Quando se aproxima o Natal, os ambientes
cristãos católicos se enfeitam com o presépio. Essa forma bela e bucólica de
representar o nascimento de Jesus foi inventada por São Francisco de Assis no
ano de 1223.
A finalidade do presépio é oferecer uma
maneira bem concreta de se entender e refletir sobre o nascimento de Jesus, a
encarnação do Verbo de Deus. Portanto, o presépio tem uma finalidade
evangelizadora, pois quer chamar a nossa atenção para esse evento histórico
salvífico de grande dimensão e magnitude.
Quando criança, sempre me sentia fascinado
com os presépios montados nas casas das pessoas que eu conhecia: simples, belos
e sempre criativos.
Como minha família não possuía um, pedi
para comprarem; daí em diante, eu mesmo tinha imenso prazer em montá-lo todos
os anos.
Lembro-me de sair em busca de musgos
vegetais que eram colocados como se fosse a vegetação do pequeno presépio.
Trazia também outros elementos simples da natureza para colocar como
complemento e enfeite e, assim, dar um realismo à cena do nascimento do Menino
Deus, de acordo com a minha imaginação de criança.
Além dos presépios, em Luminosa, um
distrito de Brazópolis, Minas Gerais, onde cresci e minha família mora até
hoje, há um costume que nunca vi em outro lugar: no dia de Natal, distribuem-se
doces para as crianças. São doces caseiros, sempre deliciosos, colocados em
saquinhos de papel de seda ou papel crepom colorido.
Embora se diga que os doces sejam para as
crianças, todos se deliciam, devido à abundância que os organizadores, chamados
de “festeiros”, proporcionam com a ajuda da comunidade local. E como
sempre chove nessa época, ao receber os saquinhos de doces, as mãos das pessoas
ficam coloridas pela tinta do papel.
As recordações de Natal de minha infância
são de presépios simples, belos e bucólicos; doces caseiros deliciosos e papéis
coloridos que se desmanchavam, imprimindo nas mãos sua vivacidade.
Apesar de todos os aspectos bonitos que
mencionei, logo descobri que, assim como já ensina uma bela canção de Natal,
nem todas as crianças tinham as condições mínimas para viver com dignidade.
Embora seus pais fossem trabalhadores e
labutassem pela vida de sol a sol, e ainda que os doces da Natal chegassem a
todas as crianças de Luminosa, algumas delas só não passavam necessidades
básicas porque a comunidade era solidária e fraterna.
Já nessa época, percebi ter recebido de
Deus, como um grande dom, o senso de solidariedade e de justiça para com os
sofredores e as sofredoras. E, desde então, também por graça de Deus, passei a
me questionar sobre o porquê do sofrimento das pessoas, se Ele, que de todos
cuida, é bom.
Nesse questionar, nunca me conformei com a
ideia de que qualquer sofrimento seja por vontade de Deus, nem apenas
consequência do acaso.
Essa inquietação diante do sofrimento e
suas causas acompanharam-me pela juventude e foram, também, um presente de
Deus.
Como foram presentes de Deus as várias
pessoas que passaram por minha vida e que partilhavam dos mesmos sentimentos e
inquietações.
Minha formação na Pastoral da Juventude e,
depois, nos cursos de Filosofia e Teologia do seminário confirmaram minhas
tenras percepções; e compreendi que Deus não só não é responsável pelo
sofrimento que há no mundo, como também não concorda com ele.
Entendo que Deus espera que lutemos pela
superação de todo e qualquer sofrimento, especialmente porque este tem uma
causa bem determinada: a injustiça dos sistemas econômicos, que captura o ser
humano, além das instituições e a política em suas redes, que usam da ganância,
pecado próprio dos egoístas.
Diante disso – a contemplação do presépio e
a meditação sobre o nascimento de Deus feito humano –, compreendi quais os
propósitos de Deus com esse evento: ao nascer em carne humana, Jesus não
só se solidariza com a humanidade, de forma geral, como se solidariza com cada
pessoa, em sua condição específica de vida, e chama todas as pessoas à vida
plena.
Ao nascer pobre e desprotegido na gruta de
Belém, reservada aos animais, Jesus se solidariza com os mais pobres, com os
que padecem pela fome, sede e frio e pela privação de saúde e de liberdade.
Solidariza-se também com a “Casa Comum”, representada nos animais e na natureza
da gruta que o acolhe.
Quando os bens lhe faltam, nascendo numa
família pobre e de classe trabalhadora, solidariza-se com os trabalhadores e
trabalhadoras que são espoliados pelo sistema econômico e não usufruem do seu
árduo labor. Nascendo ainda numa periferia do mundo, de um povo quase
sempre escravizado, solidariza-se com as periferias humanas e sociais,
geográficas e existenciais.
Por fim, o presépio nos ensina,
sobretudo, o tamanho do amor de Deus por nós: ao tornar-se humano, Ele nos
convida a olharmos uns aos outros, com o mesmo amor que Ele nos devota. Nesse
amor, nos chama à compaixão para com os que sofrem e para com os que causam o
sofrimento.
A compaixão proposta por Deus é bem
concreta: é o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, que propõe a
necessidade de devolvê-la aos que a perderam.
Em suma, a compaixão se estende aos que
desfiguram a imagem e semelhança com o Criador, por serem causa, ou
consequência da pobreza.
Que neste Natal, em tempos de pandemia,
quando as diferenças sociais se tornam mais evidentes, Jesus nasça em nossos
corações e em nossa sociedade!
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