sábado, 28 de outubro de 2023

Sábia reflexão:

Paixão por Deus e compaixão pelo ser humano

José Antonio Pagola

Quando as religiões esquecem o essencial, facilmente se adentram por caminhos de mediocridade piedosa ou de casuística moral, que não só incapacitam para uma sã relação com Deus, mas podem até prejudicar gravemente as pessoas. Nenhuma religião escapa deste risco.

A cena narrada nos evangelhos tem como pano de fundo uma atmosfera religiosa em que sacerdotes e mestres da Lei classificam centenas de mandamentos da Lei divina em “fáceis” e “difíceis”, “graves” e “leves”, “pequenos” e “grandes”. É quase impossível mover-se com um coração saudável nessa rede.

A pergunta que fazem a Jesus procura recuperar o essencial, descobrir o “espírito perdido”. Qual é o mandamento principal? O que é o essencial? Onde está o núcleo de tudo? A resposta de Jesus, como a de Hillel e outros mestres judeus, resume a fé básica de Israel: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu ser”. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Que ninguém pense que, ao falar do amor a Deus, se está falando de emoções ou sentimentos para com um Ser imaginário, nem de convites a orações e devoções. “Amar a Deus com todo o coração” é reconhecer humildemente o Mistério último da vida; orientar confiantemente a existência de acordo com sua vontade: amar a Deus como Pai, que é bom e nos quer bem.

Tudo isto marca decisivamente a vida, pois significa louvar a existência a partir de sua raiz; participar na vida com gratidão; optar sempre pelo bom e pelo belo; viver com coração de carne e não de pedra; resistir a tudo o que trai a vontade de Deus negando a vida e a dignidade de seus filhos e filhas.

Por isso o amor de Deus é inseparável do amor aos irmãos. Assim o lembra Jesus: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. O amor real a Deus não é possível sem dar atenção ao sofrimento de seus filhos e filhas.

Que religião seria aquela em que a fome dos desnutridos ou o excesso dos satisfeitos não provocasse nenhuma pergunta nem preocupação aos crentes? Não estão desencaminhados aqueles que resumem a religião de Jesus como “paixão por Deus e compaixão pela humanidade”.

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JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
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