Por uma religião aberta e autêntica
A coisa mais traumática que possa acontecer
ao mundo é o desaparecimento de Deus. Eclipse de Deus? Morte de Deus? Muita
tinta já foi usada para falar sobre o assunto! Onde a ciência nos envaidece,
onde falta a escuta, onde a maravilha se transforma em distração, vai acontecer
assistirmos a esse desaparecimento, como se fosse um fato natural.
![]() |
Dom José Francisco |
O fato é esse: onde o ego impera, Deus
desaparece. É provável que já esteja acontecendo, nos espaços em que o nada
toma a dianteira e a nossa capacidade de nos maravilhar diante do ser se torne,
dia a dia, apenas mais operacional. Acreditar em Deus? Mas isso serve pra quê?
– perguntam os incrédulos. Para esses, nem a vida aparece mais como o mistério
absoluto.
Será mesmo assim? Qualquer significado
despojado da plenitude de uma vida ética e amorosa, da medida secreta que
aponta na direção da transcendência, não existe mesmo?
Deus é mesmo irrelevante, e o nada se
transforma mesmo em puro nada? Se o homem é um navio à deriva, a religião ainda
o religa à segurança de algum porto? Mas qual porto? E qual religião?
Na verdade, é preciso estar atento aos
avanços de uma religião a que bem poderíamos chamar de inconsistente: aquela
que se distancia da sua essência e a perde, embora continue a manter a
aparência de religião. E não é pouca, e não são poucos! Não é fácil perceber
onde e como isso acontece, mas é possível constatar o acontecimento, ainda que
ele não seja de fácil percepção. Parece que hoje, o caminho de muitos seria
manter a intenção de santidade, ainda que tendo rompido as pontes com Deus, seu
poder e sua graça. Apesar disso, a religião continua a existir e a desenvolver
seus rituais, cada vez mais ao gosto de cada fiel, que já perdeu o contato com
a essência própria da religião.
Não vamos nem podemos esquecer que os ritos
e cultos, na verdade, devem ser expressões verdadeiras de uma interioridade
verdadeira, à qual eles dão corpo e forma, e dessa expressão, ou o culto se
torna figura ou se desfigura. A religião exige essa passagem do mistério
absoluto de Deus a uma comunhão no horizonte da experiência humana, visível e
histórica. Caso contrário, estaremos diante do nada, lembrando que é até
possível falar do tudo, mas é impossível perceber o nada.
É sempre bom ficar atento a uma religião
que não liga nada a nada, que apenas quer se fazer próspera, na venda de
promessas de prosperidade, que se torna uma excrescência progressiva e
multiplicativa dos meios de comunicação religiosos, que rebaixa o verdadeiro
Deus e o reduz a uma imagem feita à medida do homem, da qual o homem possa
dispor. E tudo isso, pra quê? Para evitar reconhecer a própria indigência
humana, e continuar a fantasiar, mais do que a ser.
Nosso tempo oculta a perda progressiva do
sagrado, tenta atingir o infinito, multiplicando coisas ao infinito, adiciona
finitudes individuais, projeta o infinito sobre o homem e não sobre Deus. Essa
religião inconsistente desconhece a douta ignorância de que foi invadida: ao
invés de salvar o homem da tentação multiplicadora e desagregadora, ela
multiplica a desagregação interna. Como ela vem perdendo seu poder simbólico
que tudo congrega, ela responde multiplicando os símbolos, cegamente, e com
fanatismo.
Qualquer fanatismo não é senão uma imagem
invertida da fé. Quem já não acredita que o mundo caminha silenciosamente para
Deus, aumenta a aplicação dos símbolos e substitui Deus pelo próprio ego,
percorrendo um caminho de autorredenção.
Então, diante do salto da fé, o homem sente
a angústia do nada. É que não existe colo para onde saltar, nem mãos que nos
amparem o salto e nos peguem, como a mãe que reconforta a criança, se ela caiu.
Não é de boa escolha fazer as vezes de
Deus: do incrédulo ao fanático é isso que faz quem não sabe escolher. Aliás, o
fanatismo e o ateísmo possuem a mesma face e a mesma foice: a desmedida ânsia
de poder, sempre vazia.
E é bom recordar que nenhum caminho é só de
ida: a volta sempre reserva surpresas. Desejo, infinitamente, que elas sejam
boas.
Deixo a todos a minha bênção, o carinho do
meu coração de pastor, e o pedido de orações por este pobre servo do Senhor
que, na verdade, sem Ele, não seria nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário