A Igreja nas casas (I)
As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
da Igreja no Brasil, para o período de 2019-2023 (Doc. 109 da CNBB), foram
elaboradas tendo como referência a imagem da “casa”, entendida como lugar de
chegada, de permanência e de saída. A casa como lugar de convivência e de
relações, de proximidade e de afetos, dos risos e dos choros. A casa é o lugar
que mais remete à família e ao encontro. Deixa profundas lembranças nas
pessoas. Uma vez construída, precisa ser cuidada, envelhece, aceita
reformas e, um dia, pode não mais existir.
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Dom João Justino |
Toda casa tem fundamentos, ou alicerces ou
pilares. A Igreja no Brasil tomou essa imagem para falar das Comunidades
Eclesiais Missionárias. Identificou os seus pilares: Palavra, Pão, Caridade e Ação
Missionária. Dedicou o capítulo 3 das Diretrizes ao tema “A Igreja nas casas”.
Lembrou-se de que “a casa, enquanto espaço familiar, foi um dos lugares
privilegiados para o encontro e o diálogo de Jesus e seus seguidores com
diversas pessoas (Mc 1,29; 2,15; 3,20; 5,38; 7,24). Nas casas Ele curava e
perdoava os pecados (Mc 2,1-12), partilhava a mesa com publicanos e pecadores
(Mc 2,15ss; 14,3), refletia sobre assuntos importantes, como o jejum (Mc
2,18-22), orientava sobre o comportamento na comunidade (Mc 9,33ss; 10,10) e a
importância de se ouvir a Palavra de Deus (Mt 13,17.43)” (Doc. 109, 73).
Os bispos se recordaram, ainda, de que
“entre os primeiros cristãos, a experiência da Igreja, na casa, implicava um
conjunto de relações para além dos laços familiares das casas tradicionais. A
Igreja nas casas garantia um senso de pertença à família de Deus (Mc 3,31-35) e
já não importava mais ser grego ou judeu, escravo ou livre, mas somente ser de
Cristo (Cl 3,11; Gl 3,28). A casa-comunidade era o lugar do reconhecimento
mútuo e, nela, seus habitantes deviam superar as distâncias e passar das
simpatias ao encontro” (Doc. 109, 76). “O cristianismo propôs que a ordem
patriarcal, característica das casas naquela cultura, fosse convertida pelo
amor em uma ordem fraterna, com participação ativa das mulheres e cuidado
especial para com os mais fracos e pobres” (Doc. 109, 77).
O Papa Bento XVI escreveu sobre os cônjuges
Priscila e Áquila: “… chegamos ao conhecimento do papel importante que este
casal desempenha no âmbito da Igreja primitiva: isto é, o de receber na própria
casa o grupo dos cristãos locais, quando eles se reuniam para ouvir a Palavra
de Deus e para celebrar a Eucaristia. (…) Portanto, na casa de Áquila e
Priscila reúne-se a Igreja, a convocação de Cristo, que celebra os Mistérios
sagrados. E assim podemos ver o nascimento precisamente da realidade da Igreja
nas casas dos crentes” (Audiência Geral em 07.02.2007).
Quando nós bispos do Brasil escrevemos, em
maio de 2019, as Diretrizes, não imaginávamos que, em março de 2020, seríamos
surpreendidos com uma pandemia que, nos momentos mais críticos, restringiu até
o mínimo de fiéis para a celebração da eucaristia nas igrejas. Tivemos de
incentivar os fiéis para assistirem as celebrações transmitidas pelas TVs e
redes sociais. Assim, logo nos vimos diante da urgente necessidade de
revitalizar a “igreja doméstica”. Demo-nos conta do quanto estávamos
desprovidos dessa experiência identitária da igreja primitiva. Ressoou forte no
coração de todos nós a palavra de Jesus: “Onde dois ou mais estiverem
reunidos em meu nome, ali estarei eu no meio deles” (Mt 18,20).
Dom João Justino de Medeiros Silva - Arcebispo
de Montes Claros (MG)
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