Fome de pão: não!
Quando esteve no Brasil (1980) o Papa João
Paulo II, em Fortaleza, viu em meio à multidão um cartaz com os dizeres: “Santo
padre: o povo passa fome”. Ele não se conteve e exclamou: “Fome de Deus sim,
fome de pão não”. O papa expressou o projeto de Deus para a humanidade, que é
buscar a Deus para amá-lo e conviver como irmãos, na partilha do pão e do
coração: Fraternidade universal.
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Dom Pedro Cipollini |
Tivemos por um tempo, a impressão
superficial que o flagelo da fome, com o desenvolvimento tecnológico, teria
sido erradicado do planeta. Mas não foi nem tem sido assim. Ao mesmo tempo em
que vivemos uma era de alta tecnologia e desenvolvimento na produção de
alimentos, aumenta a fome no mundo. Uma verdadeira praga que cresce mesmo em
nosso meio, para nossa vergonha, visto ser o Brasil um grande produtor de
alimentos.
Alguns atribuíam a fome ao crescimento
acelerado da população mundial, algo suspeito hoje, com o decréscimo da
população. Outros acham que sempre foi assim e será, nada se pode fazer, pois
Napoleão Bonaparte já dizia que: “A fome governa o mundo”.
Por que isto acontece? Porque cresceu o
progresso mas junto a ele cresceu também o egoísmo, a sede de acumular bens, a
sede do lucro a qualquer custo e o desperdício. Nem falemos da contaminação dos
alimentos que são comercializados, mas da fome que bate à porta das famílias
brasileiras neste momento.
As campanhas mundiais contra a fome, não
foram suficientes para debelá-la. Lembro aqui do Betinho, um brasileiro que se
empenhou na luta contra a fome, com generosidade. Lembro do Arcebispo Dom
Helder Câmara, perseguido pela ditadura militar na década de 70, que dizia: “Se
dou pão aos famintos me chamam de santo. Se aponto as causas da fome, me chama
de comunista”. Mais contundente ainda ele dizia: “Se eu tenho fome, é um
problema material meu, se meu irmão tem fome, é um problema espiritual
meu”.
Ele tinha razão, porque no julgamento
final, conforme o Evangelho, o juiz dirá: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide
para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos; pois tive fome e não
me deste de comer…”(Mt 25, 41-42). E Jesus, que multiplicou os pães para saciar
a fome material da multidão, que deixou o sacramento da Eucaristia onde o pão
se torna seu corpo, para saciar a fome espiritual da humanidade; Ele que era
manso e humilde de coração, deixou uma maldição aos que causam a fome no mundo:
“Ai de vós que agora estais fartos, pois passareis fome” (Lc 6,25).
No Brasil se criou o programa “Fome Zero”
que era um projeto pluripartidário que foi substituído pelo “Bolsa Família”.
Mas a corrupção e a incompetência não deixam avançar. Nenhum governo consegue
acabar com a fome no Brasil, porque não acaba com as causas da fome. Enfim, o
Brasil, voltou ao Mapa da Fome em 2018. Em 2020 registrou a metade da população
convivendo com a insegurança alimentar. “Um quarto da população está passando
fome no Brasil” (Walter Belik – Folha S. Paulo, 24/01/22).
A generosidade de nosso povo, solidário e
afeito a partilhar os alimentos não é suficiente para mudar a situação. Para
males estruturais se requer medidas estruturais. Para isso é que existe o
Estado e seu aparato institucional, jurídico e político.
Entre nós ocorre o que dizia Benjamim
Franklin: “onde há fome não há respeito à lei; e onde não há respeito à lei, há
fome”. Isto precisa mudar.
Dom Pedro Cipollini - Bispo de Santo André
(SP)
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