terça-feira, 2 de junho de 2020

Refletindo com Dom Luiz Antônio

Tempo: o que aprendemos com ele?

Os Tempos Litúrgicos estão fortemente inseridos no tempo cronológico para que, celebrando os Mistérios de Cristo, possamos nos santificar, melhorar nosso ser, nutrir e aumentar a nossa fé, dar sentido novo à nossa existência terrena, produzir bons frutos e crescer no Amor, sempre à luz de Cristo, nosso Salvador e Senhor do tempo e da história. O dramático e triste tempo da pandemia, coincidiu com Tempos Litúrgicos de abundantes Graças, de conversão, penitência, dor, vitória, alegria, Ressurreição, esperança e vida nova, com os quais estamos conseguindo enfrentar de modo mais sereno esse difícil tempo, com a consciência de que “nada poderá nos separar do Amor de Deus e que “tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus”.
Dom Luiz Antonio Lopes Ricci
No dia 26 de fevereiro iniciamos o Tempo da Quaresma com a Campanha da Fraternidade 2020 que apresentou o tema da vida, como “dom e compromisso”, e o lema “viu, sentiu compaixão e cuidou”. Vinte dias após, em 17 de março, no meio do itinerário quaresmal, iniciamos, por conta da pandemia, o tempo de quarentena e isolamento social, sem participação presencial na Santa Missa. Celebramos com dor e esperança a Semana Santa e a Páscoa do Senhor, também em quarentena. Hoje, estamos encerrando o Tempo Pascal com a Solenidade de Pentecostes, ainda em isolamento e distanciamento social. Portanto, metade da Quaresma, Semana Santa e Tempo Pascal sem poder participar presencialmente da Santa Missa, visitar, abraçar, conviver, trabalhar… Amanhã, voltaremos ao Tempo Comum, com esperança certamente renovada e fortalecida, não obstante o cansaço e as incertezas. Embora não tenhamos passado pelo Tempo Litúrgico do Advento, esse período de pandemia foi certamente inundado pelo sentido profundo da espera vigilante e contributiva, associada à certeza do advento (chegada) de um novo tempo, que está sendo gestado no Útero de Deus.
Durante esse período de quase 80 dias, o que vivenciamos? Medo, insegurança, incertezas, ansiedade, preocupação? Aceitação, esperança, coragem, fé, amor, autoconhecimento, resiliência, salutar convivência familiar e consigo mesmo? Desemprego, redução salarial, crise financeira, falta de recursos? Luto, dor, tristeza, indignação?
Infelizmente, nesse período, quase 30 mil pessoas já morreram no Brasil, vítimas da Covid- 19. Há doentes que aguardam atendimento digno, doentes internados, hospitais no limite, promessas não cumpridas, desprezo e descaso de Autoridades que deveriam cuidar da vida e garantir acesso à saúde para todos. Quantas crises geradas e ou evitáveis, quantas tensões inúteis, gritaria, violência verbal e digital, ódio, intolerância, desrespeito, corrupção, crise política e desamor? Deixar de chorar os mortos e de lutar pela vida, em tempo de pandemia, é desprezo que fere a alma. É quase o mesmo que adentrar em um funeral apenas para gerar conflito ao invés de consolar, propor e ajudar. Não é o lugar, nem o momento! Vivenciar o luto, com respeito e solidariedade, especialmente pelas Autoridades, é condição fundamental para adequada retomada progressiva das atividades diárias. Sem o substrato humano e humanizante, todo projeto está fadado ao insucesso! É hora de “focar”, todos e todas, na dor e na vida! Precisamos, como os Apóstolos e Maria, estarmos “todos reunidos no mesmo lugar” (At 2,1). Precisamos estar todos unidos na mesma pauta, intenção e direção! Deixemos as diferenças justas e democráticas de lado e busquemos conjugar os esforços para ver, sentir compaixão e cuidar da vida. Haverá muito tempo para outras discussões civilizadas, sadias e necessárias. É hora da sinergia dialógica, fruto de um “consenso mínimo” que garanta o indispensável para defender e cuidar da vida. O que está em nossa pauta e agenda? Quais os principais e reais problemas que flagelam nosso povo e país? A fé cristã deve incidir diretamente na vida e pautar prioridades coerentes com os ensinamentos de Cristo. O Mandamento do Amor, por conta da fé, deve estar acima de tudo, até mesmo de nossas convicções e liberdade de expressão. Sabemos que o direito e a defesa da vida são anteriores em relação ao direito de liberdade. Justifica-se esta afirmação pelo fato de que, para ser livre, é preciso estar vivo e, por isso, a vida é condição indispensável para o exercício da liberdade responsável. A vida sempre em primeiríssimo lugar!
Urge reaprender a conviver com as diferenças e naturais divergências de ideias e opiniões. Reaprender a debater ideias sem ofender pessoas. Deus condena o pecado e não o pecador. Precisamos condenar o mal, não as pessoas. “Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,44). O que pensa diferente de mim, não é meu inimigo e, mesmo se o fosse, não poderia ser odiado, se queremos seguir Jesus. Se o ódio e julgamentos são desprezíveis em situações normais, quanto mais o são em situação de pandemia, dor e morte!
“O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, domínio próprio. Se vivemos pelo Espírito, procedamos também segundo o Espírito, corretamente” (Gl 5,22-23). Não podemos concordar com divisões dentro e fora da Igreja, unificada e conduzida pelo Espírito Santo que opera também dentro e fora da Igreja. “O amor haveria de reunir na Igreja de Deus todos os povos da terra. Esta é a casa de Deus, edificada com pedras vivas. Nela o Eterno Pai gosta de morar; nela seus olhos jamais devem ser ofendidos pelo triste espetáculo da divisão entre seus filhos” (Dos Sermões de um Autor africano anônimo, do séc. VI).
Sobre a defesa da vida, acolhida como dom e compromisso, como não recordar com gratidão sincera os profissionais da saúde, os trabalhadores dos serviços essenciais, os voluntários de diversas instituições, projetos e iniciativas religiosas e civis que incansavelmente não deixaram de visitar e socorrer os mais vulneráveis, pobres, necessitados e população em situação de rua? Como não recordar e agradecer as doações feitas por pessoas, grupos, empresas e instituições para o enfrentamento da pandemia? Como não reconhecer os esforços do Estado, Poder Público e Autoridades, embora ainda insuficientes, para salvar vidas, distribuir recursos e salvar empresas e empregos? Como não recordar e agradecer ao Bom Deus a cura de milhares de infectados pela Covid-19? Enfim, no retorno ao Tempo Comum, que tem a cor verde, sendo um tempo da esperança, como não encorajar a todos e todas a manter a esperança invencível, mesmo diante do cenário incerto? É um Tempo para frutificar a vida e os dons recebidos, em vista do bem comum: “produzir frutos no Amor para a vida do mundo” (OT, n.16).
Quantas experiências, sentimentos e fatos nesse dramático tempo? O que aprendemos e desaprendemos? Em que melhoramos e pioramos? O que perdemos e ganhamos? Qual a nossa avaliação desse tempo cronológico, vivido, é claro, à luz da fé em Cristo? Não se trata de um tempo para se esquecer, mas para evoluir e nos humanizar ainda mais. O que é mais difícil, vencer um vírus ou modificar a maneira de pensar e de agir? Converter-nos o  não mudar? O que, por meio de mim e de nós, viralizou nesse tempo? Amor ou ódio, proximidade ou distanciamento, entendimento ou confusão, fé ou descrença, compaixão ou indiferença, esperança ou pessimismo, verdade ou desinformação, babel ou Pentecostes?
O Espírito Santo que nos foi dado, habita em nós. Portanto, somos habitação do Amor. Estamos capacitados para perseverar no Amor, mesmo num cenário adverso e dramático. Revestidos do Alto, podemos passar do momento babel para o momento Pentecostes. Eis um nobre propósito pessoal e coletivo: buscar o diálogo, o entendimento e a aproximação, em vista da emergencial opção primeira que é salvar vidas e vencer a pandemia. Qual a minha e nossa opção: babel ou Pentecostes? À luz da fé cristã a resposta é clara. Deixar-nos guiar pelo Espírito Santo e viver segundo o Espírito é o mesmo que Amar e fazer a Vontade de Deus e o bem, sempre, sobretudo em situações adversas. Por feliz providência encerramos, neste ano, o Tempo Pascal com a festa da Visitação de Maria. Ela foi apressadamente visitar sua prima Isabel, idosa e grávida. Ela nos visita! Maria está atenta às nossas dores e necessidades. Ela pede a seu Filho por nós! É hora de imitar a nossa Mãe Maior e nos dirigirmos apressadamente para Pentecostes, deixando de lado as “babéis”, internas e externas, criadas ou persistentes. Essa é a nossa única opção como cristãos e membros da família humana. A linguagem do Amor é a única capaz de produzir entendimento e unidade na diversidade. “Nossa única possibilidade de sobrevivência humana está depositada no preceito cristão da caridade” (G.Vattimo), no Mandamento do Amor. Dirigir-nos apressadamente para fazer o bem; esperar paciente e prudentemente o novo normal; fazer o bem e evitar o mal; voltar ao litúrgico Tempo Comum, desejando viver o tempo de modo comum e novo. Vamos em frente, com esperança renovada. Vem Espirito Criador, nos recriar e renovar a face da terra. Renova-nos Senhor, para que renovados, renovemos o mundo e nosso amado Brasil. Rezemos: “Iluminai todos os seres humanos com a luz do vosso Espírito, e afastai para longe as trevas do nosso tempo, para que o ódio se transforme em amor, o sofrimento em alegria e a guerra em paz” (Prece, I Vésperas de Pentecostes). Vem Espírito Santo vem, vem iluminar! Vem nos recordar o essencial e ensinar o que ainda falta para sermos melhores, mais humanos e conforme ao querer de Deus. Vem nos recriar, para frutificar e ser sinal de Vossa Luz. Amém! Vem Maria vem, vem nos ajudar! Vem nos visitar!
Com o meu abraço fraterno, proximidade, gratidão e benção.
                                         Dom Luiz Antonio Lopes Ricci - Bispo de Nova Friburgo
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