“Uma Pessoa nos salva, não
uma doutrina"
Entrevista com o Arcebispo argentino de La
Plata, Dom Víctor Manuel Fernández, que o Papa Francisco nomeou como novo
Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé: "Manter a fé certamente não
exclui a vigilância; a fé pode ser salvaguardada sobretudo com o aumento da sua
compreensão".
O arcebispo argentino Dom Víctor Manuel Fernández |
Uma teologia que cresça e se aprofunde “no
diálogo entre os teólogos e no entendimento com as ciências e a sociedade”. Mas
sempre a serviço da evangelização. O Arcebispo de La Plata, Dom Víctor
Manuel Fernández, considera que seja esta a tarefa que Francisco lhe confiou,
como emerge da carta que o Bispo de Roma lhe enviou com sua nomeação para
prefeito do Dicastério para a Doutrinada Fé. Dom Fernández é um estreito
colaborador do Papa Bergoglio desde quando era arcebispo de Buenos Aires. Em
uma conversa com a mídia vaticana, o novo Prefeito, que assume o cargo no
próximo mês de setembro, fala sobre o significado de anunciar o Evangelho e
manter a fé em nossos dias.
Dom Víctor, por que o Papa acompanhou a sua
nomeação com uma carta? Qual seu significado?
Dom Víctor: “Sem dúvida, isso tem um significado
importante. O Papa disse que, com o decreto de nomeação, ia me enviar uma carta
para esclarecer o significado da minha missão. Nela, ele destaca pelo menos
seis pontos fortes que me convidam à reflexão; mas, no meu parecer, acho que,
com o seu conteúdo, ele quis de alguma forma antecipar a aplicação da
Constituição Apostólica ‘Praedicate Evangelium’. De fato, insiste para a
Teologia possa amadurecer, crescer e se aprofundar no diálogo com os teólogos e
no entendimento com a ciência e a sociedade. Mas tudo isso sempre a serviço da
evangelização. Ele já havia transmitido esta mensagem ao colocar este
Dicastério logo depois do da Evangelização. Porém, com a sua Carta, Francisco a
torna ainda mais explícita; aliás, ele a confirma de modo mais evidente com a
escolha de um teólogo e pároco como novo Prefeito Dicastério da Doutrina da
Fé”.
O que significa hoje "manter" a
fé?
Dom Víctor: “Francisco explica que a expressão 'manter
a fé' é rica de significados. Certamente, não exclui a vigilância, mas afirma
que a Doutrina da Fé deve ser salvaguardada, sobretudo, com o aumento da sua
compreensão. Também uma situação, ao ter que enfrentar uma possível heresia,
deveria contribuir para um novo desenvolvimento teológico, que leve a
amadurecer a compreensão da doutrina: eis a melhor maneira de manter a fé! Se o
Jansenismo, por exemplo, pôde persistir por tanto tempo, é porque houve apenas
condenações, sem dar nenhuma resposta a certas intenções legítimas, que
poderiam se ocultar atrás dos erros, e sem nenhum desenvolvimento teológico
adequado na época”.
Como anunciar o Evangelho e transmitir a fé
em contextos cada vez mais secularizados das nossas sociedades?
Dom Víctor: “Buscando mostrar sempre e melhor toda a
beleza e atração da mensagem evangélica, sem a desfigurar e contagiar com
critérios mundanos; deve-se sempre encontrar um ponto de contato, que a permita
ser verdadeiramente significativa, eloquente, preciosa para quem a recebe. Sem
o diálogo com a cultura, corremos o risco de tornar a nossa mensagem
irrelevante, por mais bela que seja. Por isso, sou muito grato pelo tempo que
passei como membro do Pontifício Conselho para a Cultura, onde pude conhecer,
mais profundamente, o coração do Cardeal Gianfranco Ravasi”.
Qual o significado e a atualidade das
palavras de Bento XVI no prólogo da sua encíclica Deus caritas est:
"O início do ser cristão não parte de uma decisão ética ou de uma grande
doutrina, mas do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá origem a
um novo horizonte e, com ele, a direção decisiva”?
Dom Víctor: “É muito oportuno recordar estas palavras
em nossos dias. Nenhuma doutrina religiosa mudou o mundo, a não ser mediante um
acontecimento de fé, um encontro que dá uma nova orientação à vida. Isso não
vale apenas para o cristianismo, mas pode ser constatado na história das
religiões, como, por exemplo, a crise do hinduísmo e sua posterior renovação
com os hinos a Krishna e em tantas outras ocasiões. Sem a experiência do Cristo
vivo, que ama e salva, não podemos moldar nosso ‘ser cristão’; brigar ou
discutir com todos não ajuda a amadurecer seu desenvolvimento nas pessoas. Esta
frase de Bento XVI convida-nos a desenvolver uma teologia sólida e bem
consolidada, cada vez mais orientada a esta finalidade”.
ANDREA TORNIELLI
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