terça-feira, 3 de março de 2020

Pe. Bovati no Retiro espiritual:

Entender quem somos para renascer
Na primeira meditação no retiro quaresmal em Ariccia, o pregador dos Exercícios espirituais - segundo reporta o L'Osservatore Romano - refletiu sobre o sentido do nascimento, afirmando que "meditar sobre como nós viemos ao mundo, na relação com Deus e com as outras coisas, constitui o princípio e o fundamento da nossa vida espiritual".
Cidade do Vaticano - O primeiro passo é sempre apresentar-se, mostrando a “carteira de identidade” interior. Mas para fazê-lo é preciso realmente “compreender quem somos”. O padre jesuíta Pietro Bovati foi incisivo – na manhã de segunda-feira (02/03) – na primeira meditação dos exercícios espirituais para a Cúria Romana na Casa Divin Maestro em Ariccia, nas proximidades de Roma.
A primeira coisa a ser feita, sugeriu o secretário da Pontifícia Comissão Bíblica, é entender “quem somos”, indo “às origem do prodígio do nosso nascimento”.  E na Sagrada Escritura, explicou, “nos é dita a verdade sobre nossa constituição”: nos é dito que somos a imagem de Deus porque carregamos em nossa carne algum traço d’Aquele que nos gerou”.
“Meditar a nossa gênese – ressaltou – não é algo secundário ou preliminar, mas é aquilo que sustenta, guia e dá sentido a nossa existência por completo.” Tanto que “o meditar sobre como vimos ao mundo, na relação com Deus e com as outras coisas, constitui o princípio e o fundamento da nossa vida espiritual”.
Os dois nascimentos
Em particular, o pregador dos exercícios espirituais propôs a atualidade de “dois nascimentos: o de Moisés, “o homem que Deus escolheu para a tarefa fundadora de libertar Israel”, e de Jesus, “o Salvador do mundo, enviado propriamente para levar a cumprimento o desígnio de Deus de libertação”.
São duas “histórias – insistiu – sobre as quais meditamos como prefigurações e indicações sobre o sentido do nosso pessoal vir ao mundo”. Certamente, “as vicissitudes de Moisés e Jesus têm características irrepetíveis; no entanto, nelas se mostra o sentido misterioso do nosso vir ao mundo: somos constituídos como filhos prodigiosamente doados pelo amor eterno de Deus”.
Repercorrendo as vicissitudes de Moisés, padre Bovati recordou que “a Sagrada Escritura ousa dizer que no ventre de cada mulher é Deus mesmo a formar o feto e a dar-lhe o sopro vital. Como se Ele continuasse a sua obra de Criador na pontualidade de cada evento histórico”.
E propriamente “essa audaciosa imagem de Deus tem o mérito de fazer-nos compreender que toda existência humana é obra querida pelo Criador, desde sempre desejada e levada por Ele a cumprimento no tempo estabelecido”.
Eis “uma primeira maravilhosa e vertiginosa consideração daquilo que nós somos: como não reconhecer em adoração e comovido reconhecimento que nasci e estou vivo por um maravilhoso processo que me leva a dizer que Deus me quis na minha individualidade, dirigindo cada coisa até o meu vir ao mundo?”
O desígnio de Deus: salvar-nos
Sempre em referência à história de Moisés, que desde pequeno escapou da morte, o pregador explicou que também “nós nascemos como fruto de uma extraordinária manifestação, um concurso de causas inimagináveis, porém guiadas pelo desígnio de Deus. E fomos salvos. Muitas vezes poderíamos morrer, poderíamos perder-nos. E isso são apenas traços, os sinais de um maravilhoso desígnio em relação a nós”.
Mas, alertou, “isso não pode ser interpretado banalmente”, considerando que “tivemos sorte: essa experiência deve ser lida como um evento de amor, porque alguém nos salvou, tirando-nos da ameaça de morte, do turbilhão das águas, em certos casos de morte física, em outros de morte espiritual. E então, em primeiro lugar, o fiel sente nessa consideração o manifestar-se do amor de Deus”.
O ser salvos, em outras palavras, “é a permanente verdade do meu existir que nós celebramos no sinal sacramental do batismo”. E, em segundo lugar, “o fato de ser salvos é experiência de ter sido amados por pessoas concretas”.
Portanto, afirmou o pregador, é oportuno “na oração fazer emergir a nossa genealogia e, nela, ver os rostos daqueles que me amaram e socorreram, porque naqueles rostos, como sinais, se manifesta a vontade providencial de Deus em relação a mim”.
Segundo padre Bovati, definitivamente, “como Moisés fomos salvos porque fomos adotados para além dos nossos genitores: outras figuras assumiram em relação a nós o papel parental, de modo a tornar possível nosso crescimento humano e espiritual e termos sido adotados nos faz compreender a beleza da nossa adoção filial em Cristo”.
O exemplo de José
Se na história de Moisés, quando criança, “são sobretudo as figuras femininas que intervêm para mostrar a presença ativa de Deus, na história de Jesus, por sua vez, é um homem, José, que assume essa forma”.
Propriamente o exemplo de Moisés, explicou o pregador, “deve orientar nossas decisões” com a força da sua “obediência dócil, pronta, humilde à voz de Deus”. E também como “emblema daquela castidade que sabe acolher o amor da mulher e sabe viver no amor sem possuir, sem apropriar-se vantajosamente da carne a ele confiada”. Além disso, observou, “o amor de José, em seu manifestar-se histórico, consiste em renunciar aos projetos pessoais”.
“Dessas considerações – prosseguiu – queremos compreender, contemplar com crescente admiração” que o Filho de Deus “quis assumir essa dimensão de filho do homem; e o seu nascer da carne virginal é certamente prodigioso, mas foi alimentado pelas palavras o pelo exemplo das pessoas que contribuíram para sua própria formação de homem.”
Portanto – concluiu o pregador indicando aos presentes o Salmo 139 para a oração –, “o dom feito a Cristo é figura do nosso nascer: também nós somos filhos de Deus, mas devemos tudo também àqueles que o Senhor colocou em nosso caminho como mães e pais adotivos que nos ajudaram a crescer como filhos do homem e como filhos de Deus. E isso para que também nós nos tornemos testemunhas” para “ajudar os outros a viver desse mesmo dom, a reconhecê-lo em sua história”.
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Exercícios Espirituais em Ariccia:
A surpresa é a marca de Deus
É a vocação o tema da segunda meditação dos Exercícios Espirituais da Cúria Romana que estão sendo realizados em Ariccia e, da Casa Santa Marta, seguidos pelo Papa Francisco que se resguarda por causa de um resfriado. A vocação, disse o pregador Pe. Pietro Bovati, “é sempre uma escolha que nasce do coração do indivíduo” e não alguma coisa “que se determina de maneira coletiva”.
Michele Raviart, Andressa Collet – Cidade do Vaticano - A vocação é “o encontro decisivo com o qual Deus falou com a gente” e pelo qual decidimos obedecer a sua escolha. É o início de uma “nova história”, de um “novo nascimento”, através do qual se criam novas paternidades e novas fraternidades. É, então, necessário recordar o momento em que se viveu quando se obedeceu e “ouvir de novo a voz do Senhor”, naquele que é o significado definitivo da oração.
Deus chama na vida concreta
Na segunda meditação desta segunda-feira (2) nos Exercícios Espirituais da Cúria Romana, que acontecem em Ariccia, o sacerdote jesuíta Pietro Bovati, teólogo da Pontifícia Comissão Bíblica, parte da figura de Moisés para explicar o que significa ser chamado. Moisés é um pastor e é um servo. Não tem a consciência que vai passar a se ocupar do rebanho do seu sogro à condução do rebanho do povo de Israel. “Às vezes”, explica o teólogo, “a Escritura nos apresenta o chamado, a vocação, próprio como uma transformação do ofício: de uma ocupação material a uma dedicação espiritual. Assim que aquilo que foi vivido segundo a carne possa sugerir como um sinal os valores do Espírito”.
“Deus está sempre trabalhando para orientar a pessoa à descoberta de uma maior dimensão do viver, de uma doação mais útil, um serviço mais útil para os irmãos. Deus chama na vida concreta, naquela história em que se faz, de algum modo, ver, revelar alguma coisa do chamado. Deus chama na vida concreta, inclusive nos seus aspectos de sentido e de fadiga, que são as condições – essas – para atrair, talvez inconscientemente, uma realidade superior: aquela de Deus, e somente Ele é capaz de revelar e de realizar.”
A inconsciência de Moisés
Moisés não sabe onde está indo e nem mesmo percebe que se aproxima de um lugar sagrado quando fica intrigado com o arbusto ardente do monte Horeb. Não imagina o significado do arbusto queimado pelo fogo sem se consumir e o que será revelado a ele. “Esses vários aspectos de ignorância, de inconsciência”, sublinha Pe. Bovati, “constituem a matriz essencial para compreender o que seja realmente a vocação na sua dimensão profética, isto é, que é sempre uma revelação de Deus, não uma lúcida autoconsciência, não uma autodeterminação”. Chamando-o pelo nome, Deus pede, de fato, a Moisés, uma disponibilidade pessoal pela qual ele responde, dizendo: “estou aqui” e “empreendendo um caminho de consciência e de obediência”.
Um evento inesperado
O chamado de Deus acontece, então, “numa condição humana, numa pessoa, despreparada; acontece como uma surpresa, como um evento inesperado e, aparentemente, que aconteceu do nada”. É inesperada, de fato, a escolha de Davi, um rapaz que toca a cítara e não um guerreiro para combater Golias, ou aquela de Jeremias, um jovem inexperiente chamado a profetizar para as nações.
“A surpresa é, na verdade, a marca de Deus, e também a desproporção entre aquilo que se considera ser oportuno, e até mesmo necessário aos olhos dos homens, e aquilo que Deus escolhe como mediação: como um servo para a sua obra de salvação.”
O significado do arbusto
Do arbusto chega a voz de Deus. Um sinal que a Bíblia não explica explicitamente, mas que para o sacerdote jesuíta pode ser interpretado em dois modos. De um lado, o arbusto é a representação simbólica de Moisés: é um homem, uma realidade miserável atingida pelo fogo “simbólico privilegiado do Deus vivo”. Uma união que, “ao contrário de aniquilar a criatura fraca e frágil, promove ela a uma vitalidade, a uma tarefa que ao homem parece impossível”. Do outro lado, o arbusto é “a realidade sofredora do povo de Israel”, enquanto o fogo é “o poder cruel do opressor egípcio que, no entanto, não é capaz de aniquilar essa frágil realidade de um povo submisso, porque Deus está presente”.
A vocação nasce do coração do indivíduo
No Novo Testamento se mostra, por outro lado, o valor espiritual da vocação para quem já segue o Senhor. No Evangelho de Mateus, Jesus pede aos discípulos: “quem querem que eu seja?”, para deixar claro que Ele  não é um dos tantos profetas, mas que é “o Único, o Filho, o Messias, o Evento real” e não uma expectativa ou uma preparação. “Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo”, responde Pedro. Uma resposta que não vem da carne e do sangue, das decisões humanas, mas vem por uma revelação do Pai. Uma resposta que não é coletiva, mas individual.
“A vocação è sempre uma escolha que nasce do coração do indivídulo e nunca é o consentimento de um grupo, de algo que se determina de maneira coletiva, como uma espécie de onda na qual um participa sem uma responsabilidade pessoal, decisiva.”
Inclusive Pedro, com a adesão a Deus, se transforma. Não somente no nome, mas na substância. “Ele, frágil, incerto, se torna a rocha sobre a qual repousa a própria Igreja, torna-se princípio de solidez na fé para ajudar os seus irmãos a superar todas as armadilhas do diabo, todos os poderes do submundo que serão desatados”.
Seguir realmente o Senhor
A nós, conclui Pe. Bovati ao se dirigir à Cúria, “nos foi dado para ser como Pedro, mas devemos seguir o Senhor, segui-lo realmente” no seu caminho da Paixão e da Cruz. O convite é rezar para pedir o dom do Espírito para sermos realmente discípulos do Senhor. Um desejo exemplificado pelo Salmo 63, aquele da “escolha de Deus”, que diz: “o teu amor vale mais de uma vida”, “numa relação de amor e de comunhão que é verdadeiramente a nossa bem-aventurança”.
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Terceira meditação:
Como Moisés,
o cristão defende os fracos do desprezo dos “faraós”
Na terceira meditação dos Exercícios espirituais da Cúria Romana em Ariccia, o pregador pe. Bovati reflete sobre a desenfreada recusa atual de Deus em nome da reivindicação do direito de escolher por si mesmo. “Uma resistência sobre a qual a Igreja”, diz o teólogo, “deve se interrogar para entender suas responsabilidades”.
Cidade do Vaticano - Como Moisés, dizemos não ao “modelo faraônico que teoriza que o bem é o bem dos egípcios, em função do qual todos os outros devem se prodigalizar: primeiro e único o Egito. Mas o Deus de Israel é promotor de uma mudança radical de perspectiva quando faz emergir os direitos dos estrangeiros, dos oprimidos e dos explorados, em favor dos quais o sistema deveria trabalhar como manifestação suprema do Espírito, que inverte os valores”. Parece ter sido escrito hoje o livro do Êxodo que o pe. Pietro Bovati está relendo, com o Evangelho de Mateus e os Salmos, durante os Exercícios espirituais, em Ariccia, para a Cúria Romana. O pregador chamou a atenção ao não “resistir à graça” e não “opor-se ao Espírito” durante a terceira meditação, realizada na manhã desta terça-feira (03/03).
A linguagem do Espírito
“A linguagem do Espírito”, afirmou o pregador, é: “Primeiro os outros, primeiros os últimos, e a resistência à graça se expressa na rejeição dessa inversão de valores de que falam os profetas, que se dirigem sempre aos últimos, aos carentes, aos sofredores, como anúncio da graça que vem libertar os prisioneiros”.
Atualizando as vicissitudes de Moisés, “mandado a libertar os oprimidos”, pe. Bovati observou que o faraó, com a declaração arrogante: “Quem é o Senhor?”, “é a encarnação do poder como força destruidora contra os opositores”. Mas “tudo isso se verifica na realidade atual e deve ser ressaltado porque é fonte de muitos sofrimentos para as pessoas. É o princípio da perseguição daqueles que desaprovam os sistemas tiranos”.
Cuidado para não responder com as mesmas armas dos “faraós” de hoje. De fato, “toda forma de prepotência orgulhosa”, disse o pregador,” “deve ser totalmente banida de nossa vida, deixando espaço para a mansidão, o martírio. E aqui está uma pergunta sobre o pecado que, às vezes, está presente em nossas estruturas"; e é precisamente a tentação de “combater com o uso da força, intriga, dinheiro, ocupação de espaços, conquista e sujeição”. Mas “o que é do espírito do mundo nunca deve ser o Espírito do Senhor”.
Arrogância que rejeita a obediência a Deus
“Na época moderna desenvolveu-se uma forma diferente de arrogância que rejeita a obediência a Deus e aos seus profetas. Essa não há aparatos de riqueza, cultura, poder coercitivo, mas assume a forma orgulhosa que é reivindicada pelo indivíduo, simplesmente em nome do direito à autodeterminação, liberdade de escolha, vontade pessoal”, afirmou o pregador. Afinal, é uma “recusa de Deus como afirmação do ateísmo, considerada quase como a única opção racional, como indiferença religiosa, como relativismo ético e como qualquer outro estilo de vida que se torna uma absolutização do sentimento, da opinião, das escolhas”. Opor-se a essa mentalidade para o cristão hoje significa mais do que nunca marginalização.
“Na sociedade atual, há o avanço de uma ideologia oposta à obediência ao Senhor. Isso acontece no Ocidente”, onde “se desenvolveu uma distância progressiva de Deus, da fé cristã, da obediência ao ensinamento da Igreja”. Trata-se de “um fenômeno sobre o qual nos interrogamos para entender as causas dessa resistência e rejeição da graça”. Com sinceridade é preciso “nos perguntar se existe alguma responsabilidade também em nós, se o nosso modo de ser em relação aos outros não é marcado pelo formalismo, ou seja, pela atenção à exterioridade das coisas, à materialidade das práticas, sem uma compreensão íntima da própria norma”.
Defensor da ordem estabelecida
“Depois, há outra maneira complexa de resistir à graça”, acrescentou o jesuíta, “que é a de quem, como o faraó, permanece como defensor da ordem estabelecida, da forma canonizada da lei, da prática vigente, considerada a única expressão perfeita e imutável do bem e, portanto, se opõe às mudanças pedidas pelos profetas, desprezados com títulos insolentes como “loucos, visionários, indisciplinados, turbulentos e heréticos”.
Além disso, o pe. Bovati acrescentou: “Não basta apelar para a tradição, para o que sempre foi feito, para o que foi considerado válido no passado”, rejeitando “os fermentos da reforma, da renovação teológica e institucional”, e censurando “a priori as propostas de mudança nos diferentes âmbitos da vida da Igreja, na liturgia, na prática catequética e no trabalho pastoral”.
Voltando à história do Êxodo, o pregador disse que “o faraó não se contenta em rejeitar os pedidos de Moisés”, mas aproveita a ocasião “para intensificar as condições de trabalho dos judeus e interpreta a demanda de liberdade como expressão de preguiça”. E na “agressão verbal” do faraó “se manifesta o desprezo, a não aceitação do diálogo que é manifestação da resistência à graça”.
Deve-se notar que “o pecado também consiste na absolutização do sistema de produção como único valor”. Pe. Bovati indicou também “a tentação do viver em silêncio, a aceitação do abuso considerado preferível ao corajoso ato libertador”, com todos os riscos associados. Tanto que até o profeta corre o risco de perder sua força.
Resistência à graça que assume a forma de ciúmes
“A parábola evangélica do semeador”, concluiu o pregador, “entregando o Salmo 78 aos presentes para a oração”, “nos mostra a força da Palavra de Deus, mas também as resistências que se determinam”. É “a resistência à graça que assume a forma de ciúmes daqueles que têm um dom maior que o nosso; ou de orgulho, pensando que somos melhores que os outros porque produzimos mais frutos”. Mas, acrescentou, “contentar-se de produzir alguns frutos, de fazer um pouco de bem, talvez apresentado como uma forma de modéstia e humildade, deve ser reconhecido como uma insidiosa resistência à graça que, ao contrário, impele ao amor e ao serviço de doação crescente”.
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