sábado, 15 de junho de 2024

Reflexão muito oportuna:

Semear

José Antonio Pagola

Nem sempre estamos conscientes das profundas mudanças que estão se produzindo na consciência do homem contemporâneo. De acordo com diversos observadores, estamos passando pouco a pouco de uma “sociedade de crenças” na qual os indivíduos agiam movidos por alguma fé que lhes proporcionava sentido, critérios e normas de vida, para uma “sociedade de opiniões”, na qual cada um tem sua própria opinião sobre a vida, sem necessidade de fundamentá-la em nenhuma tradição nem sistema religioso. As religiões vão perdendo a autoridade que tiveram durante séculos.

São postos em questão os sistemas de valores que orientavam o comportamento das pessoas. Pouco a pouco vão sendo abandonadas as antigas “razões de viver”. Estamos vivendo uma situação inédita: os antigos pontos de referência não parecem servir para muita coisa e os novos ainda não estão delineados.

Não é fácil medir as consequências de tudo isto. Esquecidas as grandes tradições religiosas, cada indivíduo se vê obrigado a buscar, por sua conta, razões para viver e dar sentido à sua breve passagem por este mundo. É inevitável a pergunta: Em que se crê quando se deixa de crer? A partir de onde orienta sua vida aquele que abandona as antigas “razões de viver”?

O resultado não parece muito lisonjeiro. Existem, sem dúvida, pessoas que conseguem orientar sua vida de maneira nobre e digna. A maioria, porém, vai deslizando para a indiferença, o ceticismo e a vida medíocre. A crise atual está levando não poucos para o desinteresse, o esquecimento ou o abandono de uma fé que um dia teve um significado em sua vida. Já não interessam as grandes questões, menos ainda os ideais um pouco nobres. Basta viver bem.

Jesus fala de uma semeadura misteriosa da Palavra de Deus no coração humano. Pode parecer que existem pessoas em cujo interior ninguém pode semear hoje semente alguma: as pessoas já não escutam os pregadores; as novas gerações não creem nas tradições. No entanto, Deus continua semeando nas consciências inquietude, esperança e desejos de vida mais digna. Ele o faz não tanto a partir dos pregadores, mestres e teólogos, mas sobretudo a partir das testemunhas que vivem sua fé em Deus de maneira atraente e até invejável.

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JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

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                                                      Fonte: franciscanos.org.br       Banner: Frei Fábio M. Vasconcelos

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