sábado, 2 de março de 2024

Refletir é bom e necessário:

O amor não se compra

José Antonio Pagola

Quando Jesus entra no Templo de Jerusalém não encontra pessoas que buscam a Deus, mas comércio religioso. Sua atuação violenta diante dos “vendedores e cambistas” não é senão a reação do Profeta que se encontra com a religião convertida em mercado.

Aquele Templo, chamado a ser o lugar em que se havia de manifestar a glória de Deus e seu amor fiel, converteu-se em lugar de enganos e abusos, onde reina o afã por dinheiro e o comércio interessado.

Quem conhece Jesus não estranhará sua indignação. Se algo aparece constantemente no próprio núcleo de sua mensagem é a gratuidade de Deus, que ama seus filhos e filhas sem limites e só quer ver entre eles amor fraterno e solidário.

Por isso, uma vida convertida em mercado onde tudo se compra e se vende, inclusive a relação com o mistério de Deus, é a perversão mais destruidora do que Jesus quer promover. É certo que nossa vida só é possível a partir do intercâmbio e do mútuo serviço. Todos vivemos dando e recebendo. O risco está em reduzir nossas relações a comércio interessado, pensando que na vida tudo consiste em vender e comprar, tirando o máximo proveito dos outros.

Quase sem dar-nos conta, podemos converter-nos em “vendedores e cambistas” que não sabem fazer outra coisa senão negociar. Homens e mulheres incapacitados para amar, que eliminaram de sua vida tudo o que seja dar.

É fácil então a tentação de negociar inclusive com Deus. Obsequia-se Deus com algum culto para ficar bem com Ele, pagam-se missas ou se fazem promessas para obter dele algum benefício, cumprem-se ritos para tê-lo a nosso favor. O grave é esquecer que Deus é amor, e o amor não se compra. Por alguma razão, dizia Jesus que Deus “quer amor e não sacrifícios”.

Talvez o mais importante que precisamos escutar hoje na Igreja é o anúncio da gratuidade de Deus. Num mundo convertido em mercado, onde tudo é exigido, comprado ou ganho, só o gratuito pode continuar fascinando e surpreendendo, pois é o sinal mais autêntico do amor.

Nós, crentes, devemos estar atentos para não desfigurar um Deus que é amor gratuito, fazendo-o à nossa medida: tão triste, egoísta e pequeno como nossas vidas mercantilizadas.

Quem conhece “a sensação da graça” e experimentou alguma vez o amor surpreendente de Deus, sente-se convidado a irradiar sua gratuidade e, provavelmente, é quem melhor pode introduzir algo bom e novo nesta sociedade onde tantas pessoas morrem de solidão, de tédio e de falta de amor.

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JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

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                                                       Fonte: franciscanos.org.br        Banner: Frei Fábio M. Vasconcelos 

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