O delicado perfume da gratuidade
Frei Almir Guimarães
Mais uma vez entramos em contato com a
parábola dos convidados para uma festa de casamento que estavam ansiosos por
ocupar os primeiros lugares à mesa do banquete. Foram afoitos. Poderia haver
gente mais importante a ocupar os lugares que eles andavam pretendendo tomar.
Tema da gratuidade, tema da humildade. Postura essencial para entrarmos no
mundo de Jesus: pessoas não presunçosas, gente que conhece sua dignidade mas
não querem estar sempre na passarela.
As coisas não aconteceram tal qual como são
descritas por Lucas. Trata-se de uma história que deve nos levar a pensar. As
pessoas começavam a chegar. Esperavam os noivos. O desejo de muitos era de
ocupar os primeiros lugares, perto dos principais do lugar. Merecimento?
Vontade de aparecer? Os que agora são convidados, posteriormente convidariam
seus anfitriões. Jogo de troca. Toma lá, dá cá. Às vezes, como diz Pagola, até
a amizade e o amor aparecem marcados pelo interesse e pelo egoísmo. Em nossos
dias há pessoas que cumprem obrigações sociais em certos eventos… Há mesmo os
que ousam ocupar os primeiros lugares sem mérito. Podem ser convidados a deixar
o lugar para os amigos mais íntimos do anfitrião. Cuidado.
Humildade se opõe a orgulho, pretensões de
superioridade, desejo de dominar, imaginação de que somos melhores do que os
outros e merecedores de favores. Postura que torna a pessoa insolidária e
mesquinha. Os de bom senso contemplam a falta de quem avança esquecendo os
outros. Luta pelo poder, desejo desmedido do ego.
Em latim se diz humilitas. A
palavra deriva de humus, isto é, terra, chão, humus. Humildade
significa a coragem de aceitarmos nosso vínculo com a terra, a vontade de
conciliarmos com nossa realidade, com o fato que viemos da terra e fomos
alçados à dignidade de filhos de Deus por graça, sem mérito de nossa parte.
Sabemos que tudo é graça, tudo é dom. Não somos os donos de nós mesmos. Ele, o
Senhor, nos inventou e anda nos acompanhando e fecundando o labor de nossas
mãos. Tudo dele recebemos. Quando atribuímos valores a nós mesmos estamos
roubando o que é do Senhor. São Francisco de Assis dizia: “Nada de vós
retenhais para vós mesmos, para que totalmente vos receba quem totalmente se
vos dá” (Carta a toda a Ordem 29). O pior que pode acontecer com uma pessoa é
que ela viva orgulhosamente. Este talvez seja o mais grave pecado. Homem algum
é uma ilha. O mestre não hesitou em ser lavador dos pés dos irmãos.
Jesus buscava organização do mundo
diferente, sob a lei da partilha. Uma sociedade em que as pessoas pensassem nos
mais fracos, nos sem prestígio público, que não ficasse vidrada nas pessoas que
pudessem lhes dar lucros, em amizades interesseiras.
A leitura do Eclesiástico aborda o mesmo
tema: “Para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado
está enraizada nele e ele não compreende”.
Em inúmeras passagens a Escritura nos diz
que Deus se revela aos humildes e se fecha aos soberbos, que o publicano que
rezava com o coração arrependido encontrou a Deus e não o fariseu presunçoso. É
extremamente agradável conviver com pessoas simples. Não conseguimos dar
atenção por longo tempo a pessoas amantes de ilusórias grandezas e que aberta
ou camufladamente incensam-se a si mesmas.
A pessoa humilde não precisa alardear sua
humildade: sua vida respira simplicidade e temos vontade de conviver com ela.
Os que se dizem humildes, nem sempre o são.
Anselm Grün: “Pessoas humildes não são
pessoas que se diminuem ou que sintam paralisadas diante de qualquer tarefa,
por se acharem incapazes das mesmas. Humildes são aqueles que têm a coragem de
assumir a própria realidade e, nela, comportam-se modestamente”.
Eclesiástico: “Na medida em que fores
grande deverás praticar a humildade e assim encontrarás graça diante de nosso
Senhor”.
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Texto seleto
Maria reconhece sua pequenez diante da
grandeza de Deus, e porque reconhece é porque ela pode também alegrar-se.
Colocar nossa vida nua, a nossa inteira e pequena vida nas mãos de Deus em nada
nos diminui. São Paulo há de escrever, na linha do Magnificat, “quando sou
fraco, então sou forte, porque nos basta a graça de Deus (2Cor 12,10). (…).
Deus nos ama sem por que, ama-nos porque nos ama. A fraqueza que achamos dentro
de nós não é obstáculo ao seu amor, ao contrário do que pensamos. Deixemos Deus
amar a nossa pequenez, insignificância, escassez, o nosso nada. Porque só isso
permitirá que abramos realmente as portas do nosso coração a Deus e aí ele
possa dizer que a nossa vocação, qualquer que seja, será o Amor (José Tolentino
Mendonça).
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Oração
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FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
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