simplicidade, comunhão e esperança
como centro do Natal
Em artigo
publicado por ocasião do Natal, o arcebispo de Santa Maria, dom Leomar
Brustolin, propõe uma reflexão sobre o sentido profundo da celebração cristã a
partir da cena do nascimento de Jesus em Belém. Para o arcebispo, o coração do
Natal não está no espetáculo nem na grandiosidade, mas na simplicidade de Deus
que se faz pequeno para encontrar a humanidade.
Ao recordar a
imagem do Menino envolto em faixas e deitado numa manjedoura, dom Leomar
sublinha que a narrativa cristã rompe com as expectativas humanas de poder e
sucesso. O sinal oferecido aos pastores – homens simples de um povo pobre – não
é um trono ou um guerreiro, mas a fragilidade de um recém-nascido.
“É ali que resplandece a glória divina, uma glória que não ofusca, mas aproxima”, afirma.
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| Dom Leomar Brustolin |
Segundo o
arcebispo, a escolha da pobreza como lugar da manifestação de Deus revela uma
inversão radical de valores. A manjedoura, símbolo central do Natal, desmente a
lógica das ambições humanas e aponta para um modo novo de compreender a vida,
no qual o extraordinário pode habitar o ordinário. Ele recorda ainda a tradição
cristã antiga do admirabile commercium, a “maravilhosa troca” pela qual
Deus assume a fragilidade humana para elevar o ser humano à dignidade de filho.
Dom Leomar
alerta, porém, para o risco de esvaziamento do sentido do Natal quando essa
ligação entre a pobreza do Menino e a grandeza de Deus é esquecida. Nesse caso,
a celebração pode se reduzir ao consumo, a gestos superficiais de bondade ou a
símbolos que perdem rapidamente seu brilho. Em contraste, a noite de Belém,
segundo ele, permanece como luz capaz de iluminar as trevas de cada época.
A reflexão
também enfatiza o caráter universal da mensagem natalina. O nascimento de
Jesus, afirma o arcebispo, inaugura uma lógica de comunhão vivida no cotidiano:
o pão partilhado, a palavra que fortalece, a presença que acolhe e reconcilia.
A salvação anunciada na manjedoura passa pela reconstrução dos vínculos
rompidos e pela abertura a uma vida que vence a desesperança.
Para dom Leomar
Brustolin, o Natal não pertence a um grupo restrito nem pode ser transformado
em privilégio. A alegria proclamada pelo Evangelho é “para todo o povo” e, por
isso mesmo, renova a cada ano o chamado à superação das divisões e ao
reconhecimento da humanidade comum.
Em um mundo marcado por conflitos e incertezas, o arcebispo conclui que a imagem da criança frágil em Belém continua atual: ela recorda que Deus não abandona a criação, entra na história e abre um caminho de sentido. Assim, o Natal permanece como festa da esperança – uma esperança oferecida a todos, que nasce no silêncio e fala diretamente ao coração humano.
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Leia o artigo na íntegra:
Natal: quando a
esperança se faz pequena e ilumina o mundo
Há cenas que
atravessam os séculos com a força discreta de um sussurro. Belém, noite
silenciosa, uma criança envolta em faixas, o brilho improvável de uma luz que
não se explica. O Natal nasce dessa imagem — não de um espetáculo, mas de um
gesto quase invisível que transforma a história: Deus vem ao encontro da
humanidade fazendo-se pequeno.
A força na
simplicidade
A narrativa
cristã insiste na simplicidade. O sinal oferecido aos pastores, homens pobres
de um povo pobre, é desconcertante: não um trono, não um guerreiro, mas um
recém-nascido deitado numa manjedoura. É ali, no fundo de um estábulo, que
resplandece a glória divina — uma glória que não ofusca, mas aproxima. O Natal
subverte as expectativas humanas, revelando que a verdadeira força se manifesta
na vulnerabilidade.
Esse é, talvez,
o símbolo mais decisivo dessa festa: Deus escolhe a pobreza para falar ao
coração do mundo. Enquanto tantos procuram grandiosidade, sucesso ou poder, o
ícone autêntico do Natal aponta para uma outra direção — o caminho da
humildade. A manjedoura desmente a lógica das ambições humanas e inaugura uma
nova forma de compreender a vida: o extraordinário pode morar no
ordinário.
A tradição
cristã dos primeiros séculos falava desse mistério como admirabile commercium —
a “maravilhosa troca”: o Eterno reveste-se do tempo, o Todo-poderoso assume a
fragilidade humana, para que o homem seja elevado à dignidade de filho de Deus.
É essa troca silenciosa e revolucionária que confere ao Natal sua força
simbólica e universal.
A
alegria para todos
Mas essa
mensagem corre sempre o risco de ser encoberta. Se os cristãos se esquecem do
vínculo entre a pobreza do Menino e a grandeza de Deus, o Natal perde sua
espessura. Torna-se apenas um pretexto de consumo, de “bondade” rápida e sem
profundidade, de luzes que brilham por algumas horas e desaparecem na
manhã seguinte. A noite de Belém, no entanto, não se apaga com o tempo:
ela continua refletindo a luz que deve iluminar as trevas de cada época.
A teologia do
Natal aponta um convite: entrar na lógica da comunhão. Aquele que nasceu pobre
caminhou entre os pobres e fez da vida comum um lugar de milagres simples — o
pão partilhado, a cura que reconcilia, a palavra que fortalece, a presença que
acolhe. A salvação anunciada na manjedoura é, antes de tudo, o restabelecimento
dos vínculos rompidos, a vida reencontrada para além da morte e da
desesperança.
Por isso, o
Natal não é propriedade de alguns nem privilégio reservado a poucos. A alegria
que ele acende não pode ser retida, apropriada ou transformada em
exclusividade. O Evangelho recorda: é uma alegria “para todo o povo”. E
justamente por ser universal, ele se oferece novamente a cada ano como um
chamado: reencontrar no outro o rosto da humanidade comum, superar divisões,
reconhecer que o que nos une é maior do que o que nos separa.
A esperança que
o Natal anuncia permanece atual. Em um mundo marcado por conflitos, medos e
incertezas, a imagem da criança frágil repousando na manjedoura recorda que
Deus não abandona sua criação. Ele entra na história, assume nossas dores e
inaugura um caminho de sentido. Quem contempla essa luz compreende que a noite
não tem a última palavra.
Nesse tempo em
que tantos buscam respostas, o Natal fala baixinho — mas com a força de quem
conhece o coração humano. É o convite a uma vida mais simples, mais autêntica,
mais aberta aos outros. É a certeza de que, no silêncio da fé, Deus continua a
nascer onde menos se espera.
Sim, o Natal é a
festa da esperança — e essa esperança, como o Menino de Belém, é oferecida a
todos.
Dom Leomar Antônio Brustolin - Arcebispo de Santa Maria (RS)

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