23º Domingo do Tempo Comum
O livro da
Sabedoria nos fala sobre os limites da razão. O mundo moderno chegou a
considerar a razão como a tábua de salvação, depositou suas esperanças na
ciência, na tecnologia. Hoje vemos com mais facilidade os limites da razão humana,
as consequências negativas do mau uso da ciência, como os efeitos provocados
na natureza pelo avanço tecnológico. De fato, o que é a ciência humana diante
da imensidão do universo e de seu mistério? Se não olharmos a vida com
profundidade, ficaremos com as aparências. A Palavra de Deus nos convida a
alcançarmos a sabedoria divina que, por sua vez, pergunta sobre o porquê das
coisas e revela-nos o sentido da existência. O verdadeiro sentido da vida
depende de um olhar de fé, que manifesta o divino no meio do humano, a fé no
cotidiano.
Como se
manifesta a sabedoria divina? São Paulo nos diz que Deus tornou louca a
sabedoria do mundo: “pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a
fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1,25). Esta loucura se
traduz na contradição, no paradoxo. Enquanto o conhecimento humano muitas vezes
é regido pelo poder dominador, a sabedoria divina se revela na fraqueza. A
segunda leitura nos dá um bom exemplo, quando São Paulo pede a Filemôn que
Onésimo não seja tratado como escravo, mas como irmão. Que sabedoria é esta que
transforma um escravo em um irmão? Somente a vida nova experimentada em Cristo,
pelo Espírito, pode proporcionar algo tão sublime.
No
Evangelho, Jesus está caminhando para Jerusalém. Ele sabia muito bem o que
aconteceria lá: sabia que o seu destino derradeiro se aproximava. Jesus via uma
grande multidão vindo atrás dele e se perguntava: “Será que esse povo sabe o
que é me seguir?” Jesus não se importava com as pesquisas de opinião pública.
Por isso, manifestou a essência do discipulado, destruindo as falsas
seguranças: “Quem não carrega a sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode
ser meu discípulo”.
"Renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me!" |
Aceitar a
proposta de Jesus não é tarefa fácil. Sem um coração cheio de fé e amor, pela
graça divina (pela sabedoria) dificilmente aceitaremos a cruz. E aqui Jesus não
fala das dores do dia a dia (como as doenças, perdas, tristezas...), mas se
refere ao que deixamos de lado por amor. Renunciar, no Evangelho, significa
alcançar a liberdade, pois as coisas e até as pessoas nos escravizam e nos
impedem de optarmos pelos valores do Reino de Deus. Seguir Jesus exige
radicalidade e radicalidade é doar-se, é gastar a vida, é ser capaz de fazer da
própria vida um dom.
O Evangelho nos fala
da renúncia da própria família. Algumas traduções falam de “odiar”, “deixar de
lado”. A expressão “odiar” neste contexto significa deixar em segundo lugar. Ou
seja, Deus não quer o ódio, Ele deseja que amemos os nossos familiares, mas
quer igualmente que Deus venha em primeiro lugar. Nada deve constituir uma
barreira para o Reino. Para muitos que se esqueceram de amar a própria
família, carregar a cruz significará retomar a proximidade e o cuidado dela.
Jesus nos pede a
renúncia da vida. Os cristãos primitivos que escutavam este evangelho logo
pensavam no martírio de sangue. Nos tempos apostólicos, os testemunhos heróicos
em nome da fé eram comuns. Hoje a perseguição diminuiu, e diminuiu também nosso
comprometimento. Corre-se o risco de um cristianismo sem cruz. Hoje muitos
procuram a Igreja somente para encontrar cura física e bem estar psíquico...
Muitos dos que procuram nossas comunidades não desejam compromisso e
participação. Há muitos não evangelizados que desejam uma benção, uma novena,
um sacramento, uma fezinha esporádica. Mesmo os mais assíduos são tentados
a fazer da vida de fé algo do qual se possa colocar em segundo plano, sem que
afete as decisões mais profundas da vida. Onde se encontra a radicalidade do
discipulado?
Jesus nos
convida a gastar a nossa vida, até o extremo. Gastar aqui é um investimento de
felicidade. Gastar a vida pela família (aqui o amor à família é
necessário), doar a vida pela comunidade, pela sociedade... Gastar a vida para
fazer acontecer a vida. Abraçar a cruz é ter a coragem de se opor ao mundo da
arrogância, da violência, dos vícios, dos prazeres sem sentido, da injustiça,
do orgulho, da competição, do acúmulo dos bens. Enfim, renunciar tudo que
desvia a vida do seu verdadeiro sentido. É preciso sentar, meditar, calcular os
gastos e os ganhos como um general prudente ou como um arquiteto que planeja
uma construção. Tal atitude nos fará enxergar mais longe e com mais
profundidade o que a vida verdadeiramente significa.
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Uma historinha
sobre gastar a vida: A libélula
Num lugar muito
bonito, onde havia árvores, flores e um lindo lago, surgiu um casulo. E
quando ele se rompeu, de dentro saiu voando uma linda libélula. E ela ficou tão
encantada com o lugar, que voou por cada pedacinho. Brincou nas flores, nas
árvores, no lago, nas nuvens…
E quando ela já
tinha conhecido tudo, no alto de uma colina, avistou uma casa - a casa do
homem. E a libélula havia de conhecer a casa do homem. E foi voando pra lá. E
então, a libélula entrou por uma janela, justo a janela da cozinha. E nesse
dia, uma grande festa era preparada. Um homem com um chapéu branco grande dava
ordens para os criados. Mas a libélula não se preocupou com isso: brincou
entre os cristais, se viu na bandeja de prata, explorou cada pedacinho daquele
novo mundo. Quando de repente, ela viu sobre a mesa uma tigela cheia de nuvens!
E a libélula não resistiu, poisela tinha adorado brincar nas nuvens, então
mergulhou! Mas quando ela mergulhou: “Ahhhhhhhh!” Aquilo não eram nuvens, e ela
foi ficando toda grudada, e quanto mais ela se mexia tentando escapar, mais ela
afundava! E a libélula então começou a rezar, fazia promessas e dizia que se
conseguisse sair dali, dedicaria o resto de seus dias a ajudar os insetos
voadores. E ela rezava e pedia! Até que o chefe da cozinha começou a ouvir um
barulhinho, e ele não sabia que era a libélula rezando. Quando olhou na tigela
de claras em neve. “Arghhhh, um inseto!” E ele pegou a libélula e a atirou pela
janela.
A libélula, então,
se arrastou para um pedacinho de grama, e sob o sol começou a se limpar. E
quando ela se viu liberta, ahhhhh ela estava tão cansada que se virou pra Deus
e disse: “Eu prometi dedicar o resto de minha vida a ajudar os outros insetos
voadores, mas agora eu estou tão cansada, que prometo cumprir minha promessa a
partir de amanhã!”
E a libélula
adormeceu… Mas o que ela não sabia, e você também não sabe, é que as libélulas
vivem apenas um dia. E naquele pedacinho de grama, a libélula adormeceu, e não
mais acordou...
Padre Roberto Netwig
Fonte: catequeseebiblia.blogspot.com.br Banner: news.va Ilustração: corpuschristi.org.br
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