domingo, 1 de maio de 2022

Interessantes considerações de dom Edson Oriolo:

Missa das... ou Missa com...?

“Um itinerário a ser refletido...”

Conheço uma pessoa que, ao escrever, sabe brincar ao usar as preposições. Para que isso se sustente precisa-se de uma hermenêutica bem apurada para entender e perceber a profundidade daquilo que escreve. Os seus escritos fazem jus aos significados do termo hermeneuein, isto é, exprimir ou dizer, explicar uma situação e traduzir.

Nos escritos, usa as preposições estabelecendo conexões das palavras, levando o leitor a pensar os vários sentidos daquilo que escreve. Diverte-se ao escrever as preposições “para”, “a” e “com”. Diverte-se, com as preposições, estabelecendo melhores relações com as palavras para exprimir com autoridade e autenticidade o que quer comunicar.

Dom Edson José 

Foi a partir daí que me veio a inspiração de escrever algo sobre como usamos as preposições “de”, “da”, “dos”, “das”, ao intitular uma celebração eucarística ou momentos celebrativos. Hoje, falamos e escrevemos muito “Missa da Família”, “Missa da Juventude”, “Missa dos dizimistas” Também uma máxima muito conhecida “Terço dos Homens” entre outros. Como pressuposto apraz afirmar ainda há conotação de posse, com semântica restritiva. Como se a missa pertencesse a grupos ou denominações, excluindo aqueles que não fazem parte daquele universo. Esse argumento implica indagações e reflexões que promovem o conhecimento e a maturidade da fé.

Isto posto, cabe a assertiva que indaga: serão expressões corretas? Basílio de Cesaréia (329-379) foi o que mais contribuiu para a correta doutrina sobre a terceira pessoa da Santíssima Trindade. Basílio recorda que nenhuma preposição é empregada exclusivamente para se referir a uma determinada pessoa divina. Segundo ele, as diversas preposições como, por exemplo, “de”, “por”, “em” são aplicadas indiscriminadamente ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. De seu uso, portanto, não se pode deduzir uma distinção de natureza entre os três. Nos seus textos podemos perceber como valorizou e delimitou o valor da preposição ao expor a doutrina sobre a Trindade.

Estamos vivendo num mundo de transformações, que já produziu várias gerações: perdida (1883-1900), grandiosa (1901-1924), silenciosa (1925-1942), baby boomers (1943-1960), X (1960-1970), Y (década 80), Z (década 90) e T (touch). Perpassam estas gerações várias experiências de Igreja. Hoje, corre-se o risco de cairmos, muitas vezes, numa eclesiologia intimista, devocionista, fugindo da eclesiologia apresentada pela Igreja no Brasil nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora (2019-2023): Igreja discípula, missionaria, profética e misericordiosa.

Assim sendo, esta mudança de gerações que, antigamente, era definida a cada 25 anos, baixou atualmente para 10 anos por causa das mudanças consideráveis em bem menos tempo, pois elas acontecem conforme ocorre um avanço nas tecnologias e no desenvolvimento de raciocínio e aprendizado. Com a evolução destas gerações podemos também evoluir numa compreensão mais eclesiológica das preposições “de”, “da”, “dos”, “das” para a preposição “com”.

As gerações vêm transformando a vida das pessoas em relação aos sacramentos e sacramentais. As gerações estão preocupadas em sacramentais enquanto a Igreja apresenta de maneira objetiva e clara os sacramentos. É por isso que intitulamos as celebrações da Eucaristia em Missa da Juventude, Missa da Cura, Missa dos dizimistas, Missa família etc. e também momentos de oração como “Terço dos Homens”.

No Ritual Romano encontra-se o termo: pelas famílias; em louvor a São José. O Ritual ressalta o sentido da intercessão e do louvor agradecido. Lembrar o emprego oficial do termo litúrgico pode ser uma forma de alertar os promotores de tais missas, que atribuem nela um poder de cura, de esconjuro de forças maléficas que atormentam as pessoas.

Num primeiro momento percebo que temos que ampliar a compreensão do vocábulo “missa” conferindo-lhe amplidão de significado e, dessa forma alcançar a fidelidade de compreensão e resgatar o sentido teológico da Eucaristia: memorial e ação de graças. Falar, então, de celebração eucarística.

Portanto, na fidelidade ao magistério ordinário ou extraordinário nunca deveríamos intitular as celebrações das missas com as preposições “de”, “da”, “dos”, “das”. Devemos sempre usar a preposição “com” que gera unidade, vínculo, pertença, solidariedade, comprometimento e valorização da assembleia celebrante. Enquanto a preposição “de”, “da”, “do” e “dos”, divide, separa, cria classes, rótulos.

As celebrações do mistério, na perspectiva do “com” são uma proposta evangélica de uma Igreja em Saída, realizada por discípulos missionários, que se empenham em cultivar a cultura do encontro.

Usando a preposição “com”, estaremos saindo de um devocionismo intimista e partindo para uma eclesiologia do encontro como vem nos ensinando o Papa Francisco.

Na perspectiva do “com”, podemos nos sentir mais próximos uns dos outros, conhecer melhor, sermos mais unidos, harmonizar as diferenças, maior proximidade como filhos e filhas de Deus e sentirmos um renovado sentido de unidade da família humana para fazer memória do mistério pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Acredito que as celebrações do mistério pascal devam ser bem articuladas na experiência do encontro (Cristo-Irmãos): usando sempre o “com” para vivenciarmos o mistério pascal.

No entanto, a doxologia final da oração eucarística nos dá o caminho eclesiológico para compreendermos o “com”. “Por Cristo, com Cristo e em Cristo…” Somos a comunidade de Cristo formada com jovens, com adultos, com famílias, com crianças etc.

“Com” os irmãos, vivenciando o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis, celebraremos com mais verdade e intensidade o mistério pascal que nos faz um com Cristo, na força do Espírito, louvando e bendizendo o Pai.

      Dom Edson José Oriolo dos Santos - Bispo Diocesano de Leopoldina - MG

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