ninguém é dono dos dons recebidos para o bem da Igreja
Francisco disse que o exercício do governo
dentro das associações e movimentos é um tema que lhe é particularmente caro,
"considerando os casos de abuso de vários tipos que ocorreram nessas
realidades e que têm sempre a sua raiz no abuso de poder. Muitas vezes, a Santa
Sé teve que intervir nos últimos anos, iniciando difíceis processos de
reabilitação".
O Papa Francisco recebeu em audiência, no Vaticano, nesta quinta-feira (16/09), os participantes do encontro com os moderadores de associações de fiéis, movimentos eclesiais e novas comunidades, promovido pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, sobre o tema "A responsabilidade de governo nas agregações laicais: um serviço eclesial".
Francisco agradeceu aos participantes pela
presença não obstante as dificuldades causadas pela pandemia de coronavírus que
impediu algumas pessoas de viajar por causa das restrições em vigor em muitos
países. Saudou e agradeceu aqueles que participaram on-line.
Verdadeira missão eclesial
Nos últimos meses, vocês viram com seus
próprios olhos e tocaram com suas próprias mãos o sofrimento e a angústia de
muitos homens e mulheres devido à pandemia, especialmente nos países mais
pobres, onde muitos de vocês estão presentes. Eu lhes agradeço porque vocês não
deixaram de levar sua solidariedade, sua ajuda, seu testemunho evangélico,
mesmo nos meses mais difíceis, quando os contágios eram muito elevados. Apesar
das restrições devido às medidas preventivas necessárias, vocês não se
renderam, pelo contrário, sei que muitos de vocês multiplicaram suas ações,
adaptando-se às situações concretas que tinham que enfrentar, com a
criatividade que vem do amor, porque quem se sente amado pelo Senhor ama sem
medida.
"Como membros de associações de fiéis,
movimentos eclesiais internacionais e outras comunidades, vocês têm uma
verdadeira missão eclesial. Penso especialmente naqueles que, estando nas
periferias existenciais de nossas sociedades, vivem o abandono e a solidão em sua
carne e sofrem por causa de muitas necessidades materiais e das pobrezas moral
e espiritual. Fará bem a todos nós lembrar a cada dia não apenas da pobreza dos
outros, mas também, e sobretudo, da nossa pobreza", disse ainda o Papa.
Francisco disse ainda as associações de
fiéis, movimentos eclesiais e novas comunidades "também são, apesar dos
limites e pecados de todos os dias, um sinal claro da vitalidade da Igreja:
vocês são uma força missionária e uma presença profética que nos dá esperança
para o futuro. Um futuro que deve ser preparado aqui e agora, aprendendo a
ouvir e discernir o tempo presente com honestidade e coragem e com a
disponibilidade de ter um encontro constante com o Senhor, uma constante
conversão pessoal. Caso contrário, vocês correm o risco de viver num
"mundo paralelo", destilado, longe dos verdadeiros desafios da
sociedade, da cultura e de todas aquelas pessoas que vivem ao seu lado e
esperam seu testemunho cristão".
Não se fechar num "barril de
ferro"
Segundo o Papa, "pertencer a uma associação,
a um movimento ou a uma comunidade, especialmente se eles se referem a um
carisma, não deve nos fechar num "barril de ferro", nos fazer sentir
seguros, como se não houvesse necessidade de responder aos desafios e mudanças.
Todos nós cristãos estamos sempre a caminho, sempre em conversão, sempre
discernindo para fazer a vontade de Deus".
A seguir, Francisco disse que o exercício
do governo dentro das associações e movimentos é um tema que lhe é
particularmente caro, "considerando os casos de abuso de vários tipos que
ocorreram nessas realidades e que têm sempre a sua raiz no abuso de poder.
Muitas vezes, a Santa Sé teve que intervir nos últimos anos, iniciando difíceis
processos de reabilitação. Penso não só nessas situações muito ruins, que fazem
muito barulho, mas também nas doenças que vêm do enfraquecimento do carisma
fundacional, que se torna morno e perde sua capacidade de atração".
O desejo de poder
A seguir, o Papa citou dois obstáculos que
um cristão pode encontrar no seu caminho e que o impedem de se tornar um
verdadeiro servo de Deus e dos outros: o desejo de poder e a deslealdade.
O nosso desejo de poder se expressa de
muitas maneiras na vida da Igreja, por exemplo, quando sentimos, em virtude do
papel que temos, de ter que tomar decisões sobre todos os aspectos da vida de
nossa associação, diocese, paróquia, congregação. Delegamos aos outros tarefas
e responsabilidades para certas áreas, mas somente em teoria! Na prática, a
delegação a outros se esvazia pelo desejo de estar em todos os lugares. Esse
desejo de poder anula todas as formas de subsidiariedade. Essa atitude é ruim e
acaba esvaziando o corpo eclesial de sua força. É uma maneira ruim de "disciplinar".
A deslealdade
O outro obstáculo, a deslealdade, "nós
o encontramos quando alguém quer servir ao Senhor, mas também serve a outras
coisas que não são o Senhor. É um pouco como jogar um jogo duplo! Dizemos em
palavras que queremos servir a Deus e aos outros, mas nos fatos servimos ao
nosso ego e cedemos ao nosso desejo de aparecer, de ganhar reconhecimento e
apreço. Não nos esqueçamos que o verdadeiro serviço é gratuito e incondicional,
não conhece cálculos ou pretensões", disse o Papa.
Caímos na armadilha da deslealdade quando
nos apresentamos aos outros como os únicos intérpretes do carisma, os únicos
herdeiros de nossa associação ou movimento; ou quando, nos julgando
indispensáveis, fazemos de tudo para ocupar cargos por toda a vida; ou ainda
quando pretendemos decidir a priori quem deve ser o nosso sucessor. Ninguém é
dono dos dons recebidos para o bem da Igreja, ninguém deve sufocá-los. Pelo
contrário, cada um, onde o Senhor o colocou, é chamado a fazê-los crescer e
frutificar, confiante no fato de que é Deus que tudo opera em todos e que o
nosso verdadeiro bem frutifica na comunhão eclesial.
"Somos membros vivos da Igreja e por
isso precisamos confiar no Espírito Santo, que age na vida de cada associação,
de cada membro, age em cada um de nós. Daí a confiança no discernimento dos
carismas confiados à autoridade da Igreja. Estejam cientes da força apostólica
e do dom profético que hoje lhes são entregues de maneira renovada",
concluiu Francisco.
Mariangela Jaguraba
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