Mais escuta, melhor juízo
A
manifestação de juízos no horizonte da autonomia e da liberdade é um direito e
um dever, exercício que envolve responsabilidades e riscos. É possível perceber
as consequências de uma opinião formulada ao serem considerados o alcance e a
incidência de um juízo de valor a respeito de uma situação ou pessoa. Por isso
mesmo, a manifestação de uma opinião exige compromisso moral e ético, requer
reflexões. Mas as facilidades tecnológicas, a intermediação das redes sociais,
marcadas por uma velocidade inusitada na veiculação de pontos de vista, não
raramente, são “faísca em um barril de pólvora”. A formulação de juízos é
indispensável, alimenta processos de diálogo que são insubstituíveis na
recomposição de cenários sociopolíticos, culturais e no âmbito das famílias.
Contudo, há necessidade urgente de se qualificar a formulação de opiniões,
incluindo na pauta cidadã o compromisso de se expressar de modo construtivo,
para gerar entendimentos.
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Dom Walmor |
Não se
alcançará a meta de um novo ciclo civilizatório, nos parâmetros da paz e da
justiça, sem qualificadas palavras – a palavra tem força própria, capaz de
alimentar entendimentos e gerar lucidez. A palavra pode ser usada para
construir, mas também é capaz de provocar destruições incalculáveis. Há o risco
de se usar a palavra para semear caos na sociedade, equivocada aposta na
tentativa de promover um ciclo novo. Os cristãos sabem que essa não é a direção
a ser seguida. A encarnação do Verbo, Jesus Cristo – “e o Verbo se fez carne e
habitou entre nós” – é a mais genuína prova da força criadora e redentora da
palavra. Assim, tudo que é dito precisa ser igualmente instrumento de criação,
recriação e redenção. É verdade que a palavra pode gerar destruição, mas o seu
propósito deve sempre ser a promoção do entendimento, do diálogo, da
reconciliação, com a superação de barreiras e distâncias.
Falar não é
somente a capacidade de produzir sons guturais, mas ato de criação e recriação,
gesto de redenção. Um exercício moralmente responsável e cidadão de se
expressar. A falta de consciência sobre a própria responsabilidade a respeito
do que é dito, aliada às facilidades para se expressar no mundo contemporâneo,
conduz indivíduos à banalização das palavras, o que alavanca o mal. As
consequências podem ser irreversíveis. Por isso mesmo, torna-se urgente
investir para que a formulação de juízos seja sempre atitude responsável. Nesse
caminho, cada pessoa também precisa cuidar para que não seja legada gerência a
desajustados – gente distante de princípios e valores inegociáveis.
Reconhecendo essas necessidades, oportuno é dedicar-se a um exercício básico
fundamental: aprender a escutar.
Trata-se de aprendizado
desafiador, pois tem como obstáculo uma sociedade barulhenta, incapaz de se
silenciar. O silêncio causa especial incômodo, pois remete o ser humano às suas
raízes. E contemplar as próprias raízes constitui grande desafio existencial,
porque pode revelar limitações pessoais, exigindo novas atitudes, novos
entendimentos. Ocorre também o fenômeno de uma preguiça mental e afetiva. Essa
preguiça prejudica a capacidade de deixar o próprio lugar para colocar-se na
realidade do outro e, assim, escutá-lo qualificadamente. Perde-se a
oportunidade de se deixar tocar por clamores e apelos, de se viver novos
aprendizados, pois há incapacidade para sair do próprio domínio. Deixa-se de
“untar as engrenagens” do diálogo, ponte para entendimentos, de relacionamentos
maduros, lúcidos, fecundados por princípios inegociáveis e determinantes na
construção da vida.
A sociedade
carece sempre do melhor juízo, que não pode ser confundido com simples opinião
formulada. O melhor juízo demanda competência humana e espiritual, saber
escutar para adequadamente articular as experiências e os recursos intelectuais
com a realidade. Essa articulação qualificada, em um processo de discernimento,
leva a escolhas que contribuem para que sejam alcançadas metas humanitárias,
com força para reverter cenários na contramão da vida. Todos, sem exceção, são
desafiados à construção do melhor juízo, que exige de cada um mais investimento
na arte de escutar. A gravidade do atual momento não dispensa falas e opiniões
que busquem soluções, mas indispensável é praticar, com gosto, o exercício da
escuta. Deus fala a quem se silencia e busca escutá-lo.
A qualificada
escuta garante ao ouvinte a capacidade para se deslocar na direção do outro e
de realidades complexas que paginam a vida contemporânea, uma experiência
humana e espiritual. Sem esse exercício, não se consegue opinar acertadamente:
poderá deixar de dizer o que é preciso, ou estar privado dos entendimentos
indispensáveis para contribuir com a construção de um tempo novo, pelo
exercício indispensável do diálogo. Este mundo contemporâneo, enlouquecido,
incapaz de dar conta de si mesmo e distante da razão, precisa investir na
escuta para melhorar juízos. Recordando São João Paulo II, na sua Carta
Encíclica Fé e Razão, os cristãos, em diálogo com os outros cidadãos, são
exigidos a agir e a caminhar conduzidos por estas duas “asas” – fé e razão –
pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. São João
Paulo II completa sublinhando que ‘foi Deus quem colocou no coração humano o
desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para
que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si
próprio’. A escuta que leva ao conhecimento de Deus e do próprio ser humano
qualifica os juízos, fazendo com que se tornem trilhos sobre os quais a vida
encontra adequada direção.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
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