“Porei inimizade
entre ti e a mulher” (Gn 3,15). O chamado proto-evangelho traz consigo o
prenúncio do protagonismo da Mulher na vitória sobre mal e o pecado. Ao ser
proclamada a plena de graça, Maria é preservada, pelos méritos de Cristo, de
todo o pecado, e traz no seu seio a descendência santa, o Novo Adão.
A festa de hoje,
um parêntesis neste tempo de Advento, faz-nos meditar sobre a realidade do
pecado. Sim, Maria, que não foi isenta das dificuldades da vida em sua luta
diária, venceu o pecado com o Cristo. Mas, e nós? O que fazemos diante do
assédio que nos assalta dia a dia?
É preciso dizer
que somos herdeiros de uma cultura demasiadamente centrada no pecado e na
culpa. Não é fácil fazer com que os cristãos vivam a profunda alegria da Boa
Nova, com rosto de redimidos e transformados pelo amor de Deus derramado em
seus corações. Isso porque a maioria de nossos fiéis não sabe lidar bem com a
culpa. Acostumamo-nos a medir os atos, a contabilizar faltas e méritos para
conquistar o Céu. E o pobre confessionário torna-se, não raras vezes, lugares
frios onde são descarregados os pesos de consciência. Precisaríamos nos
responsabilizar mais do que nos culpabilizar. Mais do que buscar uma santidade
de vida ideal, do dia para a noite, numa pretensa luta por uma “pureza de
alma”, deveríamos assumir com coragem nossos erros e crescer passo a passo na
vida de santidade. Sobre este ponto, é oportuno o que nos diz o Papa Francisco
em sua nova Exortação: “Portanto, sem diminuir o valor evangélico, é preciso
acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento
das pessoas, que vão se construindo dia após dia. Ao sacerdotes lembro que o
confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia
do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no
meio das grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a
vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias
dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico
de Deus, que opera misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos
e das suas quedas” (Evangelii Gaudium 44).
"Faça-se em mim segundo a tua palavra" |
É interessante
observar a primeira pergunta feita por Deus ao homem: “Onde estás?” (Gn 3,9). O
Senhor não queria saber se Adão estava atrás de uma moita ou dentro de uma
caverna. Não se trata de um lugar geográfico, mas de um lugar espiritual. Onde
estava Adão? Onde nós estamos? Este é o primeiro passo para que avancemos na
vida cristã: saber a nossa real condição, reconhecer com honestidade os nossos
limites, ter um quadro de nossas circunstâncias... Quem não sabe onde está,
certamente não pode saber para onde vai...
O segundo passo
é saber para onde caminhar, ter um rumo, um mapa de viagem. Esta referência
segura é o Cristo Jesus, pois “em Cristo, Deus nos escolheu, antes da fundação
do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor”
(Ef 1,4). O texto paulino tem implicações importantes. Primeiro, nossa
conversão não está centrada no pecado: é um caminho positivo de crescimento
rumo a Deus, o mesmo que enviou o seu Filho para nos elevar e não meramente
para nos livrar dos pecados. Segundo, mais do que fazer lista de pecados e de
virtudes, o caminho de santificação é o discipulado: olhamos para Jesus de
Nazaré, percebemos como este homem pleno viveu sua espiritualidade, fez suas
escolhas, posicionou-se diante das instituições e práticas, relacionou-se com
as pessoas... Então inculturamos sua vida em nossa vida. E aqui, incluímos
outro ser humano como nós, mapa seguro neste caminho – Maria. E ela vem
com a vantagem de ser feminina e mãe, dando-nos exemplos concretos de como bem
viver. Sua vida que antes de um não ao pecado foi um sim a vontade de Deus:
“Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Que esta mãe terna, aquela que gerou no
seu seio puro um homem Todo-Amor, nos ajude a entender que Deus não olha para
nós como um juiz, mas nos quer cada vez mais santos, porque assim seremos mais
felizes. É isso o que mais deseja Nosso Senhor e Nossa Senhora.
Padre Roberto Nentwig
Padre Roberto Nentwig
Fonte: catequeseebiblia.blogspot.com.br
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