sábado, 29 de fevereiro de 2020

Editorial do Vaticano:

O caminho no deserto
Francisco nos diz que o deserto é o lugar em que se toma distância do barulho que nos circunda. É ausência de palavras para dar espaço a outra Palavra, a Palavra de Deus, que acaricia o nosso coração como a brisa suave.
Silvonei José – Cidade do Vaticano Iniciamos na última quarta-feira, com o rito das cinzas, o período da Quaresma. Também neste ano o Papa Francisco nos propõe uma sua mensagem para nos ajudar a percorrer este itinerário de 40 dias que nos leva ao ápice do ano litúrgico e da nossa fé, a Páscoa de Nosso Senhor Jesus. Na sua mensagem cujo título foi inspirado na 2ª carta de São Paulo aos Coríntios, “Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus”, Francisco chama a atenção para um diálogo coração a coração, de amigo a amigo com Jesus. Fixar os braços abertos de Cristo crucificado e deixar-se salvar sempre de novo. “A Páscoa de Jesus – escreveu - não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem.”
Neste contexto o Papa nos convida à contemplação do Mistério pascal, recordando que a experiência da misericórdia só é possível “face a face” com o Senhor crucificado e ressuscitado e nos convida à oração, tão importante neste tempo quaresmal. Antes de ser um dever, a oração expressa a “necessidade de corresponder ao amor de Deus, que sempre nos precede e sustenta. Ainda o convite do Pontífice a não deixar passar em vão este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e modos da nossa conversão a Ele.
Devemos colocar o Mistério pascal no centro da nossa vida, acrescenta o Papa, e isso significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras “vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria”.
E já na quarta-feira última, Quarta-feira de Cinzas, na Praça São Pedo, durante a audiência geral, Francisco, sempre com o olhar fixo neste tempo de conversão, afirmou que a o tempo da Quaresma é entrar no deserto. E o Papa se deteve no “significado espiritual do deserto”, também para nós que vivemos na cidade, e nos convidou a nos imaginar num deserto. “A primeira sensação seria de estar envolvidos num grande silêncio: sem barulho, a não ser do vento e da nossa respiração”.
O deserto – afirmou -, é o lugar em que se toma distância do barulho que nos circunda. É ausência de palavras para dar espaço a outra Palavra, a Palavra de Deus, que acaricia o nosso coração como a brisa suave. Portanto “a Quaresma é o tempo propício para abrir espaço à Palavra de Deus”.
Francisco foi mais longe e nos deu indicações. É o tempo para desligar a televisão e abrir a Bíblia. É o tempo para se desligar do telefone celular e se conectar com o Evangelho. É o tempo de renunciar a palavras inúteis, conversinhas, fofocas, mexericos e se aproximar do Senhor. É o tempo de se dedicar a uma ecologia saudável do coração, fazer uma limpeza nele. Vivemos num ambiente poluído por muita violência verbal, por muitas palavras ofensivas e nocivas, que a rede amplifica.” "Hoje, se insulta como se você dissesse “Bom dia”. Somos submergidos de palavras vazias, publicidades e anúncios falsos. Nos acostumamos a ouvir tudo sobre todos e corremos o risco de cair num mundanismo que atrofia os nossos corações. 
Assim temos dificuldade para distinguir a voz do Senhor que nos fala, a voz da consciência, do bem. Temos dificuldade em prestar atenção no que interessa, no que é importante, no essencial.
Olhemos então para as nossas vidas: quantas coisas inúteis nos circundam. Seguimos mil coisas que parecem necessárias, mas na realidade não são. Nos fará bem – disse o Papa - nos libertar de muitas realidades supérfluas a fim de redescobrir o que interessa e reencontrar o rosto de quem está ao nosso lado. O caminho no tempo quaresmal é um caminho de caridade para com os vulneráveis. Oração, jejum e obras de caridade: eis o caminho no deserto quaresmal.
...............................................................................................................................................................
Exercícios Espirituais com o padre Bovati:

Escutar Deus é uma experiência profética

Os Exercícios Espirituais do Papa e da Cúria Romana serão realizados na localidade italiana de Ariccia a partir de hoje, domingo, 1° de março, até o dia 6. O pregador será o Pietro Bovati, estudioso bíblico jesuíta, entrevistado pelo Vatican News.
Amedeo Lomonaco - Cidade do Vaticano - "A sarça ardia em fogo (Êxodo 3,2)" - O encontro entre Deus e o homem, à luz do Livro do Êxodo, do Evangelho de Mateus e da oração dos Salmos". Este é o tema dos Exercícios Espirituais para o Papa e a Cúria Romana, que terão início no domingo em Ariccia, na Casa Divino Mestre. As meditações estarão a cargo do sacerdote jesuíta Pietro Bovati, secretário da Pontifícia Comissão Bíblica. Nesta entrevista ao Vatican News, o biblista jesuíta ilustra o itinerário dos Exercícios Espirituais:
Pe. Pietro Bovati - O tema do retiro diz respeito à experiência de Deus, representada pelo encontro de Moisés com a sarça ardente e pela escuta da Palavra que sai dessa sarça, do fogo. A Palavra que ilumina a vida dos homens e indica a eles o caminho da vida. Exercícios Espirituais são, basicamente, uma ajuda para esse encontro pessoal da alma com Deus. A missão do guia espiritual é a de favorecer esse encontro de cada um com Deus a ouvir, de maneira pessoal, a Palavra do Senhor. Somente Ele pode dar a cada um as indicações que são, ao mesmo tempo, normativas e consoladoras.
Vatican News: Qual é o itinerário dos Exercícios Espirituais?
Pe. Pietro Bovati – A modalidade que pensei é fazer que cada um escute a Palavra de Deus, entregue nas Escrituras Sagradas, seguindo o itinerário dos profetas: a escuta de Deus na oração é, de fato, uma experiência profética. Aquela, de fato, vivida por Moisés quando ele ouve a voz de Deus. A mesma coisa fez Jesus Cristo, que em toda a sua vida manifesta que Ele fala porque é Deus. Assim, repassamos alguns textos das Escrituras mostrando como Moisés e Cristo se colocam à escuta da Palavra de uma maneira tal, que possa ajudar seus irmãos em uma experiência profética.
Vatican News: Profecia e oração serão o fio condutor desses Exercícios Espirituais?
Pe. Pietro Bovati - O tema da oração e da profecia guiará o itinerário que tentarei oferecer, basicamente percorrendo alguns textos do Livro de Êxodo e algumas passagens do Evangelho de Mateus, também para expressar aquilo que é de certa forma o dinamismo quaresmal: durante a Quaresma, somos convidados a percorrer novamente, espiritualmente, o caminho do povo no deserto que vai em direção ao monte de Deus, em direção à experiência pascal.
Vatican News: Portanto, será um caminho à luz da Palavra de Deus ...
Pe. Pietro Bovati – Em síntese, será o que procurarei fazer, repassando alguns temas como o da vocação, da resistência à graça de Deus, e depois mostrando algumas tarefas que são confiadas em particular àqueles que, na comunidade, desempenham papéis de responsabilidade. Até concluir com esta experiência consoladora da presença de Deus próxima do homem, que o segue, o conduz e o transforma em uma pessoa capaz de irradiar a luz de Deus.
Vatican News: A escuta da palavra de Deus é o passo fundamental para um encontro pessoal com Jesus e para uma autêntica experiência profética ...
Pe. Pietro Bovati  - Vejo que a oração, muitas vezes, é interpretada como um colóquio, um expressar a própria alma a Deus. Essa é uma dimensão da oração, mas a sua dimensão mais profunda e autêntica é aquela do homem que fala ao Senhor e diz: o teu servo te escuta. É o momento em que Moisés entra na tenda e Deus fala a ele como faz um homem com seu amigo. Essa familiaridade em escutar Deus é uma experiência profética. Neste encontro, conhecemos a vontade de Deus, ouvimos o que Ele diz, que é bom. E, portanto, dispõe o homem nesta dimensão da obediência, da fidelidade, da fé que constitui a experiência religiosa autêntica. É isso que o homem deve procurar viver na oração. Não simplesmente interpretá-la como um pedido ou como uma recitação de palavras que dirige a Deus. A primeira coisa fundamental é ouvir: "Se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais os vossos corações como no deserto".
Vatican News: O homem que vive em oração ouve a Palavra de Deus. Como o Senhor pode falar conosco, como fez com Moisés?
Pe. Pietro Bovati - Pensamos que a experiência de Moisés seja uma experiência completamente extraordinária, como a dos profetas, a de Jesus Cristo e também dos primeiros apóstolos. Mas isso não é verdade. Essas narrativas querem dizer a nós o que realmente acontece quando o homem se coloca em oração e recebe o Espírito. Ou seja, se coloca à disposição para receber a Palavra íntima que o Senhor dirige a cada um em seu coração. Esta é a experiência pentecostal de cada crente. A experiência autêntica que torna o homem capaz de entrar em relação pessoal com Deus.
Vatican News: Como essa relação pode ser favorecida?
Pe. Pietro Bovati - Recebendo a Palavra profética, isto é, a mesma Palavra de Deus que foi entregue nas Escrituras e procurando assimilá-la porque Deus nos fala por meio dos profetas, nos fala por meio de sua Palavra. E é uma Palavra repleta do Espírito, não com uma data. Uma Palavra que chega até nós hoje, porque toda palavra inspirada é útil para nos dizer o que Deus quer em nossa vida.
Vatican News: A Palavra chega até nós hoje, em nossa vida, mas também ilumina o sentido da história, o sentido dos tempos ...
Pe. Pietro Bovati - Nos ajuda a compreender e a interpretar o sentido da história que não é somente uma visão teórica e geral. Ajuda-nos a ver a história como se realiza no presente hoje. E nos capacita, não somente a viver adequadamente o que Deus quer de cada um de nós, mas a tornar-nos um instrumento de luz, de guia e de encorajamento. A dar testemunho para nossos irmãos, de tal maneira a ser aquela lâmpada, aquela luz e aquele fermento que o Senhor quer para sua Igreja. Para aqueles que têm responsabilidades eclesiais, isso me parece de extraordinária relevância.
Vatican News: A presença do Papa e da Cúria será também para o senhor uma fonte de especial inspiração…?
Pe. Pietro Bovati - Existe quase um sentido de admiração em encontrar-se nessa situação. Porém minha humilde missão como irmão é a de transmitir aquela experiência religiosa que eu tive ao ouvir a Palavra de Deus e dar alguma ajuda, alguma inspiração para a oração, para que se faça a experiência desta beleza, desta profundidade, desta verdade da Palavra de Deus, uma palavra que nos atinge profunda e pessoalmente.
Vatican News: Palavras iluminadas e corações novos. É esta a ligação fundamental ... ?
Pe. Pietro Bovati - É a Palavra de Deus que, em um certo sentido, tem essa função de amolecer os corações, de renová-los por dentro, de fazer com que o coração se torne cada vez mais capaz daquela profundidade espiritual e depois daquela ternura, daquela misericórdia, daquela compaixão que sabemos ser o coração da revelação de Deus para os homens: ir de encontro a eles para ajudá-los, fazer com que se tornem cada vez mais capazes de acolher o mistério da vida até sua plenitude escatológica.
..............................................................................................................................................................
                                                                                                               Fonte: vaticannews.va

Nenhum comentário:

Postar um comentário