terça-feira, 13 de julho de 2021

Sábia reflexão de Dom José Francisco:

Por uma religião aberta e autêntica

A coisa mais traumática que possa acontecer ao mundo é o desaparecimento de Deus. Eclipse de Deus? Morte de Deus? Muita tinta já foi usada para falar sobre o assunto! Onde a ciência nos envaidece, onde falta a escuta, onde a maravilha se transforma em distração, vai acontecer assistirmos a esse desaparecimento, como se fosse um fato natural.

Dom José Francisco

O fato é esse: onde o ego impera, Deus desaparece. É provável que já esteja acontecendo, nos espaços em que o nada toma a dianteira e a nossa capacidade de nos maravilhar diante do ser se torne, dia a dia, apenas mais operacional. Acreditar em Deus? Mas isso serve pra quê? – perguntam os incrédulos. Para esses, nem a vida aparece mais como o mistério absoluto.

Será mesmo assim? Qualquer significado despojado da plenitude de uma vida ética e amorosa, da medida secreta que aponta na direção da transcendência, não existe mesmo?

Deus é mesmo irrelevante, e o nada se transforma mesmo em puro nada? Se o homem é um navio à deriva, a religião ainda o religa à segurança de algum porto? Mas qual porto? E qual religião?

Na verdade, é preciso estar atento aos avanços de uma religião a que bem poderíamos chamar de inconsistente: aquela que se distancia da sua essência e a perde, embora continue a manter a aparência de religião. E não é pouca, e não são poucos! Não é fácil perceber onde e como isso acontece, mas é possível constatar o acontecimento, ainda que ele não seja de fácil percepção. Parece que hoje, o caminho de muitos seria manter a intenção de santidade, ainda que tendo rompido as pontes com Deus, seu poder e sua graça. Apesar disso, a religião continua a existir e a desenvolver seus rituais, cada vez mais ao gosto de cada fiel, que já perdeu o contato com a essência própria da religião.

Não vamos nem podemos esquecer que os ritos e cultos, na verdade, devem ser expressões verdadeiras de uma interioridade verdadeira, à qual eles dão corpo e forma, e dessa expressão, ou o culto se torna figura ou se desfigura. A religião exige essa passagem do mistério absoluto de Deus a uma comunhão no horizonte da experiência humana, visível e histórica. Caso contrário, estaremos diante do nada, lembrando que é até possível falar do tudo, mas é impossível perceber o nada.

É sempre bom ficar atento a uma religião que não liga nada a nada, que apenas quer se fazer próspera, na venda de promessas de prosperidade, que se torna uma excrescência progressiva e multiplicativa dos meios de comunicação religiosos, que rebaixa o verdadeiro Deus e o reduz a uma imagem feita à medida do homem, da qual o homem possa dispor. E tudo isso, pra quê? Para evitar reconhecer a própria indigência humana, e continuar a fantasiar, mais do que a ser.

Nosso tempo oculta a perda progressiva do sagrado, tenta atingir o infinito, multiplicando coisas ao infinito, adiciona finitudes individuais, projeta o infinito sobre o homem e não sobre Deus. Essa religião inconsistente desconhece a douta ignorância de que foi invadida: ao invés de salvar o homem da tentação multiplicadora e desagregadora, ela multiplica a desagregação interna. Como ela vem perdendo seu poder simbólico que tudo congrega, ela responde multiplicando os símbolos, cegamente, e com fanatismo.

Qualquer fanatismo não é senão uma imagem invertida da fé. Quem já não acredita que o mundo caminha silenciosamente para Deus, aumenta a aplicação dos símbolos e substitui Deus pelo próprio ego, percorrendo um caminho de autorredenção.

Então, diante do salto da fé, o homem sente a angústia do nada. É que não existe colo para onde saltar, nem mãos que nos amparem o salto e nos peguem, como a mãe que reconforta a criança, se ela caiu.

Não é de boa escolha fazer as vezes de Deus: do incrédulo ao fanático é isso que faz quem não sabe escolher. Aliás, o fanatismo e o ateísmo possuem a mesma face e a mesma foice: a desmedida ânsia de poder, sempre vazia.

E é bom recordar que nenhum caminho é só de ida: a volta sempre reserva surpresas. Desejo, infinitamente, que elas sejam boas.

Deixo a todos a minha bênção, o carinho do meu coração de pastor, e o pedido de orações por este pobre servo do Senhor que, na verdade, sem Ele, não seria nada.

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