Sem religião
Os dados do Censo Demográfico 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre a realidade religiosa necessitam ser bem conhecidos e interpretados. A tendência que predomina é a divulgação dos percentuais de católicos e evangélicos, dados que sem dúvida são muito importantes, mas que não permitem menosprezar outros indicadores da realidade religiosa brasileira que se revela sempre mais plural, como a pertença a outras religiões. A própria designação “evangélicos” inclui uma vasta gama de denominações, cujos percentuais necessitam ser melhor apresentados, por questão de respeito à identidade de cada uma e para permitir uma melhor compreensão da realidade. A questão do percentual de diminuição dos católicos, dado estatístico inegável, necessita ser devidamente interpretada, pois de modo geral, não se reflete num esvaziamento das igrejas, mas muito provavelmente na diminuição daqueles que se declaravam católicos, mas que não tinham pertença efetiva à Igreja Católica.
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Dom Sergio da Rocha |
Há um dado
revelado pelo Censo que interpela católicos e evangélicos, assim como, as
outras denominações religiosas: o alto percentual dos que se declaram “sem
religião”, que necessita maior atenção e reflexão. O índice nacional constatado
é de 9,3%, portanto, um vasto grupo de milhões de brasileiros. Este grupo
inclui uma variada gama de expressões que inclui ateus, agnósticos e pessoas
que não pertencem a nenhuma denominação religiosa, cristã ou não. O perfil dos
que se declaram “sem religião” é masculino (56,2%) e jovem (14,3%). É curioso e
desafiador para as religiões que o Estado da Bahia esteja entre os cinco
estados brasileiros com maior percentual dos que se declaram “sem religião”,
com 12,8%, e Salvador tenha o maior índice entre todas as capitais brasileiras,
18,5%. A Bahia, com a sua capital, é conhecida pela forte religiosidade do seu
povo.
As pessoas que
assim se declaram devem ser tratadas com o devido respeito pelos praticantes
das diversas religiões, pois a dignidade das pessoas é incondicional, mas os
dados constatados exigem a devida atenção das Igrejas e das outras confissões
religiosas. O que significa declarar-se “sem religião”? Quais os fatores
que levam a declarar-se assim? Como veem as religiões? É necessário aprofundar
a questão da relevância da religião ou das instituições religiosas para o
indivíduo e a sociedade no mundo de hoje.
Os indicadores dos que se declaram “sem religião” necessitam ser melhor definidos e contextualizados. Provavelmente, dentre os que assim se apresentam, há quem não assuma pertença a Igrejas ou fé explícita, mas tenha algum tipo de prática religiosa, embora sem vínculo institucional. É preciso considerar também o fenômeno da “privatização” da religião, tendência crescente no mundo contemporâneo, em que as pessoas fazem suas escolhas religiosas e adotam práticas segundo as suas preferências. As Igrejas cristãs e as outras confissões religiosas têm a difícil tarefa de compreender melhor a realidade dos que se declaram “sem religião” para poder oferecer as devidas respostas pastorais aos desafios em curso. O panorama religioso brasileiro precisa ser bem compreendido, pois não se reduz a números, mas se refere a pessoas concretamente existentes, com suas angústias e esperanças.
Cardeal Sergio da Rocha - Arcebispo Salvador (BA)
*Artigo publicado no jornal A Tarde, me 8 de junho de 2025.
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