No Domingo da Palavra de Deus, a homilia do
Papa foi repleta de questionamentos sobre a Igreja que somos e que queremos
ser. E fez um apelo: "Apaixonemo-nos pela Sagrada Escritura", que nos
leva a Deus e aos outros. Durante a celebração, Francisco instituiu leitores e
catequistas.
Ouvir, rezar e colocar em prática as
Sagradas Escrituras: é o que nos pede o Papa Francisco neste Domingo da Palavra
de Deus.
Para a ocasião, o Pontífice presidiu à celebração eucarística na Basílica de São Pedro, em que pela primeira vez foram instituídos leitores e catequistas, entre eles dois brasileiros: Regina de Sousa Silva e Wanderson Saavedra Correia, ambos da Diocese de Luziânia, no Estado de Goiás.
Regina de Sousa Silva (no centro) e Wanderson Saavedra Correia (à direita) |
No centro da nossa vida está Deus e sua
Palavra
Em sua homilia, o Pontífice comentou a
primeira Leitura e o Evangelho deste III Domingo do Tempo Comum, que têm como
protagonista a Sagrada Escritura. Primeiro, o sacerdote Esdras coloca em lugar
elevado o livro da lei de Deus, abre-o e proclama-o diante de todo o povo.
Depois, Jesus lê na frente de todos uma passagem do profeta Isaías.
“Estas duas cenas comunicam-nos uma
realidade fundamental: no centro da vida do povo santo de Deus e do caminho da
fé, não estamos nós com as nossas palavras; no centro, está Deus com a sua
Palavra”, observou o Papa.
A Palavra consola
Jesus encerra a leitura com algo inédito:
"Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura" (Lc 4, 21).
A Palavra de Deus já não é uma promessa,
explicou o Papa, mas se realizou. Em Jesus, fez-Se carne. Mantendo os olhos
fixos em Cristo, Francisco convidou os fiéis a meditar sobre dois
aspectos: a Palavra desvenda Deus e a Palavra leva-nos ao homem.
Isto é, ao mesmo tempo consola e provoca.
A Palavra nos consola porque Jesus desvenda
o verdadeiro rosto de Deus, que veio para libertar os pobres e oprimidos. Deus
é misericórdia, é pai e não patrão, não é neutro nem indiferente, mas se
compromete com a nossa dor, “sempre está presente ali”. “Está próximo e quer
cuidar de nós. Esta é a sua característica: proximidade.”
O Papa então convida os fiéis a se interrogarem:
trazemos no coração esta imagem libertadora de Deus, compassivo e terno ou O
imaginamos como um juiz rigoroso, um rígido guarda alfandegário da nossa vida?
Ou ainda: Qual é o rosto de Deus que anunciamos na Igreja: o Salvador que
liberta e cura, ou o Temível que esmaga avivando os sentimentos de culpa?
Para nos convertermos ao verdadeiro Deus,
Jesus indica por onde começar: pela Palavra. Esta nos liberta dos medos e
preconceitos sobre Ele, derruba os ídolos falsos e no traz de volta ao seu
rosto verdadeiro, à sua misericórdia.
“A Palavra de Deus alimenta e renova a fé:
voltemos a colocá-la no centro da oração e da vida espiritual!”
A Palavra provoca
A Palavra, acrescentou Francisco, nos
impele a sair de nós mesmos caminhando ao encontro dos irmãos, como revela
Jesus na sinagoga de Nazaré: Ele é enviado para ir ao encontro dos pobres (que
somos todos nós!) e libertá-los. Jesus revela ainda o culto mais agradável a
Deus: cuidar do próximo. "Devemos voltar a isso. No momento, há na Igreja
as tentações da rigidez, que é uma perversão. Acredita-se que encontrar Deus é
se tornar mais rígido, com mais normas... Não é assim. Quando vemos propostas
rígidas, de rigidez, pensemos logo: este é um ídolo, não é Deus. O nosso Deus
não é assim."
“Irmãs e irmãos, a Palavra de Deus nos
transforma, não a rigidez: esta nos esconde. E a Palavra de Deus nos transforma
penetrando na alma como uma espada.”
Se por um lado consola, por outro
provoca. Pois não podemos viver tranquilos quando o preço a pagar por esta
tranquilidade é um mundo dilacerado pela injustiça. Francisco citou a condição
de milhares de migrantes, rejeitados nas fronteiras inclusive por quem faz
política “em nome de Deus”. “Não há nada a fazer” ou “que posso fazer eu?” não
são mais justificativas. Exige que não sejamos indiferentes, mas diligentes,
criativos, proféticos.
A Sagrada Escritura, disse ainda o Papa,
não foi dada para nos entreter, mas para sair ao encontro dos outros e
debruçar-nos sobre as suas feridas.
“A Palavra que Se fez carne quer tornar-Se
carne em nós.” E o quer no tempo que vivemos, não num futuro ideal. Francisco
propôs então mais um questionamento: queremos imitar Jesus, tornando-nos
ministros de libertação e consolação para os outros?
Vamos nos apaixonar pela Sagrada Escritura
Por fim, um pensamento aos leitores e
catequistas que foram instituídos nesta celebração, chamados à tarefa de servir
o Evangelho, anunciá-lo para que a sua consolação chegue a todos.
Esta, aliás, é também a missão de cada um
de nós: ser arautos críveis, profetas da Palavra no mundo.
“Por isso, apaixonemo-nos pela Sagrada
Escritura, deixemo-nos interpelar profundamente pela Palavra, que desvenda a
novidade de Deus e leva-nos a amar incansavelmente os outros. Voltemos a colocar
a Palavra de Deus no centro da pastoral e da vida da Igreja! Vamos ouvi-la,
rezá-la e colocá-la em prática.”
Bianca Fraccalvieri
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Assista:
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Papa no Angelus:
A homilia deve despertar e não adormecer a
alma
No Domingo da Palavra de Deus, Francisco da
importância do "hoje" de Deus e se dirigiu de modo especial aos
pregadores, que devem apresentar o Evangelho sem moralismos e conceitos abstratos.
O Angelus deste domingo ensolarado e frio
em Roma foi marcado por uma proposta do Papa Francisco: ler todos os dias um
pequeno trecho do Evangelho de Lucas.
Aos milhares de fiéis reunidos na Praça São
Pedro, o Pontífice comentou o Evangelho da Liturgia de hoje, quando Jesus
inaugura a sua pregação.
O "hoje" de Deus
Ele vai até Nazaré, onde cresceu, e
participa da oração na sinagoga, lendo um trecho do livro do profeta Isaías. E
Jesus assim começa: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura”.
O Papa concentrou sua reflexão sobre a
palavra hoje, que indica todas as épocas e permanece sempre válido. A
profecia de Isaías remontava a séculos antes, mas Jesus "com a potência do
Espírito" a torna atual e, sobretudo, a leva a termo.
Os conterrâneos de Jesus ficaram
impressionados com a sua palavra, intuem que Nele há “algo a mais”, que é
a unção do Espírito Santo.
“Às vezes, acontece que as nossas pregações
e os nossos ensinamentos permaneçam genéricos, abstratos, não tocam a alma e a
vida das pessoas. Por quê? Porque não tem a força deste hoje, aquele que
Jesus “preenche de sentido” com a potência do Espírito.”
As homilias: momentos para despertar, não
adormecer
A pregação corre este risco: “Às vezes, as
homilias adormecem a alma ao invés de despertá-la”, constatou o Papa, com os
fiéis que começam a olhar o relógio. Sem a unção do Espírito, acrescentou
Francisco, empobrece a Palavra de Deus, escorrega no moralismo e em conceitos
abstratos; apresenta o Evangelho como distante, como se estivesse fora do
tempo, longe da realidade.
“Mas uma palavra em que não pulsa a
força do hoje não é digna de Jesus e não ajuda a vida das pessoas. Por
isso, quem prega é o primeiro que deve experimentar o hoje de Jesus, de modo
que possa comunica-lo no hoje dos outros.”
Uma proposta: a leitura diária do Evangelho
de Lucas
Neste Domingo da Palavra de Deus, o Papa
fez um agradecimento a todos os pregadores e os anunciadores do Evangelho,
fazendo os votos de que vivam o hoje de Jesus.
“Lembremo-nos: a Palavra transforma um dia
qualquer no hoje em que Deus nos fala”, disse ainda Francisco,
convidando a ler diariamente o Evangelho, pois assim descobrimos que as
palavras ali contidas foram feitas propositadamente para nós. E o Papa fez
então uma proposta:
“Nos domingos deste ano litúrgico é
proclamado o Evangelho de Lucas, o Evangelho da misericórdia. Por que não
lê-lo, mesmo individualmente, um pequeno trecho todos os dias? Vamos nos
familiarizar com o Evangelho, nos trará a novidade e a alegria de Deus!”
É a Palavra também que guiará o percurso
sinodal que a Igreja há pouco empreendeu, disse Francisco, dando ressalto à
palavra "discernimento". Que Nossa Senhora, concluiu, nos obtenha a
constância para nos nutrir todos os dias do Evangelho.
Bianca Fraccalvieri
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