõe, especialmente, aliada ao consumo desenfreado, as pessoas acabam perdendo
suas notas essenciais, a própria identidade, a liberdade, a capacidade de
pensar e discernir criticamente. Arrasta consigo o atrofiamento da
singularidade da pessoa humana, obscurecendo o que faz dela “imagem e
semelhança” de Deus.
Os modismos
favorecem a despersonalização, a perda ou fragmentação da identidade. Um dos
aspectos mais fortes da ditadura da moda é a ditadura da beleza ou do corpo
perfeito, concebido segundo um padrão estético ideal, objeto de intenso
marketing. Tal padrão tem tornado infeliz muita gente que não consegue
alcançá-lo, especialmente, adolescentes e jovens que dele se distanciam e, por
isso, chegam a entrar em crise, mas até mesmo pessoas idosas que não se dispõem
a assumir serenamente as marcas do tempo. O modo como alguém vê a si próprio
tem consequências enormes na própria vida. Há quem se avalia e dirige os seus
passos unicamente em função do que os outros pensam e dizem a seu respeito,
principalmente, sobre a sua aparência física e não a partir de uma justa visão
de si mesmo. A ditadura da moda se revela fortemente como ditadura da beleza
corporal ideal. O justo cuidado com a aparência pode ser um fator de autoestima
e bem-estar psicológico. O excesso no cuidado estético tende a produzir pessoas
infelizes, com baixa estima de si.
É importante,
hoje, resgatar a simplicidade de viver e o cultivo da beleza que permanece e se
fortalece com o passar da idade, deixando-se conduzir por Deus, aquele que
permanece enquanto a moda passa.
Cardeal Sergio da Rocha - Arcebispo de Salvador (BA)
*Artigo
publicado no jornal A Tarde, em 30 de janeiro de 2022.
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