Artigo: Qual a diferença entre Assembléia e Sínodo?
A arquidiocese de Pouso Alegre está se
preparando para a realização do seu primeiro Sínodo
Arquidiocesano, com início previsto para novembro desse ano. A data poderá
ser alterada, dependendo da realidade de enfrentamento à Covid-19. Mas a Igreja
Particular de Pouso Alegre já vive essa preparação, conhecendo os desafios e
alegrias da sinodalidade, e se fortalecendo na oração.
A arquidiocese de Pouso Alegre possui uma
caminhada de realização de assembleias pastorais, tendo finalizado, em 2016,
sua 9ª assembleia. Então, qual a diferença entre Assembléia e Sínodo? É o que o
padre Clemildes Francisco de Paiva, membro da comissão preparatória para o
Sínodo, reflete neste artigo.
CONVERSANDO SOBRE ASSEMBLEIA E SÍNODO
Padre Clemildes Francisco de Paiva
1. O significado do termo “Assembleia”
O termo assembleia remonta a sua origem a
partir do verbo latino assimulare, o qual significa juntar. Do francês, o
termo provém de assemblée, o qual significa encontro, reunião. Em seu
bojo, o termo assembleia se refere a uma reunião de pessoas para um determinado
fim. Pode ser associado a outros conceitos como sociedade, associação ou
corporação, parlamento e clube.
O significado de assembleia é o de reunião
de pessoas para discutir determinadas questões e, de forma conjunta, deliberar
acerca dos objetivos a serem firmados. Na Assembleia, os assuntos geralmente
são submetidos à deliberação de seus membros, prevalecendo o consenso obtido
pela maioria.
Sob o prisma político, no séc. V, de acordo
com a cultura grega, a cidade de Atenas introduziu uma nova forma de governo,
tendo peculiar importância as assembleias populares. Para que alguém se
tornasse membro destas assembleias eram necessários dois requisitos: primeiro,
possuir pais atenienses e, segundo, ser maior de idade. Excepcionalmente, uma
pessoa estrangeira poderia adquirir a condição de cidadão e, por consequência,
se tornar membro da assembleia do povo. Contudo, nesta época, as mulheres não
podiam participar das assembleias.
Deixando de lado o conceito pragmático de
assembleia, é interessante observar outro termo que possui um sentido
etimológico igualmente relevante. Trata-se do vocábulo grego ekklesia, o
qual significava uma assembleia de cidadãos livres. Em latim o mesmo vocábulo
que define a Igreja (ecclesia), significava assembleia do povo, Igreja.
Há uma grande proximidade entre os termos
assembleia e Igreja, de modo que a Igreja era definida como assembleia de
pessoas. Já no Antigo Testamento, compreendia-se que o povo era a assembleia (qahal)
convocada pelo Senhor e no Novo Testamento, a Igreja (ecclesía) era a
convocação escatológica do povo de Deus em Cristo Jesus.
À luz da Sagrada Escritura pode se conceber
a existência da ekklesia, ao lado de outras duas essenciais instituições
de Israel: o templo e a sinagoga. Estas duas últimas tinham um caráter
eminentemente religioso e estavam ligadas a uma construção (edifício). Graças
ao Novo Testamento, o termo ekklesia foi adotado para se referir à
comunidade de pessoas que seguiam Jesus. Foi no tempo em que os cristãos ainda
não tinham templo e se reuniam nas casas, que tal reunião era designada pelo
termo ekklesia, no sentido de assembleia.
Mais tarde com o passar dos séculos, houve
uma identificação entre o termo ekklesia com o termo Igreja (templo),
em detrimento do sentido da palavra Assembleia. Pode-se inferir, portanto, que
o termo assembleia resgata o seu aspecto dinâmico e o verdadeiro sentido de ser
Igreja, enquanto povo reunido em nome da Trindade, assembleia de fiéis
batizados.
2. A caminhada de Assembleia Arquidiocesana
nos últimos tempos
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Assembleia Pastoral 2016// Foto: arquivo |
A Arquidiocese de Pouso Alegre possui uma
sólida caminhada de realização de Assembleias, a nível comunitário, setorial e
arquidiocesano. Como fruto desse processo, no tocante à evangelização,
obteve-se, em grande parte, a compilação de um projeto ou de um Plano de
Pastoral, o qual oferecia algumas diretrizes e prioridades específicas para a
ação evangelizadora de todo o povo de Deus desta Igreja particular.
As assembleias geralmente eram preparadas
por uma equipe de Coordenação de Pastoral, seguindo uma metodologia
participativa que se iniciava a partir das bases, ou seja, nas comunidades com
suas lideranças (CCP’s). Em seguida, nas paróquias com suas forças vivas
(CCP’s), nos setores de Pastoral (COSEPAs) e em nível arquidiocesano (com
representantes de comunidades, pastorais, conselhos que eram escolhidos
mediante votação ou por indicação/designação e com a participação de todo o
clero).
As primeiras experiências de assembleias em
nossa Arquidiocese ocorreram nos anos de 1977, 1979, 1983, 1987 e 1992 sob o
influxo da renovação protagonizada pelo Concílio Vaticano II e também pelas
assembleias promovidas pela Conferência Episcopal Latino-americana (CELAM) e
pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Nos últimos vinte anos, a Igreja Particular
de Pouso Alegre tem realizado uma singular caminhada pastoral. É muito salutar
recordar do Projeto Formamos a Igreja Viva, fruto da Assembleia de Pastoral de
1999, que resultou nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Arquidiocese
de Pouso Alegre 2000-2004 (Doc. 01). Esta Assembleia trouxe como objetivo
formar comunidades participativas, acolhedoras e solidárias, ministeriais e
missionárias, celebrativas e ecumênicas e, tendo como prioridade, a formação
permanente e a dimensão sócio-transformadora, frente aos apelos do Evangelho e
da realidade atual.
A Assembleia Arquidiocesana de Pastoral de
2004 culminou com a elaboração do Plano de Ação Pastoral de Pouso Alegre
2005-2008 (Doc. 02), tendo dois objetivos específicos: despertar e formar a
consciência de uma Igreja missionária e acolhedora e reforçar a dimensão
sócio-transformadora. O texto inspirador desta sétima assembleia arquidiocesana
foi extraído do Evangelho de Lucas, a respeito do Caminho de Emaús (Lc
24,13-35), como também serviu de base para a estruturação dos capítulos do
referido plano.
A oitava Assembleia Arquidiocesana ocorrida
no ano de 2010 levou à elaboração do Plano da Ação Evangelizadora da
Arquidiocese de Pouso Alegre 2010-2014 (Doc. 04) e ao desejo de ser uma Igreja
samaritana que experimenta o amor de Cristo e se torna discípula e missionária
do Senhor. O texto iluminador foi extraído do Evangelho de João (Jo
4,1-30.39-42), sobre o encontro de Jesus com a samaritana, enfatizando a
necessidade de adesão ao novo modo de ser “Igreja Viva”, incentivando e criando
uma rede de comunidades missionárias, conforme as prioridades assumidas: 1)
Comunidade e Missão; 2) Família e Juventude nas suas diversidades; 3)
Compromisso sócio-transformador.
A última Assembleia Arquidiocesana
iniciou-se em 2015, com o Jubileu Extraordinário da Misericórdia e atingiu o
seu clímax no ano de 2016. O grande fruto desta caminhada está expresso no
Plano da Ação Evangelizadora 2017-2020: À mesa da Palavra e do Pão, somos
alimentados e enviados em missão. Nesta empreitada, o objetivo traçado como
horizonte foi o de formar uma Igreja Viva, sendo uma Igreja de discípulos missionários,
acolhedores, proféticos e misericordiosos a serviço da construção de uma
sociedade mais justa e fraterna. Não obstante à penúltima assembleia, também
foram escolhidas três prioridades pastorais: 1) Comunidade de fé em estado
permanente de missão; 2) Comunidade de Fé a serviço das Famílias; 3) Comunidade
de Fé a serviço da Vida Plena para todos. E as condições fundamentais para a
ação evangelizadora: Pastoral Orgânica e Formação Permanente.
Esta é a valiosa herança ou o precioso
patrimônio da evangelização da porção do Povo de Deus desta Igreja Local que
pretendeu, em cada época, responder corajosamente aos apelos do Senhor e às
necessidades mais prementes do povo de Deus.
3. Um estilo peculiar e um novo jeito de
caminhar como Igreja: sinodal (sínodo)
A palavra sínodo faz jus à sua origem
etimológica grega que significa “caminhar juntos” ou então “o
caminho feito conjuntamente pelo povo de Deus”. No grego eclesiástico, exprime
“o ser convocados em assembleia dos discípulos de Jesus e, em alguns casos, é
sinônimo da comunidade eclesial”.
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O termo sínodo em grego equivale ao
vocábulo latino sýnodus ou concilium. Este último, no uso
profano, consiste numa “assembleia convocada por uma legítima
autoridade”. Apesar de serem, hoje, palavras distintas pelo próprio direito
eclesiástico, sínodo e concílio possuem um significado muito próximo. Isso
igualmente ocorre entre assembleia e sínodo de modo que, assembleia possui um
conceito mais amplo e sínodo uma compreensão mais restrita. Em outras palavras,
todo sínodo é assembleia, porém nem toda assembleia é sínodo, mas pode
designar, por exemplo, um concílio ou até mesmo uma simples reunião
comunitária.
Nos primeiros séculos da história da Igreja
o termo sínodo era empregado para designar as assembleias eclesiais em diversos
níveis. Por meio dele se buscava discernir à luz da Palavra de Deus e por meio
da escuta do Espírito Santo as questões de natureza dogmática, celebrativa ou
disciplinar seja a nível local, provincial, regional ou universal.
Graças à caminhada histórica de renovação e
de transformação (“aggiornamento”) proporcionada pelo Concílio Vaticano II, a
Igreja pôde se debruçar nesta dimensão importantíssima para a sua ação
evangelizadora, que não surgiu após o Vaticano II, mas desde às suas origens,
na era apostólica: a sinodalidade. Inúmeros teólogos passaram a refletir sobre
esta dimensão constitutiva da Igreja, a qual indica o modo de ser e de agir de
toda a Igreja.
Tal intento enceta a importância de caminhar
juntos, reunir-se em assembleia e estimular que todos os fiéis cristãos
participem ativamente da missão evangelizadora da Igreja de modo que se
verifique a sinodalidade não como um acessório ou uma vestimenta externa da
Igreja, mas como uma dimensão constitutiva do seu modus vivendi et operandi.
O estudo conduzido pela Comissao Teológica
Internacional acerca da sinodalidade na vida e na missão da Igreja salienta que
a “sinodalidade exprime o ser sujeito de toda Igreja e de todos na Igreja” (n.
55). Enquanto membros sinodais da Igreja, os fiéis são companheiros de caminho,
não são obrigados a caminhar, mas livres para viver e testemunhar a fé, unidos
entre si e em comunhão com toda a Igreja. A fé compartilhada por todos leva à
comunhão de todo o gênero humano. Neste sentido, verifica-se que a
“sinodalidade é uma expressão viva da catolicidade da Igreja comunhão” (n. 58).
4. Pistas para a vivência da sinodalidade
na Igreja Particular (Diocese)
O primeiro nível de exercício da
sinodalidade se concretiza na Igreja particular: “Na Igreja particular o
testemunho se encarna em situações humanas e sociais especificas permitindo uma
incisiva ativação das estruturas sinodais a serviço da missão” (n. 77). Na
diocese, os fiéis são chamados a intensificar a vivência da fé de forma
dialogal e solícita, pois “uma igreja sinodal é uma Igreja participativa e
corresponsável” (n. 67).
Deste modo, apresentamos de forma bastante
simples e sucinta, algumas pistas a serem levadas em conta para que o sínodo
não seja apenas visto como um evento transitório, mas enquanto o despertar para
a vocação sinodal de todo o povo de Deus:
a) Fomentar na vida comunitária e
paroquial a prática da escuta comunitária da Palavra, da participação ativa e
frutuosa da celebração da Eucaristia e dos demais sacramentos: sem a Palavra
que une e congrega não há comunhão, o que impossibilita a vivência da
sinodalidade. Além disso, os sacramentos nutrem os fiéis a permanecerem em
Cristo (tronco) e à sua Igreja (ramos da videira);
b) Criar ou revitalizar os espaços de
comunhão e de fraternidade, para a participação de todos, sem exclusão
(segregação), reclusão (afastamento) ou oclusão (fechamento) nos diversos
âmbitos eclesiais: é o que o Papa Francisco tem alertado sobre o risco de uma
Igreja autorreferencial, autocentrada em si mesma, em sua própria subsistência
e que se esquece de criar vínculos, unir forças, partilhar experiências e ir ao
encontro, sobretudo, dos mais afastados;
c) Não descuidar da importância da
natureza sinodal da Igreja que se exprime a nível organizacional
(institucional): tal preocupação, porém, não deve matar o Espírito, no sentido
de conduzir a um excessivo rigorismo ou formalismo, mas deve levar a uma
profunda “conversão pastoral”;
d) Educar para o discernimento, de
modo que os fiéis aprendam a seguir na escuta do Espírito: aprender a ouvir,
antes de querer tomar a iniciativa de sempre falar. Ouvir com atenção, ouvir
com o coração, ouvir o que a Igreja precisa escutar, o que implica em auscultar,
para que ela possa seguir fielmente no caminho do anúncio e do testemunho do
Evangelho;
e) Revigorar o modus operandi da
Igreja diocesana por meio de suas estruturas institucionais, tais como: Cúria
diocesana e Coordenação de Pastoral, Colégio dos Consultores e Cabido
Diocesano, Conselho Presbiteral e para Assuntos Econômicos e outros: tais
elementos constituem âmbitos permanentes de exercício de promoção da comunhão e
da sinodalidade; Além disso, valorizar e promover os leigos nos diversos
âmbitos, onde sua presença não é apenas necessária, mas eficaz;
f) Estimular a vivência da
sinodalidade na vida da paróquia por meio do fortalecimento da rede de relações
fraternas e na autonomia dos conselhos paroquiais de pastorais e para Assuntos
Econômicos, com a participação laical na consulta e no planejamento pastoral: a
mútua colaboração entre clérigos e leigos na corresponsabilidade pela comunhão
na diversidade de vocações, carismas, ministérios e competências evitando,
porém, qualquer intransigência, negligência ou omissão que leve a uma
clericalização dos leigos ou a uma laicização dos clérigos;
g) Busca de uma maior colaboração e
parcimônia nas foranias ou setores pastorais da diocese, de modo que haja uma
economia solidária, para suprir não apenas momentaneamente, mas de modo efetivo
as necessidades fundamentais de cada paróquia, evitando a disparidade econômica
e as desigualdades entre as comunidades paroquiais: a sinodalidade se verifica
também além das reflexões e cogitações, na tomada de decisões que visam
assegurar a promoção da comunhão e da fraternidade entre todas as paróquias,
como também no presbitério diocesano, de modo semelhante às primeiras
comunidades cristãs, entre as quais não havia cristãos que passavam
necessidade.
Estas pistas, longe de serem exaustivas,
visam favorecer o aprofundamento acerca da relevância do Sínodo e mais que
isso, da vivência da sinodalidade em nossa caminhada enquanto povo de Deus.
Necessitamos de responder continuamente à convocação do Senhor, a escutar
comunitariamente o que o Espírito diz à Igreja de Pouso Alegre e, por meio da
Palavra de Deus que ressoa na atualidade, interpretá-la com os olhos da fé, a
fim de discernir os sinais dos tempos.
Há múltiplos desafios pastorais à nossa
volta, tal como os discípulos de Emaús ensejamos procurar juntos os caminhos a
percorrer na missão eclesial, conclamando a todos a exercer a
corresponsabilidade por meio do diálogo e da mútua colaboração. O tema para a
celebração do primeiro Sínodo da Igreja Particular de Pouso Alegre se apresenta
como uma bússola nesse longo caminho a percorrer: “Igreja, caminho de
comunhão para a missão”. Aproximemo-nos mais uns dos outros, apesar de
vivermos tempos de distanciamento social. Aproximemo-nos com o coração e
deixemos que a Solenidade de Pentecostes, que ora estamos celebrando, nos leve
ao diálogo e à escuta: “Uma Igreja sinodal é uma Igreja que escuta (…) cada um
na escuta dos outros; e todos na escuta do Espírito Santo” (Papa Francisco).
OBS: As citações literais foram extraídas
do Doc. 48 da Comissão Teológica Internacional, conforme consta na
Bibliografia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARQUIDIOCESE DE POUSO ALEGRE. Diretrizes da
Ação Evangelizadora da Arquidiocese de Pouso Alegre 2000-2004 – Formamos a
Igreja Viva (Doc. 01).
ARQUIDIOCESE DE POUSO ALEGRE. Plano de Ação
Pastoral da Arquidiocese de Pouso Alegre 2005-2008 – Formamos a Igreja Viva
(Doc. 02).
ARQUIDIOCESE DE POUSO ALEGRE. Plano da Ação
Evangelizadora da Arquidiocese de Pouso Alegre 2010-2014 – Formamos a Igreja
Viva (Doc. 04).
ARQUIDIOCESE DE POUSO ALEGRE. Plano da Ação
Evangelizadora 2017-2020 – Formamos a Igreja Viva (Doc. 02).
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A
sinodalidade na vida e na missão da Igreja (Doc. 48). Brasília: Edições CNBB,
2018.
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