toda a comunidade eclesial é chamada a ser missionária
Em entrevista à Rádio Vaticano - Vatican
News, o arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Pedro Scherer, fala-nos sobre o
Dia Mundial das Missões, celebrado este domingo, 24 de outubro. Tecendo-nos
suas considerações sobre este mês missionário, diz-nos que todo o corpo
eclesial, toda a comunidade eclesial é chamada a ser missionária e lembra-nos que
este Dia Mundial das Missões é celebrado também com o gesto concreto da coleta
missionária em apoio ao trabalho dos missionários.
A Igreja católica celebra em outubro o mês
missionário, e este domingo, 24 de outubro, o Dia Mundial das Missões. O tema
que o Papa Francisco escolheu este ano, extraído dos Atos dos Apóstolos, é:
"Não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos" (At 4 20). De
fato, em sua Mensagem para o Dia Mundial das Missões, o Santo Padre
diz: "Quando experimentamos a força do amor de Deus, quando reconhecemos a
sua presença de Pai na nossa vida pessoal e comunitária, não podemos deixar de
anunciar e partilhar o que vimos e ouvimos. A relação de Jesus com os seus
discípulos, a sua humanidade que nos é revelada no mistério da Encarnação, no
seu Evangelho e na sua Páscoa mostram-nos até que ponto Deus ama a nossa
humanidade e assume as nossas alegrias e sofrimentos, os nossos anseios e
angústias."
Em entrevista concedida à Rádio Vaticano –
Vatican News, o arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Pedro Scherer, fala-nos,
entre outras coisas, que o mês de outubro nos chama a renovar a nossa
consciência missionária e que todo esse caminhar da Igreja nos últimos tempos é
um chamado a uma conversão missionária.
O arcebispo de São Paulo nos lembra que
este domingo temos a Jornada Missionária Mundial com o gesto concreto também da
coleta missionária em apoio ao trabalho dos missionários.
Raimundo de Lima
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Queridos irmãos e irmãs!
Quando experimentamos a força do amor de Deus, quando
reconhecemos a sua presença de Pai na nossa vida pessoal e comunitária, não
podemos deixar de anunciar e partilhar o que vimos e ouvimos. A relação de
Jesus com os seus discípulos, a sua humanidade que nos é revelada no mistério
da Encarnação, no seu Evangelho e na sua Páscoa mostram-nos até que ponto Deus
ama a nossa humanidade e assume as nossas alegrias e sofrimentos, os nossos
anseios e angústias (cf. Conc. Ecum. Vat II, Const. past. Gaudium
et spes, 22). Tudo, em Cristo, nos lembra que o mundo em que vivemos e a
sua necessidade de redenção não Lhe são estranhos e também nos chama a
sentirmo-nos parte ativa desta missão: «Ide às saídas dos caminhos e convidai
todos quantos encontrardes» (cf. Mt 22, 9). Ninguém é estranho,
ninguém pode sentir-se estranho ou afastado deste amor de compaixão.
A experiência dos Apóstolos
A história da evangelização tem início com uma busca
apaixonada do Senhor, que chama e quer estabelecer com cada pessoa, onde quer
que esteja, um diálogo de amizade (cf. Jo 15, 12-17). Os Apóstolos
são os primeiros que nos referem isso, lembrando inclusive a hora do dia em que
O encontraram: «Eram as quatro da tarde» (Jo 1, 39). A amizade com o
Senhor, vê-Lo curar os doentes, comer com os pecadores, alimentar os famintos,
aproximar-Se dos excluídos, tocar os impuros, identificar-Se com os
necessitados, fazer apelo às bem-aventuranças, ensinar de maneira nova e cheia
de autoridade, deixa uma marca indelével, capaz de suscitar admiração e uma
alegria expansiva e gratuita que não se pode conter. Como dizia o profeta
Jeremias, esta experiência é o fogo ardente da sua presença ativa no nosso
coração que nos impele à missão, mesmo que às vezes implique sacrifícios e
incompreensões (cf. 20, 7-9). O amor está sempre em movimento e põe-nos em
movimento, para partilhar o anúncio mais belo e promissor: «Encontramos o Messias»
(Jo 1, 41).
Com Jesus, vimos, ouvimos e constatamos que as coisas podem
mudar. Ele inaugurou – já para os dias de hoje – os tempos futuros,
recordando-nos uma caraterística essencial do nosso ser humano, tantas vezes
esquecida: «fomos criados para a plenitude, que só se alcança no amor»
(Francisco, Carta enc. Fratelli
tutti, 68). Tempos novos, que suscitam uma fé capaz de estimular
iniciativas e plasmar comunidades a partir de homens e mulheres que aprendem a
ocupar-se da fragilidade própria e dos outros (cf. ibid., 67), promovendo
a fraternidade e a amizade social. A comunidade eclesial mostra a sua beleza,
sempre que se lembra, com gratidão, que o Senhor nos amou primeiro (cf. 1
Jo 4, 19). Esta «predileção amorosa do Senhor surpreende-nos e gera
maravilha; esta, por sua natureza, não pode ser possuída nem imposta por nós.
(…) Só assim pode florir o milagre da gratuidade, do dom gratuito de si mesmo.
O próprio ardor missionário nunca se pode obter em consequência dum raciocínio
ou dum cálculo. Colocar-se “em estado de missão” é um reflexo da gratidão»
(Francisco, Mensagem
às Pontifícias Obras Missionárias, 21 de maio de 2020).
E, no entanto, os tempos não eram fáceis; os primeiros
cristãos começaram a sua vida de fé num ambiente hostil e árduo. Histórias de
marginalização e prisão entrelaçavam-se com resistências internas e externas,
que pareciam contradizer e até negar o que tinham visto e ouvido; mas
isso, em vez de ser uma dificuldade ou um obstáculo que poderia levá-los a retrair-se
ou fechar-se em si mesmos, impeliu-os a transformar cada incómodo,
contrariedade e dificuldade em oportunidade para a missão. Os próprios limites
e impedimentos tornaram-se um lugar privilegiado para ungir, tudo e todos, com
o Espírito do Senhor. Nada e ninguém podia permanecer alheio ao anúncio
libertador.
Possuímos o testemunho vivo de tudo isto nos Atos dos
Apóstolos, livro que os discípulos missionários sempre têm à mão. É o livro que
mostra como o perfume do Evangelho se difundiu à passagem deles, suscitando
aquela alegria que só o Espírito nos pode dar. O livro dos Atos dos Apóstolos
ensina-nos a viver as provações unindo-nos a Cristo, para maturar a «convicção
de que Deus pode atuar em qualquer circunstância, mesmo no meio de aparentes fracassos»,
e a certeza de que «a pessoa que se oferece e entrega a Deus por amor,
seguramente será fecunda (cf. Jo 15, 5)» (Francisco, Exort.
ap. Evangelii
gaudium, 279).
O mesmo se passa connosco: o momento histórico atual também
não é fácil. A situação da pandemia evidenciou e aumentou o sofrimento, a
solidão, a pobreza e as injustiças de que já tantos padeciam, e desmascarou as
nossas falsas seguranças e as fragmentações e polarizações que nos dilaceram
silenciosamente. Os mais frágeis e vulneráveis sentiram ainda mais a sua
vulnerabilidade e fragilidade. Experimentamos o desânimo, a deceção, o cansaço;
e até a amargura conformista, que tira a esperança, se apoderou do nosso olhar.
Nós, porém, «não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nos
consideramos vossos servos por amor de Jesus» (2 Cor 4, 5). Por isso
ouvimos ressoar nas nossas comunidades e famílias a Palavra de vida que ecoa
nos nossos corações dizendo: «Não está aqui; ressuscitou» (Lc 24, 6); uma
Palavra de esperança, que desfaz qualquer determinismo e, a quantos se deixam
tocar por ela, dá a liberdade e a audácia necessárias para se levantar e
procurar, criativamente, todas as formas possíveis de viver a compaixão,
«sacramental» da proximidade de Deus para connosco que não abandona ninguém na
beira da estrada. Neste tempo de pandemia, perante a tentação de mascarar e
justificar a indiferença e a apatia em nome dum sadio distanciamento social, é
urgente a missão da compaixão, capaz de fazer da distância necessária um
lugar de encontro, cuidado e promoção. «O que vimos e ouvimos» (At 4, 20),
a misericórdia com que fomos tratados, transforma-se no ponto de referimento e
credibilidade que nos permite recuperar e partilhar a paixão por criar «uma
comunidade de pertença e solidariedade, à qual saibamos destinar tempo, esforço
e bens» (Francisco, Carta enc. Fratelli
tutti, 36). É a sua Palavra que diariamente nos redime e salva das
desculpas que levam a fechar-nos no mais vil dos ceticismos: «Tanto faz; nada
mudará!» Pois, à pergunta «para que hei de privar-me das minhas seguranças,
comodidades e prazeres, se não vou ver qualquer resultado importante», a
resposta é sempre a mesma: «Jesus Cristo triunfou sobre o pecado e a morte e
possui todo o poder. Jesus Cristo vive verdadeiramente» (Francisco, Exort.
ap. Evangelii
gaudium, 275) e, também a nós, nos quer vivos, fraternos e capazes de
acolher e partilhar esta esperança. No contexto atual, há urgente necessidade
de missionários de esperança que, ungidos pelo Senhor, sejam capazes de lembrar
profeticamente que ninguém se salva sozinho.
Como os apóstolos e os primeiros cristãos, também nós
exclamamos com todas as nossas forças: «não podemos deixar de afirmar o que
vimos e ouvimos» (At 4, 20). Tudo o que recebemos, tudo aquilo que o
Senhor nos tem concedido, ofereceu-no-lo para o pormos a render doando-o
gratuitamente aos outros. Como os apóstolos que viram, ouviram e tocaram a
salvação de Jesus (cf. 1 Jo 1, 1-4), também nós, hoje, podemos tocar
a carne sofredora e gloriosa de Cristo na história de cada dia e encontrar
coragem para partilhar com todos um destino de esperança, esse traço
indubitável que provém de saber que estamos acompanhados pelo Senhor. Como
cristãos, não podemos reservar o Senhor para nós mesmos: a missão
evangelizadora da Igreja exprime a sua valência integral e pública na
transformação do mundo e na salvaguarda da criação.
Um convite a cada um de nós
O tema do Dia Mundial das Missões deste ano – «não podemos
deixar de afirmar o que vimos e ouvimos» (At 4, 20) – é um convite
dirigido a cada um de nós para cuidar e dar a conhecer aquilo que tem no
coração. Esta missão é, e sempre foi, a identidade da Igreja: «ela existe para
evangelizar» (São Paulo VI, Exort. ap. Evangelii
nuntiandi, 14). No isolamento pessoal ou fechando-se em pequenos grupos, a
nossa vida de fé esmorece, perde profecia e capacidade de encanto e gratidão;
por sua própria dinâmica, exige uma abertura crescente, capaz de alcançar e
abraçar a todos. Atraídos pelo Senhor e a vida nova que oferecia, os primeiros
cristãos, em vez de cederem à tentação de se fechar numa elite, foram ao
encontro dos povos para testemunhar o que viram e ouviram: o Reino de Deus está
próximo. Fizeram-no com a generosidade, gratidão e nobreza próprias das pessoas
que semeiam, sabendo que outros comerão o fruto da sua dedicação e sacrifício.
Por isso apraz-me pensar que «mesmo os mais frágeis, limitados e feridos podem
[ser missionários] à sua maneira, porque sempre devemos permitir que o bem seja
comunicado, embora coexista com muitas fragilidades» (Francisco, Exort.
ap. pós-sinodal Christus
vivit, 239).
No Dia Mundial das Missões que se celebra anualmente no
penúltimo domingo de outubro, recordamos com gratidão todas as pessoas, cujo
testemunho de vida nos ajuda a renovar o nosso compromisso batismal de ser
apóstolos generosos e jubilosos do Evangelho. Lembramos especialmente aqueles
que foram capazes de partir, deixar terra e família para que o Evangelho
pudesse atingir sem demora e sem medo aqueles ângulos de aldeias e cidades onde
tantas vidas estão sedentas de bênção.
Contemplar o seu testemunho missionário impele-nos a ser
corajosos e a pedir, com insistência, «ao dono da messe que mande trabalhadores
para a sua messe» (Lc 10, 2), cientes de que a vocação para a missão não é
algo do passado nem uma recordação romântica de outrora. Hoje, Jesus precisa de
corações que sejam capazes de viver a vocação como uma verdadeira história de
amor, que os faça sair para as periferias do mundo e tornar-se mensageiros e
instrumentos de compaixão. E esta chamada, fá-la a todos nós, embora não da
mesma forma. Lembremo-nos que existem periferias que estão perto de nós, no
centro duma cidade ou na própria família. Há também um aspeto da abertura
universal do amor que não é geográfico, mas existencial. Sempre, mas
especialmente nestes tempos de pandemia, é importante aumentar a capacidade
diária de alargar os nossos círculos, chegar àqueles que, espontaneamente, não
sentiria como parte do «meu mundo de interesses», embora estejam perto de nós
(cf. Francisco, Carta enc. Fratelli
tutti, 97). Viver a missão é aventurar-se no cultivo dos mesmos sentimentos
de Cristo Jesus e, com Ele, acreditar que a pessoa ao meu lado é também meu
irmão, minha irmã. Que o seu amor de compaixão desperte também o nosso e, a
todos, nos torne discípulos missionários.
Maria, a primeira discípula missionária, faça crescer em
todos os batizados o desejo de ser sal e luz nas nossas terras (cf. Mt 5,
13-14).
Roma, em São João de Latrão, na Solenidade da Epifania do
Senhor, 6 de janeiro de 2021.
Francisco
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