“irmã morte é fonte de vida eterna”
“Olhar a vida do
ponto de observação da morte dá uma ajuda extraordinária para viver bem”,
sugere Frei Cantalamessa na primeira pregação do Advento, nesta sexta-feira
(04/12) com a presença do Papa Francisco na Sala Paulo VI.
Jane Nogara –
Vatican News - Nesta primeira sexta-feira do Advento (04/12), iniciaram as
meditações do pregador da Casa Pontifícia Raniero Cantalamessa, criado cardeal
pelo Papa Francisco no Consistório de 28 de novembro. As meditações são
realizadas na Sala Paulo VI, com a presença do Papa Francisco, dos cardeais,
arcebispos, bispos, prelados da Família Pontifícia, dos funcionários da Cúria
Romana e do Vicariato de Roma, dos Superiores Gerais ou Procuradores das Ordens
religiosas que fazem parte da Capela Pontifícia.
O tema para este
ano: "Ensina-nos a contar os nossos dias, para que nosso coração a
sabedoria alcance " é extraído do Salmo 90, 12. O Frei Cantalamessa inicou
sua meditação recordando um grande poeta, Giuseppe Ungaretti, em um seu poema
no qual descreve o estado de espírito dos soldados nas trincheiras durante a
Primeira Guerra Mundial, um poema composto de apenas nove palavras:
Recordando que
“Hoje é toda a humanidade que experimenta essa sensação de precariedade e
caducidade por conta da pandemia. No ano marcado pelo grande e terrível ‘fato’
do coronavírus, esforcemo-nos em captar o ensinamento que daí cada um de nós
pode tirar para a própria vida pessoal e espiritual”. Neste tempo em que
vivemos, continua o pregador, “as verdades eternas sobre as quais queremos
refletir são: primeiro, que todos somos mortais e ‘não temos aqui cidade
permanente’; segundo, que a vida do fiel não termina com a morte porque nos
aguarda a vida eterna; terceiro, que não estamos sós no pequeno barco do nosso
planeta, porque a ‘Palavra se fez carne e veio morar entre nós’. A primeira
dessas verdades é um objeto de experiência, as outras duas são objetos de fé e
esperança.
“Memento mori!”
E Frei Cantalessa
anuncia o tema da reflexão do dia: “Iniciemos meditando hoje sobre a primeira
destas ‘máximas eternas’: a morte". “Da morte – continua - pode-se falar
de duas maneiras diversas: ou em chave kerigmática, ou em chave sapiencial. O
primeiro modo consiste em proclamar que Cristo venceu a morte; que ela não é
mais um muro contra o qual tudo se quebra, mas uma ponte rumo à vida eterna. O
modo sapiencial ou existencial consiste, ao invés, em refletir sobre a
realidade da morte tal como ela se apresenta à experiência humana, com o
objetivo de trazer daí lições para bem viver”. Afirmando: “É a perspectiva em
que nos colocamos nesta meditação”.
A chave sapiencial,
explica o novo cardeal, “é o modo em que se fala da morte no Antigo Testamento
e, em particular, nos livros sapienciais: “Ensina-nos a contar os nossos dias,
para que nosso coração a sabedoria alcance”, pede a Deus o salmista (Sl 90,
12). Tal maneira de olhar a morte não termina com o Antigo Testamento, mas
continua também no Evangelho de Cristo. Recordemos sua admoestação: “Vigiai,
portanto, pois não sabeis o dia, nem a hora” (Mt 25, 13), a conclusão da
parábola do rico que projetava construir celeiros maiores para a sua colheita:
“Insensato! Ainda nesta noite vão tomar a tua vida. E o que acumulaste, para
quem será?” (Lc 12, 20). E pondera: “Tal modo sapiencial de falar da morte se
encontra em todas as culturas, não apenas na Bíblia e no cristianismo. Está
presente, secularizado, também no pensamento moderno” citando dois pensadores
“cuja influência ainda é forte em nossa cultura”. O primeiro é Jean-Paul Sartre
“que inverteu a relação clássica entre essência e existência, afirmando que a
existência vem antes e é mais importante da essência”. E o pensamento de “outro
filósofo, Martin Heidegger, que também parte de premissas análogas e se move no
mesmo viés do existencialismo”. “Santo Agostinho também antecipara esta
intuição do pensamento moderno sobre a morte, mas para daí tirar uma conclusão
totalmente diversa: não o niilismo, mas fé na vida eterna”.
Na escola da “irmã
morte”
O pregador da Casa
Pontifícia continua sua reflexão: “No avançar da tecnologia e das conquistas da
ciência, corríamos o risco de ser como aquele homem da parábola que diz para si
mesmo: “Minh’alma, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe
diverte-te!” (Lc 12,19). A presente calamidade veio para nos recordar de que
bem pouco depende do homem “projetar” e decidir o próprio futuro”.
“A consideração
sapiencial da morte conserva, depois de Cristo, a mesma função que tem a lei
depois da vinda da graça. Também ela serve para guardar amor e a graça”. Frei
Cantalamessa sugere: “Olhar a vida do ponto de observação da morte dá uma ajuda
extraordinária para viver bem. Está angustiado por problemas e dificuldade? Vá
à frente, coloque-se no ponto certo: olhe estas coisas do leito de morte. Como
gostaria de ter agido? Qual importância daria a estas coisas? Tem uma discórdia
com alguém? Olhe a coisa do leito de morte. O que gostaria de ter feito então:
ter vencido, o ter se humilhado? Ter prevalecido, ou ter perdoado?”. E afirma:
“O pensamento da morte nos impede de nos apegarmos às coisas, de fixar aqui na
terra a morada do coração, esquecendo de que “não temos aqui cidade
permanente”.
“A Irmã Morte é
realmente uma boa irmã mais velha e uma boa pedagoga. Ensina-nos tantas coisas,
se apenas soubermos escutá-la com docilidade”.Explicando: “Tenho em mente um
outro âmbito em que temos a necessidade urgente da Irmã Morte como mestra, além
do campo ascético: a evangelização. O pensamento da morte é quase a única arma
que nos ficou para mover-nos do torpor de uma sociedade opulenta, à qual
aconteceu o mesmo que ao povo eleito libertado do Egito”.
Evangelização e
morte
“O questionamento
acerca do sentido da vida e da morte desempenhou uma tarefa notável na primeira
evangelização da Europa”, ou seja, “que os homens devem morrer”. “Foi o
questionamento posto pela morte que abriu caminho ao Evangelho, como uma brecha
sempre aberta no coração do homem. A recusa da morte, não o instinto sexual, é
a base de toda ação humana, escreveu um conhecido psicólogo contra Freud”,
recorda o Cardeal.
“Louvado sejas,
meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal”
Por fim questiona:
“Mas como – perguntamos – voltamos a ter medo da morte? Jesus não veio para
“libertar os que, por medo da morte, estavam a vida toda sujeitos à escravidão”
(Hb 2,15)?. Sim, mas é preciso ter conhecido este medo, para dele sermos
libertados. Jesus veio para ensinar o medo da morte eterna àqueles que não
conheciam além do medo da morte temporal”. “A ‘segunda morte’, assim a chama o
Apocalipse (Ap 20,6); ela é a única que merece realmente o nome de morte,
porque não é uma passagem, uma Páscoa, mas um terrível terminal. É para salvar
os homens desta desgraça que devemos voltar a pregar sobre a morte”. Citando o
exemplo de Francisco de Assis que conheceu como ninguém o rosto novo, pascal,
da morte cristã. Também o Apóstolo Paulo “Ai daqueles que morrerão em pecado
mortal! “O aguilhão da morte é o pecado”.
“Instituindo a
Eucaristia”, conclui Frei Cantalamessa, “Jesus antecipou a própria morte. Nós
podemos fazer o mesmo. Antes, Jesus inventou este meio para nos fazer
partícipes de sua morte, para nos unir a si. Participar da Eucaristia é o modo
mais verdadeiro, mais justo e mais eficaz de ‘nos prepararmos’ para a morte.
Nela, celebramos a nossa fé e a oferecemos, dia após dia, ao Pai. Na Eucaristia,
nós podemos elevar ao Pai o nosso ‘amém, sim’, ao que nos aguarda, ao gênero de
morte que ele irá querer permitir para nós. Nela, nós ‘fazemos testamento’:
decidimos a quem deixar a vida, por quem morrer".
(Traduzido do
italiano por P. Ricardo Farias)
Leia o texto completo da meditação em
https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2020-12/cantalamessa-primeira-meditacao-morte-texto-completo.html
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